quinta-feira, 14 de julho de 2011

Com quantos paus se faz uma canoa... furada

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São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2011

 
Mercado torce braço dos governos


CLÓVIS ROSSI

Para comprovar que há uma guerra aberta entre os governos europeus e os mercados basta acompanhar a cronologia desta semana.
Na segunda-feira, o francês Michel Barnier, comissário europeu para Mercado Interno, teve a ousadia de sugerir que as agências de avaliação de risco não deveriam dar nota para títulos de países que estão na UTI europeia, ou seja, que respiram artificialmente com os pacotes de ajuda da "troika" União Europeia/Fundo Monetário Internacional/Banco Central Europeu.
No dia seguinte, a Moody's, uma das três agências que, juntas, controlam 90% do mercado, repicou: rebaixou a nota da Irlanda, exatamente um dos três países na UTI (os outros dois são Grécia e Portugal). Na quarta-feira, as duas outras agências elevaram a aposta: ambas reduziram ao nível de lixo a nota para os papéis já sumamente degradados da Grécia.
Que há uma formidável dose de especulação no rebaixamento da Irlanda é fácil de demonstrar: a alegação é a de que o país não conseguirá sair da UTI e financiar-se no mercado quando a UE retirar os aparelhos de respiração artificial (que tomaram a forma de um pacote de US$ 113 bilhões).
Muito bem. Quando é que os aparelhos serão retirados? No final de 2013. Em que mês e ano estamos? Julho de 2011. Adivinhar o que vai acontecer com um país daqui a ano e meio é chute.
Já a Fitch, ao rebaixar mais a nota da Grécia, foi ao ponto certo. Alega, com razão, "a ausência de um novo e crível plano de ajuda [da "troika"], junto com o aumento da incerteza quanto ao papel dos credores privados em qualquer futuro plano de resgate financeiro".
É uma apta descrição do ponto da situação. De fato, a mídia europeia informa que há 36 diferentes planos para envolver o setor privado nos pacotes de resgate. Quem tem 36 planos na verdade não tem nenhum que seja consistente.
A queda de braço governantes/mercados gira em torno de quem paga o custo do socorro à Grécia, necessário para evitar alguma forma de calote. Ontem, aliás, Charles Dallara, o porta-voz do IIF (Instituto de Finanças Internacionais, o conglomerado de cerca de 400 bancos globais), admitia que um "calote seletivo" (e de curto prazo) não chegaria a ser um drama.
Que o contribuinte vai ficar com a maior parte já não há dúvida. Resta saber se a banca paga ao menos uma parte ou nada.
Até o FMI já acha que deveria pagar, sim. Cobrou ontem "um abrangente envolvimento do setor privado, dada a escala da necessidade de financiamento e a conveniência da divisão dos custos".
Poderia ter acrescentado que o setor financeiro foi importante ator para a crise global que ainda reverbera e, no caso grego, foi descuidado com empréstimos para quem não podia pagar. O problema é que o poder dos governos para impor perdas aos mercados é infinitamente inferior ao dos próprios mercados.
Até por questão de "timing": mercados estalam os dedos (na verdade, teclas de computador) e causam pânico instantâneo. Governos, para colocarem ordem nas contas, precisam de tempo. A Itália, por exemplo, planeja déficit zero, mas para 2014. Os mercados não esperaram terminar julho de 2011 para disparar contra o país.

São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2011

'Mercados' se aliviam no mundo

 
VINICIUS TORRES FREIRE

 
"OS MERCADOS" mostraram ontem com quantos paus se faz uma canoa furada. Um feixe de notícias ruins vira um navio de especulação. "Bolsas sobem, alívio nos mercados", dizem os locutores dos noticiários e manchetes dos "on-lines".
Alívio para quem, de quê? Bolsas subirem ou caírem não são em si mesmo sinal de coisa alguma a respeito da economia, ainda mais em se tratando de um dia (ou semana, ou mês). No entanto, entra dia, sai dia, a gente ouve essas tolices.
Ontem, "os mercados" comemoraram que o mundo vai mal o bastante para haver ainda alguns meses de dinheiro fácil para especular com ativos de risco (ações, commodities, moedas a ativos de países periféricos, como o nosso etc.).
Ben Bernanke, o presidente do BC americano, o Fed, disse ao Congresso do país que a economia está pior que imaginava. Insinuou que uma iniciativa desesperada e perigosa como inundar o mundo de dólares pode ser reativada se (ou quando) o caldo da atividade econômica entornar (e está entornando).
Tal estímulo monetário talvez não fosse necessário (se é que funciona) se o governo dos EUA pudesse gastar em promoção de emprego e na reanimação de setores ora em coma nos EUA (como o imobiliário).
Mas tal programa está sendo enterrado pela tibieza de Barack Obama e pelos parlamentares republicanos, que vão obrigá-lo a cortar gastos, o que vai retardar ainda mais o crescimento americano.
A esse respeito, note-se que uma dessas agências de classificação de risco de calote alertou ontem o governo dos EUA para o fato de que estuda baixar a nota de crédito do país.
O motivo mais imediato é o risco de o governo americano não ter como pagar suas contas e dívidas ao final deste mês - o que seria catástrofe de alcance mundial.
A Câmara deles, dominada pelos republicanos, não quer autorizar uma elevação do teto de endividamento do governo dos EUA sem que Obama corte despesas do governo.
O mercado ficou alegrinho também porque a economia chinesa continua superaquecida, o que estimula especulação com commodities, as quais o país consome de modo pantagruélico. Mas a China ainda crescendo demais é má notícia, pois o excesso de velocidade pode levar ao descarrilamento.
Há "alívio nos mercados", mas o impasse político na Europa sobre a solução da crise grega pode arrastar mais países para o tumulto. A crise na eurozona continuava ontem na mesmíssima.
Tanto continuava que também ontem o Fundo Monetário Internacional, o velho e notório FMI, soltou uma avaliação da crise grega na qual, lá pelas tantas, diz na prática que é preciso impor um calote aos credores do governo da Grécia.
Embora a redução forçada da dívida grega pareça providência inevitável para a maioria dos estudiosos ponderados do caso, ainda assim isso vai dar em grande tumulto financeiro. A confusão será maior ou menor a depender do "jeitinho" de fazer a coisa - o calote.
O mundo está atolado nesta lama feita de risco de colapso financeiro de governos europeus, risco de contágio global, anemia econômica americana, excesso chinês e especulação à vontade com dinheiro de fantasia. E "os mercados" se aliviam. No resto do mundo, decerto.

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