Zanone Fraissat/Folhapress
Jovem apreendido na madrugada de ontem pela 17ª vez
AFONSO BENITES
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE SÃO PAULO
Aos 14 anos, idade em que poderia estar no 9º ano do ensino fundamental, um adolescente da zona sul de São Paulo já é um velho conhecido da polícia.
Ontem, foi apreendido pela 17ª vez, depois de ser detido ao volante de um carro furtado em Cidade Ademar.
Levado à delegacia, o garoto, que cometera o mesmo delito pela primeira vez aos 9 anos, mordeu a mão do delegado Leonardo Soares.
Ele foi encaminhado à Fundação Casa (antiga Febem), já que sua família disse à polícia que "desistiu" dele.
O garoto foi encontrado, na madrugada de ontem, com quatro amigos, dentro de um Kadett que havia sido furtado de um gesseiro na Consolação (centro de SP).
PMs suspeitaram que o condutor tinha menos de 18 anos. Mandaram parar.
A ordem não foi obedecida e os PMs perseguiram o veículo por cerca de quatro quadras até que conseguiram bloqueá-lo. Dentro do carro, além do menino, havia outros quatro jovens, todos com idades entre 14 e 15 anos.
PRECOCE
Na primeira vez em que o garoto foi detido, aos 9 anos, ele não fora internado na Fundação Casa por duas razões: não tinha a idade mínima para detenção (12 anos) e o delito que havia praticado, um furto, não era considerado de grave ameaça à vítima.
Desde então, o Judiciário determina que ele tenha acompanhamento psicológico, vá a escola e se reapresente frequentemente à Vara da Infância. No entanto, para o promotor Thales de Oliveira, que acompanha o caso, só isso não tem resolvido.
"Agora, precisamos ou trabalhar com a família desse menino ou tirar a guarda dessa criança dos pais."
Segundo o promotor, o pai foi um dos incentivadores do menino. "O primeiro delito que ele cometeu foi dirigir o carro do pai, com o consentimento dele, para buscar a mãe no shopping", afirmou.
Procurados ontem, os familiares do garoto não quiseram falar. À polícia, um parente do menino disse que a família não se importava mais com ele e preferia que ele fosse internado.
Antes disso, ele já tinha passado pela Fundação Casa, em 2010, por três meses. Isso ocorreu porque ele descumpriu uma ordem judicial e porque seus pais não foram buscá-lo na delegacia.
Em dezembro de 2008, numa das apreensões, o pai do garoto disse que ainda tinha esperanças em educá-lo. "Eu brigo com ele, inclusive já bati bastante, mas não tem jeito. O que pretendo é arrumar um lugar pra ele ficar, porque quero que ele estude."
Para o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Ricardo Cabezón, o menino não poderia ter sido levado à Fundação Casa porque o caso não atende a previsão legal de grave ameaça ou descumprimento de medidas socioeducativas.
"Isso representa uma vergonha para a Justiça. Passados cinco anos não conseguem resolver o problema de uma criança. Esse garoto precisa de um acompanhamento psicológico muito próximo para canalizar essa hiperatividade e afastá-lo do crime."
Colaborou MARTHA ALVES
ENTREVISTA
Erro é não ver talento no garoto, diz psicanalista
DE SÃO PAULO
Especialista em adolescentes em conflito com a lei, o psicanalista Jorge Broide diz que o garoto tem um talento que precisa ser aproveitado e pode ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade. A obsessão por carros, por exemplo, pode revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida, diz Broide. (VQG)
Folha - O que as apreensões recorrentes simbolizam?
Jorge Broide - Uma das questões mais importantes abordadas por Freud foi a compulsão pela repetição. É preciso saber o que esse garoto vive e o que está querendo dizer com isso. Inconscientemente ele manifesta um problema na vida que nem ele sabe o que é.
Qual a saída?
É preciso ouvi-lo para entender o sentido dessa repetição tão forte. Ele não consegue colocar em palavras e os outros não sabem escutar. O papel da Fundação Casa agora é escutá-lo.
Onde a Justiça errou?
Isso não é visto como um talento. A posição do Estado é repressiva, apreendeu 17 vezes e não adiantou nada. A Justiça falha ao não ver o talento desse menino. É mais fácil criminalizar.
E como tratá-lo?
É preciso fazer uma escuta psicanalítica para saber o que ele quer dizer e potencializar esse talento que ele tem. Essa compulsão é uma coisa incontrolável. Essa aptidão pode se transformar numa coisa útil para ele e para a sociedade.
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