Colaboração de Tânia Gerbi Veiga
O ESTRANHO SILENCIAMENTO DOS LIBERAIS NORTE-AMERICANOS
Por John Pilger
Como funciona a censura política nas sociedades liberais? Quando o meu filme «Year Zero: the Silent Death of Cambodja» foi proibido nos EUA em 1980, a rede de televisão PBS cortou a comunicação. As negociações terminaram abruptamente. As chamadas telefónicas não eram devolvidas. Alguma coisa tinha acontecido, mas o quê? O Year Zero alertara já grande parte do planeta para os horrores do regime de Pol Pot, mas também tinha investigado o papel crítico da Administração Nixon na subida ao poder do tirano e na devastação do Cambodja.
Seis meses mais tarde, um funcionário da PBS disse-me: «Isto não foi um acto de censura. Vivemos dias difíceis em Washington. O seu filme ter-nos-ia trazido problemas com a Administração Reagan. Pedimos desculpa.»
Na Grã-Bretanha, a longa guerra na Irlanda do Norte gerou uma censura semelhante, camuflada. A jornalista Liz Curtis compilou mais de 50 filmes de televisão que nunca foram exibidos, ou cuja exibição foi indefinidamente adiada. A palavra «censura» raramente foi utilizada, e os responsáveis respondiam invariavelmente que acreditavam na liberdade de expressão.
Seis meses mais tarde, um funcionário da PBS disse-me: «Isto não foi um acto de censura. Vivemos dias difíceis em Washington. O seu filme ter-nos-ia trazido problemas com a Administração Reagan. Pedimos desculpa.»
Na Grã-Bretanha, a longa guerra na Irlanda do Norte gerou uma censura semelhante, camuflada. A jornalista Liz Curtis compilou mais de 50 filmes de televisão que nunca foram exibidos, ou cuja exibição foi indefinidamente adiada. A palavra «censura» raramente foi utilizada, e os responsáveis respondiam invariavelmente que acreditavam na liberdade de expressão.
A Fundação Lannan, em Santa Fé, no Novo México, acredita na liberdade de expressão. O seu sítio na Internet diz que «se dedicam à liberdade de expressão cultural, à diversidade e criatividade». Autores, realizadores e poetas acorrem a este santuário do liberalismo financiado pelo multi-milionário Patrick Lannan na tradição de Rockfeller e Ford.
A fundação também «financia» as midias liberais norte-americanos, tais como a Free Speech TV, a Foundation for National Progress (que edita a revista Mother Jones), o Nation Institute e o programa de rádio e televisão Democracy Now!. Na Grã-Bretanha, tem apoiado o Prémio Martha Gellhorn de jornalismo, de cujo júri faço parte. Em 2008, Patrick Lannan apoiou a campanha presidencial de Barack Obama. De acordo com o jornal Santa Fe New Mexican, ele é muito dedicado a Obama.
Nada se sabe
Em 15 de Junho, era eu esperado em Santa Fé, tendo sido convidado para partilhar o palco com o distinto jornalista norte-americano David Barsamian. A Fundação deveria também apresentar a estreia norte-americana do meu novo filme, «The War You Don’t See», que investiga a construção de uma imagem falsa dos senhores da guerra, em especial Obama.
A fundação também «financia» as midias liberais norte-americanos, tais como a Free Speech TV, a Foundation for National Progress (que edita a revista Mother Jones), o Nation Institute e o programa de rádio e televisão Democracy Now!. Na Grã-Bretanha, tem apoiado o Prémio Martha Gellhorn de jornalismo, de cujo júri faço parte. Em 2008, Patrick Lannan apoiou a campanha presidencial de Barack Obama. De acordo com o jornal Santa Fe New Mexican, ele é muito dedicado a Obama.
Nada se sabe
Em 15 de Junho, era eu esperado em Santa Fé, tendo sido convidado para partilhar o palco com o distinto jornalista norte-americano David Barsamian. A Fundação deveria também apresentar a estreia norte-americana do meu novo filme, «The War You Don’t See», que investiga a construção de uma imagem falsa dos senhores da guerra, em especial Obama.
