terça-feira, 12 de julho de 2011

A Crise Ideológica do Capitalismo Ocidental

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O Globo, 12/07/2011

 

A Crise Ideológica do Capitalismo Ocidental

 

JOSEPH E. STIGLITZ , Prêmio Nobel de Economia, é professor da Universidade de Columbia

 
Há apenas alguns anos, uma poderosa ideologia — a crença em mercados livres e irrestritos — levou o mundo à beira da ruína. Mesmo no seu auge, do início dos anos 80 até 2007, o capitalismo desregulado ao estilo americano criou maior riqueza material apenas para as pessoas mais ricas nos países mais ricos do mundo. De fato, durante os 30 anos de ascensão desta ideologia, a maioria dos americanos viu sua renda diminuir ou estagnar, ano após ano. Além disso, o crescimento da produção nos EUA não era economicamente sustentável. Com tanto da renda nacional indo para tão poucos, o crescimento só podia continuar via consumo, financiado por uma montanha crescente de dívidas.
Eu estava entre os que acreditavam que, de algum modo, a crise financeira daria aos americanos (e a outros) uma lição sobre a necessidade de maior igualdade, regulamentação mais forte e melhor equilíbrio entre mercado e governo. Mas não foi o caso. O ressurgimento de uma política econômica de direita, impulsionada, como sempre, por ideologia e interesses especiais, uma vez mais ameaça a economia global — ou pelo menos as da Europa e dos EUA, onde essas ideias continuam a florescer.
Nos EUA, esse ressurgimento da direita, cujos adeptos evidentemente buscam revogar as leis básicas da matemática e da economia, ameaça forçar o default da dívida pública federal. Se o Congresso determinar gastos acima das receitas, haverá déficit, que terá de ser financiado. Ao invés de sopesar cuidadosamente os benefícios de cada programa de gastos do governo e os custos de elevar os impostos para financiar esses benefícios, a direita quer usar a marreta — não permitir que a dívida federal se eleve obriga a limitar os gastos à arrecadação tributária. Isto deixa aberta a questão sobre que gasto deve ter prioridade — e, se não for o pagamento dos juros da dívida pública, o default é inevitável. Além do mais, cortar gastos agora, no meio de uma crise criada pela ideologia do livre mercado, simplesmente prolongaria a retração econômica.
Há uma década, no meio de um boom econômico, os EUA tiveram um superávit tão grande que ameaçava eliminar a dívida federal. Guerras e redução de impostos insustentáveis, uma grande recessão e custos ascendentes do sistema público de saúde — reforçados em parte pelo fato de o governo Bush ter dado aos laboratórios liberdade para fixar preços, mesmo com dinheiro público envolvido — rapidamente transformaram um enorme superávit em déficit recorde.
Os remédios para o déficit americano seguem imediatamente esse diagnóstico: pôr os EUA para trabalhar de novo com estímulo à economia; acabar com as guerras insensatas; controlar os gastos militares e o preço dos medicamentos; e aumentar impostos, pelo menos sobre os muitos ricos. Mas a direita não quer nada disso e, ao contrário, pressiona por maiores reduções de impostos para corporações e endinheirados, além de cortes nos investimentos e programas de proteção social, o que coloca o futuro da economia americana em perigo e rasga o que resta do contrato social.
Enquanto isso, o setor financeiro faz intenso lobby para se ver livre de regulamentação para poder voltar às desastrosas práticas anteriores. As coisas não estão muito melhores na Europa. Enquanto a Grécia e outros países enfrentam crises, o remédio do dia são desgastados pacotes de austeridade e privatização, que meramente deixarão os países que os abraçarem mais pobres e mais vulneráveis. Isto falhou no Leste da Ásia, na América Latina e em outras regiões, e falhará de novo na Europa. Na verdade, já falhou na Irlanda, na Letônia e na Grécia.
uma alternativa: uma estratégia de crescimento apoiada pela União Europeia e pelo FMI. O crescimento restauraria a confiança em que a Grécia poderia pagar sua dívida, resultando em queda dos juros e dando mais liberdade fiscal para outros investimentos que alavanquem a recuperação. O crescimento aumenta a receita tributária e reduz a necessidade de gastos sociais, tais como auxílio-desemprego. E a confiança que ele estabelece conduz a maior crescimento.
Lamentavelmente, os mercados financeiros e os economistas de direita vêm o problema exatamente da forma oposta: acreditam que austeridade produz confiança e que confiança produz crescimento. Mas a austeridade solapa o crescimento, agravando a situação fiscal do governo, ou pelo menos causando menos benefícios do que seus advogados prometem. Nos dois casos, a confiança é minada e uma espiral descendente entra em ação.
Precisamos mesmo de outra dispendiosa experiência com ideias que falharam repetidamente? Não, mas parece cada vez mais que teremos de aturar outra, apesar de tudo. Será ruim para a economia global se a Europa ou os EUA não conseguirem voltar a um crescimento robusto. Se isto ocorrer em ambos será um desastre — mesmo se os principais países emergentes conseguirem manter um crescimento sustentado. Infelizmente, a não ser que cabeças mais sábias prevaleçam, esse é o rumo para o qual o mundo caminha.

