quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O tiranete de volta ao Haiti

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Jornal do Brail, 19/01/11

Por Mauro Santayana
O RETORNO do inexpressivo mas nem por isso menos sanguinário tirano, Jean Claude Duvalier, ao Haiti parece ser uma surpresa calculada. Segundo a imprensa internacional, Jean-Claude gastou, nestes anos, todo o dinheiro roubado do povo do Haiti. É difícil acreditar que o Baby Doc – como a imprensa o batizou, ao herdar, aos 19 anos, o governo do mais pobre e mais infeliz país do mundo – tenha assumido, sozinho, os riscos do retorno a Porto Príncipe, cidade de que foi expulso há 25 anos.
As informações confirmam essa suspeição: o ex-ditador foi recebido no aeroporto por homens armados, que o escoltaram até o mais luxuoso hotel do Haiti. Ele era esperado. Deveria ter sido devolvido, no mesmo voo, para a França – cujo governo também não lhe deveria ter permitido a viagem.
A informação de que grande parte da população parece apoiar seu retorno nos assusta.
Poucos são hoje os haitianos que conheceram de perto o terror dos tonton-macoutes , esquadrões da morte que perseguiam, achacavam, torturavam e matavam os opositores do regime instaurado por François Duvalier em 1957 e mantido por mais 15 anos pelo filho. A ascensão dos Duvalier começou quando o jovem médico François, formado em saúde pública, participou de meritória campanha para erradicar endemias no país, como o tifo, a bouba e a malária.

CJA : Background on Haititonton macoute
Os Tonton Macoutes 

Doc Duvalier parecia, naqueles anos, revoltado contra a opressão dos mulatos, que detinham o dinheiro e o poder, contra os negros. Foi assim que participou dos primeiros movimentos de negritude, de inspiração revolucionária, até que conseguisse, com sua enorme popularidade, eleger-se presidente e, legalmente, assumir o poder, em 1957. A partir daí, sua atuação foi sanguinária, com o apoio dos Estados Unidos. Expulsou os intelectuais mulatos, em nome da negritude, formou os batalhões de assassinos e tortura dores, passou a eliminar os adversários e se perpetuou no poder, mediante leis que ele mesmo firmava. Washington reagiu com condescendência, ontem, ao retorno de Baby Doc a Porto Príncipe.
O escritor Graham Greene foi quem melhor mostrou o que era o Haiti, em uma obra de ficção, mais importante do que os relatos sociológicos e políticos sobre o país: o romance 'Os comediantes' , de 1966. Centrada em três estrangeiros, a obra mostra a corrupção, a violência e o ridículo da corte de Duvalier, diante da miséria da população. A repercussão internacional da obra levou François Duvalier à insolência contra o escritor britânico. Em entrevista ao jornal de sua propriedade, Le Matin , disse que “o livro não é bem escrito. Como obra de escritor e jornalista, o livro não tem qualquer valor”. E foi adiante, na ofensa a Greene, qualificando-o como “mentiroso, cretino, reles delator, desequilibrado, pervertido, perfeito ignorante, espião, drogado, torturador”.
Greene, que foi espião britânico na Guerra, respondeu altivo, depois de se intrigar com a acusação de que fora torturador. Disse o autor de 'O poder e a glória' : “Um escritor não é tão impotente quanto se pensa normalmente, e uma pena, assim como uma bala de prata, pode fazer jorrar sangue”.
Assumindo o poder, no lugar do pai, Jean-Claude procurou superá-lo na violência e no roubo aos pobres cofres públicos, em centenas de milhões de dólares. Quando encerrávamos esta coluna, Jean-Claude Duvalier estava sendo interrogado por um tribunal de Porto Príncipe. A situação é perigosa: se o julgam no país ou o devolvem a Paris, a frustração dos haitianos – analfabetos, famintos, enfermos, ao relento – pode levar a tudo, com consequências muito mais graves do que as do terremoto e da epidemia de cólera.
Depois dessas duas catástrofes, o retorno do ditador, que “governou” de 1971 a 1986, é a terceira desgraça que se abate sobre esse povo explorado e miserável.

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