Estava prestes a partir para Santa Fé, quando recebi um e-mail da funcionária da Fundação Lannan encarregada da minha visita. O seu tom era de incredulidade. «Aconteceu alguma coisa», escreveu. Patrick Lannan tinha-lhe telefonado e ordenado que todos os meus eventos fossem cancelados. «Eu não faço ideia do que terá acontecido», escreveu.
Confuso, pedi que a estreia do meu filme fosse autorizada, já que a distribuição nos EUA em grande medida dependia disso. Ela repetiu que «todos» os meus eventos tinham sido cancelados, «e isso inclui a exibição do seu filme». No sítio da Fundação Lannan, a palavra «cancelado» tinha sido colocada sobre uma fotografia minha. Não houve qualquer explicação. Nenhum dos meus telefonemas foi atendido, nem os e-mails subsequentes foram respondidos. Fui remetido para um mundo Kafkiano em que nada se sabe.
O silêncio durou uma semana, até que, sob pressão das midias locais, a Fundação Lannan emitiu um comunicado conciso que dizia que apenas um número diminuto de bilhetes se vendera, o que não tornava «viável» a minha visita, e que «a Fundação lamenta que a razão para o cancelamento da visita não tenha sido explicada ao Sr. Pilger ou ao público à data da tomada da decisão». Um editorial do Santa Fe New Mexican levantava questões. O jornal, que de há muito tempo tem tido um papel proeminente na promoção de iniciativas da Fundação Lannan, revelou que a minha visita fora cancelada antes dos anúncios e trailers serem divulgados. Uma entrevista de página inteira comigo teve que ser apressadamente retirada. «Pilger e Barsamian poderiam esperar preencher quase todos os 820 lugares do [Centro de Artes] The Lensic».
O director do The Screen, o cinema de Santa Fé que fora alugado para a estreia, foi contatado a altas horas da noite e instado a interromper a promoção on-line do meu filme. Não lhe foram dadas explicações, mas ele decidiu por si reagendar o filme para 23 de Junho. Foi um êxito, e houve muitas pessoas que não puderam assistir. A ideia de que não havia interesse por parte do público não era verdade, como se demonstrava.
Sinais de censura
Há teorias? Muitas, mas nenhuma prova. Para mim, é tudo reminiscente das sombras da Guerra Fria. «Alguma coisa se saberá», afirmou Barsamian. «Não poderão manter segredo sobre isto».
A minha conferência de 15 de Julho teria sido sobre a conivência do neo-liberalismo norte-americano com o permanente estado de guerra e o fim das tão proclamadas liberdades, tais como o direito de chamar os governos a prestar contas. Nos EUA, como na Grã-Bretanha, a verdadeira discordância (ou a liberdade de expressão) foi substancialmente criminalizada. Obama, o liberal negro, o exemplo do politicamente correto, o sonho do marketing, tem tanto de senhor da guerra quanto George W. Bush. A sua marca pessoal é de seis guerras. Nunca na história presidencial dos EUA a Casa Branca moveu processos a tantos denunciantes e, no entanto, este discurso da verdade, este exercício de verdadeira cidadania constitui o cerne da Primeira Emenda à Constituição dos EUA. O maior feito de Obama é ter seduzido, neutralizado e silenciado grande parte da opinião pública liberal nos EUA, incluindo os opositores à guerra.
A reação ao cancelamento foi esclarecedora. Os mais corajosos, como o denunciante Daniel Ellsberg, mostraram-se chocados. Do mesmo modo, muitos americanos comuns telefonaram para as estações de rádio e escreveram-me, reconhecendo os sinais de uma censura mais lata. Todavia, algumas vozes liberais consideraram uma afronta que eu me tenha atrevido a pronunciar a palavra ‘censura’ a respeito de um tal símbolo das «liberdades culturais». O embaraço daqueles que pretendem viabilizar ambos os caminhos é evidente. Outros fecharam a porta e nada disseram. Face à ao impiedoso espetáculo de poder do seu patrono, é compreensível. Para esses, o poeta dissidente russo Yevgeni Yevtushenko escreveu certo dia: «Quando a verdade dá lugar ao silêncio, o silêncio é uma mentira.»
Publicado por NewStatesman, 7.07.2011
Tradução de André Rodrigues P. Silva
Tradução de André Rodrigues P. Silva
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