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São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2011

O que Obama quer

PAUL KRUGMAN

Sejamos francos. Está ficando cada vez mais difícil confiar nas motivações do presidente Barack Obama na luta em torno do Orçamento, em vista do desvio à direita que seu discurso econômico vem fazendo.
Se você apenas ouvisse os discursos dele, poderia concluir que ele compartilha o diagnóstico republicano sobre o que está errado em nossa economia e o que deveria ser feito para resolvê-lo. Talvez essa não seja uma impressão equivocada.
Um exemplo desse desvio à direita se deu no discurso em que Obama disse o seguinte sobre a base econômica do Orçamento: "O governo precisa começar a viver com os recursos dos quais dispõe, assim como fazem as famílias. Precisamos cortar gastos com os quais não podemos arcar, para colocar a economia sobre uma base mais estável e proporcionar a nossas empresas a confiança de que precisam para crescer e gerar empregos".
São três das falácias econômicas favoritas da direita em apenas duas sentenças. Não, o governo não deve traçar seu Orçamento como fazem as famílias; pelo contrário, tentar equilibrar o Orçamento em tempos de dificuldades econômicas constitui uma receita para aprofundar o declínio. Cortes nos gastos, neste momento, não "colocariam a economia sobre uma base mais estável". Eles reduziriam o crescimento e elevariam o desemprego. E as empresas não estão se contendo porque lhes falte confiança nas políticas do governo, mas porque não têm fregueses suficientes, problema que seria agravado, e não aliviado, por cortes de gastos no curto prazo.
As pessoas têm me perguntado por que os assessores econômicos do presidente não estão lhe dizendo para não acreditar na afirmação, popular entre a direita, mas avassaladoramente refutada pelas evidências, de que reduzir gastos diante de uma economia deprimida vá gerar empregos de maneira mágica. Minha resposta é: "Que assessores econômicos?". Quase todos os economistas destacados da gestão Obama ou já a deixaram ou a estão deixando. E não foram substituídos.
Quem está definindo as posições econômicas da administração? Parte do que temos ouvido está vindo, presume-se, da equipe política.
De qualquer maneira, não acredito que tudo isso se deva a cálculos políticos. Assistindo a Obama, é difícil não ter a impressão de que ele está procurando conselhos de pessoas que creem que o deficit, e não o desemprego, é o problema mais premente que a América enfrenta atualmente e acreditam que a parte maior da redução do deficit deveria vir de cortes nos gastos.
Nem os republicanos sugeriam cortes na Previdência Social; isso é algo que, aparentemente, Obama quer como um fim em si.
E isso levanta a grande pergunta: se um acordo em relação à dívida for fechado de fato, e se ele refletir de modo avassalador as prioridades e a ideologia conservadoras, deveriam os democratas no Congresso votar em favor dele?
O pessoal de Obama vai argumentar que seus correligionários deveriam confiar nele. Mas é difícil entender por que um presidente que vem se dando a muito trabalho para ecoar a retórica republicana e endossar visões conservadoras falsas deve merecer essa confiança.

PAUL KRUGMAN é economista, vencedor do Prêmio Nobel (2008). Sua coluna do 'New York Times' passa a ser publicada no caderno Mundo às segundas.

Tradução de CLARA ALLAIN

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