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NATUZA NERY
SIMONE IGLESIAS LEILA COIMBRA DE BRASÍLIA
Entusiasta do modelo de desenvolvimento chinês e leitora contumaz das dinastias que dominaram o passado milenar da potência asiática, a presidente Dilma Rousseff quer tirar mais da China do que fez qualquer um de seus antecessores. Ela encomendou à sua equipe uma estratégia para impulsionar a diplomacia sino-brasileira; um plano que reflita posições do governo, não somente do Itamaraty.
Quer ampliar parcerias, mas autorizou seu ministério a endurecer no front comercial e, quando possível, selecionar investimentos que venham de lá.
A estratégia brasileira em discussão indica um reposicionamento do jogo diplomático em relação a Pequim.
Até mesmo o Itamaraty admite elevar o tom em algumas áreas e cobrar mais apoio do aliado em embates internacionais.
Não está claro, porém, se a cobrança se estenderá à defesa dos direitos humanos.
O Ministério do Desenvolvimento já prepara um raio-X de produtos domésticos e setores da economia prejudicados pelos baixos preços dos "made in China".
Dilma Rousseff sugeriu a criação de um comitê exclusivo para tratar de problemas e potenciais oportunidades de negócios.
O governo pretende ainda reforçar sua representação na nação mais populosa do mundo (1,3 bilhão de habitantes) e deve elevar o número de diplomatas atuando lá.
Hoje, são 12, mas poucos fluentes em mandarim. O novo chanceler, Antonio Patriota, tenta sair dessa estatística: toma aulas semanais para aprender a língua.
Outro objetivo, mais difícil, é obter apoio por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Lula jamais arrancou esse compromisso de Hu Jintao.
Quando o presidente Barack Obama convidou Dilma para visitar os EUA em dezembro, ela disse a assessores: "Se for, vou à China também". A petista desembarca em Washington em março.
Em abril, em Pequim, onde participa da reunião com os emergentes que integram os Brics (Rússia e Índia).
Integrantes do novo governo reclamam da ausência de um plano de aproximação na gestão anterior, apesar de reconhecerem o incremento substancial no comércio entre as duas nações.
Foram US$ 30,8 bilhões exportados pelo Brasil em 2010. Na outra mão, o Brasil comprou US$ 25,6 bilhões dos chineses no ano passado. Logo, tem um saldo favorável de US$ 5,2 bilhões.
"Acho que a Dilma vai privilegiar mais o interesse nacional", diz o economista Roberto Giannetti da Fonseca, da Fiesp.
Segundo a Folha apurou, Dilma não pretende entrar em batalhas com a China contra a desvalorização do yuan. Julga mais eficaz atacar no front comercial.
Pode, com isso, lançar mão de algumas medidas: salvaguardas para setores sob risco; processos mais rápidos antidumping; nacionalização de cadeias produtivas; imposição de barreiras técnicas e até o estabelecimento de cotas para a entrada de produtos chineses.
Os investimentos de estatais chinesas no Brasil serão avaliados para não impor riscos ao mercado nacional. O Planalto quer dificultar o avanço da nação asiática no setor de mineração.
Hoje, o governo brasileiro não sabe quantas jazidas de minério de ferro já estão em mãos chinesas. Dilma quer ver o novo código da mineração enviado ao Congresso e aprovado neste ano.
O QUE DILMA QUER DA CHINA
Instrumentos que o governo brasileiro pode usar para pressionar os chineses
1
Impor barreiras técnicas (exigências extras à importação) a produtos "made in China"
2
Criar salvaguardas para tentar impedir a inundação de alguns produtos chineses no mercado brasileiro
3
Agilizar no Ministério do Desenvolvimento a análise de ações antidumping
4
Nacionalizar alguns setores da cadeia produtiva, a exemplo do que ocorreu na construção de plataformas pela Petrobras
5
Regulamentar setores da economia, como um novo marco para a mineração
- O que o Brasil quer politicamente da China
Apoio para obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas
- Apoio para ampliar a influência do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial
- Maior coordenação entre os Brics nos fóruns internacionais, sobretudo no G20
- Práticas mais respeitosas na área de direitos humanos
Murmúrios não afetam relação, afirma ex-embaixador chinês
FABIANO MAISONNAVE DE PEQUIM
Em 1974, quando integrou a missão que restabeleceu as relações diplomáticas entre Brasil e China, o diplomata Chen Duqing lembra que o comércio bilateral movimentava US$ 17 milhões/ano.
"Hoje, em um único dia, o comércio chega aos US$ 100 milhões", compara Chen, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia de Ciências Sociais, em Pequim, inaugurado em 2009 com a presença do presidente Lula.
Nesses 37 anos, o conhecimento de Chen sobre o Brasil também se multiplicou. Até deixar o cargo de embaixador, em 2009, foram 13 anos no país, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Com a experiência de períodos tão diferentes como a ditadura militar e o governo Lula, Chen não prevê mudanças radicais nas relações sob Dilma Rousseff.
"Não vejo nada que nos possa trazer uma surpresa ruim", afirmou à Folha Chen, 63, num português quase perfeito.
"Há certos murmúrios, sobretudo no setor comercial, de que a China continua vendendo muito no Brasil, mas isso faz parte do jogo e não vai afetar as relações de forma radical."
Em tom de conselho, Chen compara uma boa relação comercial a andar de bicicleta. "O importante é pedalar e andar pra frente. Se parar para tentar o equilíbrio, cai."
O ex-embaixador acredita que um pouco do descontentamento brasileiro com a China será dissipado com a consolidação de investimentos, como a montadora de veículos Chery e a fabricante de equipamentos para construção Sany.
"Isso já facilitará porque a China deixará de vender apenas e passará a ajudar no problema do desemprego."
Sobre a resistência brasileira a investimentos chineses na produção de minério de ferro, Chen cutuca a Vale: "Há uma empresa que monopoliza quase totalmente a produção e a exportação, e isso não faz bem à economia brasileira".
Chen diz que não há ameaça de os investimentos chineses no Brasil afetarem o preço do minério de ferro, prejudicando o país.
"O preço vai ser decidido pelo mercado internacional, e não somente por uma mina a mais produzindo. Há vários países fornecedores."
O diplomata lembra que, no passado, o Brasil buscou investimentos chineses para a mineração, sem sucesso.
"Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil tentou a parceria chinesa para investir [em minério de ferro]. Só que o lado chinês talvez não estivesse ciente dessa importância e não aderiu a essa iniciativa. Foi até uma falha do nosso lado", diz.
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