sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A indignação necessária

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Jornal do Brasil, 28/01/2011


A indignação necessária

 

Por Mauro Santayana

QUANDO UM HOMEM de 93 anos, nascido na Alemanha, educado em Paris, membro da Resistência Francesa, e ex-em­baixador da França, faz um apelo panfletário à juventude europeia, para que exerça a in­dignação, devemos levar a sé­rio o chamado. Com seu livro, Indignez-vous, de apenas 32 pá­ginas, e que custa menos de dez reais, Stéphane Hessel já foi lido por quase 1 milhão de leitores em poucas semanas.
O autor conviveu com o me­lhor da inteligência europeia em sua adolescência. Partiu para a Inglaterra, a fim de unir-se a De Gaulle, logo de­pois da capitulação de Pétain; retornou à França, para unir-se à Resistência sob o comando de Jean Moulin; delatado por um companheiro, foi preso, torturado e enviado a um cam­po de concentração. Depois da libertação de Paris, entrou pa­ra o serviço diplomático e foi - juntamente com o brasileiro Austregésilo de Àthayde - um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Huma­nos, grupo do qual é o último sobrevivente.
Hessel pouco fala sobre a sua própria experiência. Lembra que, em sua mocidade, os ini­migos eram facilmente identi­ficados, fossem eles nazistas, fascistas, outros líderes da extrema-direita, ou stalinistas. Hoje, o inimigo está em toda a parte, no comando dos gran­des negócios e na burocracia dos estados. Ele analisa, em termos claros, a   sociedade con­temporânea como desprovida de compromissos com o huma­nismo, dominada pelo hedo­nismo e pelo capitalismo predador, infeccionada pelo chau­vinismo que se expressa no ódio étnico, e movida por en­ganosa competição.
O interesse pelo panfleto de Hessel cresce, no momento em que o Norte da África é aba­lado pelas manifestações po­pulares contra os governos di­tatoriais e com presunção de vitaliciedade - Ben-Ali, da Tu­nísia, foi expulso pela rebelião de alguns dias e está sendo ca­çado como ladrão dos bens pú­blicos. Mubarak enfrenta o mesmo risco, e, bem assim, o regime de Argel. Mais cedo ou mais tarde, isso ocorrerá no Marrocos e na Arábia Saudita. Esses governos só existem por­que são necessários ao sistema financeiro internacional, que controla os grandes conglome­rados industriais e o fluxo de matérias-primas, como o pe­tróleo; "senhoreia" as moe­das, manobra os grandes meios de informação, faze des­faz os governos que se intitu­lam democráticos.
O confronto entre o poder no­minal dos estados e o poder de fato dessa hidra de múltiplas cabeças, que se dissimula sob a identidade difusa e escorrega­dia de mercado de capitais, já está assustando alguns ho­mens de estado - e esse é o caso de Obama, que denunciou o controle do Congresso pelas companhias petrolíferas que recebem subsídios bilionários,e de Sarkozy, que acaba de propor a taxação sobre o fluxo internacional de capitais. Es­sa mesma taxa fora sugerida pelo economista norte-ameri­cano James Tobin e defendida pelos jornalistas Ignacio Ramonet e Bernard Cassen, dire­tores de Le Monde Diplomati­que. Eles criaram a organiza­ção Association pour la Taxe Tobin pour l'Aide aux Ci­toyens (ATTAC) em 1998, sem que os governos se movessem a fim de levar a ideia adiante.
O fato é que Hessel assume a responsabilidade de convo­car a juventude, tal como a convocaram os pensadores Marcuse, Adorno e Horkheimer, provocando, em 1968, a rebelião da mocidade do mundo inteiro. É difícil que os jovens franceses da classe média de nossos dias se dei­xem entusiasmar como os seus pais e avós daquele tem­po. Sua preocupação é apenas com o bem-estar individual, o que Hessel condena em seu texto. E mais fácil acreditar que as rebeliões da periferia do mundo, depois de livrar-se dos delegados desse sistema financeiro em seus países, le­vem os povos a mover-se poli­ticamente contra os que espe­culam na City, na Place de la Bourse, em Wall Street - e nas bolsas de Hong Kong e de Xan­gai, entre outras.

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