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Gianni Carta 7 de janeiro de 2011
Marine Le Pen ganha força política e ameaça ir mais longe que o pai. Por Gianni Carta, de Paris. Foto: Miguel Medina/ AFP
Ela quer tirar a França da União Europeia, é favorável à reintrodução da pena de morte, a uma moratória contra a imigração e à supressão do direito do solo para a obtenção de cidadania. Num discurso em Lyon, em mea-dos de dezembro, comparou os muçulmanos a pregar nas ruas (por conta de mesquitas cheias) ao período da ocupação da França pela Alemanha nazista. Seu nome? Marine Le Pen, 42 anos, a provável nova líder da Frente Nacional.
Ambição não lhe falta. Seu objetivo é repetir nas presidenciais de 2012 o feito do pai, Jean-Marie Le Pen, que disputou o segundo turno contra Jacques Chirac no pleito geral de 2002. De acordo com recentes sondagens, 27% dos franceses simpatizam com Marine Le Pen, ou Marine, como é conhecida. Seu pai nunca chegou a esse nível de aprovação.
A onda marinista é real: atualmente, apenas 25% do povo votaria em Nicolas Sarkozy, líder de uma direita dividida. E ameaçada por franco-atiradores de semelhantes inclinações ideológicas – e com intenções de se apresentar em chapas diferentes nas presidenciais. Por ora, qualquer um dos candidatos para as primárias do Partido Socialista (formação também desnorteada) venceria Sarko.
O rival de Marine na sucessão de Le Pen, de 82 anos e há quatro décadas na liderança da agremiação, responde por Bruno Gollnisch, de 60 anos. Mas, no domingo 16, num congresso em Tours, a maioria dos 30 mil aderentes da legenda votará na midiática Marine. A prova: numa enquete, 91% dos integrantes da FN escolheram Marine como candidata do partido nas eleições de 2012.
A clamorosa aprovação de Marine, atualmente vice-presidente da FN, é sem dúvida beneficiada pelo apoio do pai. Em entrevista para a France Culture, na terça-feira 4, Jean-Marie Le Pen desejou um “bom resultado” para Gollnisch, seu ex-braço direito. Mas Le Pen espera a vitória de Marine. E sublinhou: “Não apoio minha filha por razões familiares, mas porque Marine tem as qualidades necessárias e suficientes para assumir essas funções bastante difíceis”.
Com ou sem o aval do pai, Marine conseguiu sair de sua enorme sombra. Deputada europeia desde 2004, ela é conselheira municipal de Hénin-Beaumont e regional de Nord-Pas-de-Calais, ao norte da França. Segundo pesquisa recente, 35% dos franceses acreditam que Marine introduzirá um rosto mais humano à FN. Em entrevistas, ela repete seu objetivo de “desdiabolizar” a legenda herdada do pai. Assim como o ex-neofascista Gianfranco Fini, na Itália, ela deverá, ou assim esperam seus seguidores, romper com os neonazistas da FN. E, como Fini, quem sabe um dia fará alianças com partidos moderados de direita.
Em sua autobiografia, À Contre Flots, a mais jovem das três filhas de Le Pen conta como seus professores de esquerda a detestavam na escola. Ela nutria o desejo de ser fotógrafa, ou estilista de moda. Virou advogada, mas o nome Le Pen só prejudicou. Dois eventos foram marcantes. Aos 8 anos, uma bomba atingiu sua casa e quase a matou. Aos 16, sua mãe, Pierrette, fugiu com o biógrafo do pai. Le Pen anunciou que a mulher deveria virar doméstica. Pierrette rebateu posando apenas com um avental, na revista Playboy.
Marine encarna a mulher moderna. Divorciada duas vezes, cuida da filha, Jehanne, de 12 anos, e dos gêmeos Louis- e Mathilde, de 11 anos. Numa visita à sede da Frente Nacional para entrevistar um analista político em 2008, Marine adentrou a sala. Ofereceu, sorriso nos lábios, um firme aperto de mão. Ela é loira, alta, tem as costas largas do pai. Usava, como sempre, jeans com botas, não os costumeiros tailleurs de outras políticas. Interessou-se pela política no Brasil. Indaguei se ela gostaria um dia de liderar a FN. “Quem sabe?”
Marine tem, parece, suas diferenças com o pai. Certa vez, ficou de mau humor com ele meses a fio. Motivo: o pai declarou que as câmaras de gás na Segunda Guerra Mundial foram um “detalhe” da história. Além de não se considerar antissemita, Marine é a favor do aborto. Defende os direitos da mulher e dos homossexuais. Esse posicionamento a favor da “democracia sexual”, alega o soció-logo Eric Fassin, é uma retórica – bastante usada também por Sarkozy – para atacar a poligamia, o véu, o niqab etc.
Num ensaio no diário Libération, Fassin não concorda com o sociólogo Paul Schnabel, que explica o seguinte: Geert Wilders (o líder da extrema-direita holandesa) não é de extrema-direita porque não padece de homofobia nem de antissemitismo. Isso, a despeito de sua “virulenta islamofobia alimentar seu discurso contra imigrantes”. Da mesma forma, Marine se julga lepenista patriota, mas não política de extrema-direita. Ademais, Marine tem posições tidas como de extrema-esquerda: ela é contra a globalização porque, entre outros, cria desemprego na França, e é favorável a impostos sobre a especulação e dividendos.
Contudo, a FN é uma formação extremista em relação a temas como imigração. “A imigração hoje ameaça os princípios laicos da República”, argumenta Bruno Bilde, conselheiro de Marine. Por essas e outras, Marine pretende abolir a dupla nacionalidade e o direito de solo. “A nacionalidade francesa se herda ou é merecida”, martela Marine. Segurança é outro ponto em que não haverá arrefecimento. Ela julga importante oferecer maiores poderes à polícia. As sanções contra delinquentes deveriam ser mais duras, sustenta. E a pena de morte se inscreve nesse quadro linha-dura.
Na verdade, as lutas contra a imigração e pela segurança não são mais domínios da extrema-direita. Em 2007, Sar-kozy ganhou as eleições em grande parte porque emprestou esses temas da FN. E se inspirou até no teatral populismo lepenista. Em 2005, o futuro presidente não chamou jovens em revolta nos subúrbios de “escória”? E na sua Presidência criou até um Ministério da Identidade Social (depois inserido em outro ministério porque o povo não o aprovou). Houve, ainda, as expulsões dos roma no verão para desviar a atenção dos franceses de um caso a envolver um ministro que teria recebido somas ilegais para financiar o partido de Sarko na campanha presidencial. O presidente, claro, queria também melhorar seu nível de popularidade. Em miúdos, o sarkozismo e o lepenismo têm suas semelhanças.
Assim como o pai – e Sarko – Marine tem rompantes teatrais com o intuito de polemizar. O objetivo, claro, é atrair votos dos extremistas e aqueles a concordar, em silêncio, com a luta contra a imigração para a França. Segundo vários observadores, a diferença entre Le Pen, Sarko e Marine é esta: ela encarna um neofascismo camuflado e, por isso, de grande perigo.
Gianni Carta é jornalista, correspondente de CartaCapital em Paris, escreve sobre coisas da vida do Hemisfério Norte.
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