quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Bem-aventurado o cineasta Sérgio Leone

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Jornal do Brasil, 26/01/2011

Oito mal-aventuranças e uma do bem

 
Por Deonísio da Silva

Mal-aventurados os que querem engraxar o mecanismo do cata-vento para ele parar de ranger, porque se assemelham àqueles que querem calar os dissonantes com regulamentos, vetos, perseguições e, falhando tudo, não hesitam em usar as punhaladas, sempre pelas costas, porque são mandantes de tiros disparados por outros, pois são legião os que estão a seu serviço.

Mal-aventurados os que pensam que os bilhetes das estradas de ferro foram impressos para serem vendidos e servirem de comprovante de compra de passagem entre um trecho e outro, porque eles serão presos como o pássaro que alimentam na gaiola da estação.

Mal-aventurados aqueles que chegam cavalgando três animais, achando, debochados, que está faltando um cavalo, pois acaba de chegar um passageiro na estação do velho Oeste, porque estão sobrando dois cavalos e apenas o homem da gaita sabe disso.

Mal-aventurados os que matam trabalhadores irlandeses que sonham em construir uma nova vida, ainda que para tanto tenham que fazer de uma prostituta a esposa virtuosa e a mãe amorosa dos órfãos, porque eles serão vingados, senão pela justiça dos homens, pela dos deuses, que podem usar para isso os destinos.

Mal-aventurados os que acham que Claudia Cardinale, linda, gostosa e com aquele olhar de abandonada, pronta a ser encontrada, só pode ser italiana, porque eles não sabem que ela é árabe, teve um filho ao dezessete anos, depois disso ganhou um concurso de beleza e se tornou uma referência luminosa do cinema no mundo inteiro.

Mal-aventurados os que acham que grandes atores não podem morrer logo no começo do filme sem contudo apequenar seus papéis com tal brevidade, porque o que interessa é a qualidade e não a quantidade e quem não entende isso, amando louras ou morenas,  morre cego e não vê nada.

Mal-aventurados os que fazem leilões fajutos, malversam verbas, empregam parentes até a última geração, requerem pagamentos e pensões em dinheiro por seus sonhos – eram sonhos ou são apenas nossos pesadelos? – porque eles não sabem que o dinheiro, mesmo mais poderoso do que outras armas, não compra a História.

Mal-aventurados os que acham que o dinheiro move o mundo – é preciso dedicar duas mal-aventuranças a esse tema – repetir é também uma forma de lembrar e de ensinar – porque eles vão morrer de muletas, furados de tiros, se arrastando à beira de poças d’água, no meio de outros cadáveres, sem que o antigo aliado e agora inimigo precise gastar mais balas para dar fim àquelas vidas pastosas.

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Bem-aventurado seja o cineasta Sérgio Leone porque, com seus western spaghetti, esclareceu o mundo para nós, que amamos interpretá-lo diante de grandes ou pequenas telas, ajudando roteiristas – sim, é deles o primeiro trabalho –, diretores, atores, atrizes, figurantes e todos os outros profissionais ali envolvidos em expressar tantas coisas, porque Era uma vez no Oeste  vale por mil enciclopédias, e eu só disse o que muitos também acham, mas não sabem ou têm medo de escrever.

*Deonísio da Silva, escritor e professor, é doutor em letras pela USP e pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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