Uma apuração feita nas sombras
Maria Inês Nassif, André Barrocal e Lourdes Nassif
Ao contrário das matérias anteriores publicadas contra ele, quando o próprio PT evitou defendê-lo com grande estardalhaço, o episódio Veja terminou até em nota oficial de apoio do seu partido. E em inúmeros telefonemas de solidariedade.
Na quinta-feira, em seu escritório, localizado na avenida República do Líbano, o ex-ministro José Dirceu enumerou as razões pelas quais, a seu ver, a revista se meteu numa empreitada tão arriscada, do ponto de vista jurídico. Para ele, trata-se de uma estratégia para separar, para a opinião pública, as imagens do PT e da presidenta Dilma Rousseff ("Dilma sim, o PT, não") e também a "preparação política" para seu julgamento no Supremo Tribunal Federal, no processo do chamado "mensalão"?. Ele calcula que o STF pode ter o processo pronto para julgamento até fevereiro ou março. Se passar daí, deixa de ser interessante, tanto para o Supremo como para os implicados, bancar um julgamento ainda em 2012, devido a proximidade das eleições. "Daí o julgamento vai ser politizado". "Eu quero ser julgado", garante Dirceu, que na sua vida pública acumulou processos e hoje só tem pendente o julgamento no STF. Ganhou foro privilegiado sem querer.
Existiam cinco processos contra ele correndo em instâncias inferiores. Foi absolvido em primeira e segunda instâncias em todos eles. Responde a um, com seu filho, o hoje deputado Zeca Dirceu - ambos também foram absolvidos em primeira e segunda instâncias. Também passou incólume por uma devasssa de 18 meses da Receita Federal. "Recebi um atestado de idoneidade", avalia. E espera que o pleno do STF reconheça que o inquérito policial não tem nenhuma prova contra ele. "A instrução da PF me absolveu", garante. Hoje, Dirceu calcula que gaste 50% de seu tempo trabalhando na sua defesa. A outra metade, dedica em partes iguais à militância partidária, como membro do Duretório Nacional, e ao trabalho profissional. Não nega que ainda tenha prestígio no partido. Não admite, contudo, que tenha influência no governo.
O ex-ministro não abre mão de opinar sobre questões partidárias. E não esconde que é consultado sobre questões estratégicas para o partido. Na entrevista à Carta Maior, falou como dirigente partidário, ao defender que o PT assuma bandeiras que o governo petista, por força de suas alianças, não pode assumir, e tome para si o trabalho de convencimento da opinião pública. Uma das causas defendidas é a taxação do capital e das grandes fortunas. Veja trechos da entrevista.
O PT tem que colocar na agenda a taxação do capital, defende Dirceu
Carta Maior: Existe a possibilidade de o PT incluir em sua agenda a taxação de lucros bancários e remessas para o exterior, mesmo sendo governo?
José Dirceu: O Congresso do PT, neste momento, não discute apenas o apoio à Reforma Tributária, mas de uma Reforma Tributária progressiva, em que os que ganham menos paguem menos, os que ganham mais, paguem mais. Além da desoneração de investimento e produção, uma reforma que olhe as grandes fortunas e os lucros extraordinários do capital, como aliás está sendo discutido nos Estados Unidos e na União Européia. O Nicolas Sarkozi e a Angela Merkel falam de uma tributação de operações financeiras, e o Barack Obama, que é insuspeito, também pensa em taxar os ricos.
A discussão de se esse tipo de imposto é racional foi contaminada por 20 anos de conservadorismo nos Estados Unidos. Lá, houve uma desoneração das classes ricas e uma oneração das classes médias, do trabalhador americano. Os EUA têm que sustentar os investimentos sociais e, principalmente, os investimentos em pesquisas e inovação. Eu acho que, se para os Estados Unidos vale esse debate, e para a Europa também, vale mais ainda para o Brasil, onde os lucros financeiros são fantásticos e é grande a concentracão de renda.
Carta Maior: Isso não pode afugentar capital, em um momento de crise como esse?
José Dirceu: Não vejo como. Vai fugir do Brasil por que se a taxa de retorno do país é a mais elevada do que em qualquer país do mundo? O Brasil, entre os Brics, é o melhor destino de investimento. Aliás, há uma corrida de investidores americanos para o Brasil nesse momento, e no setor produtivo.
Carta Maior: Como um partido de governo consegue assumir essas bandeiras mais progressistas sem desequilibrar o Executivo?
José Dirceu - Essa tarefa é do partido, não é do governo. Por certo, a agenda do governo depende da correlação de forças na sociedade e no parlamento. O partido tem que ser a vanguarda. Por exemplo, a regulação da mídia. É o partido que tem que assumir esta bandeira. O PT tem que esclarecer à sociedade que isso não tem nada a ver com censura, que existe desde Portugal aos Estados Unidos, desde a Austrália ao Canadá; que na Grã-Bretanha, inclusive, é uma regulação fortíssima. Se o partido não faz isso, quem é que vai fazer? Por exemplo, a Reforma Política, o partido é que tem que lutar por ela. O Lula apresentou um projeto, chamou o seu ministro da Justiça, o seu articulador politico, consultou a sociedade, a presidenta tomou posse defendendo a Reforma Política. Agora, cabe ao partido. O PT está na vanguarda dessa luta, fez propaganda, fez material, fez pesquisa.
O relator na Câmara, Henrique Fontana, é do PT e está fazendo grandes esforços para aprovar o projeto, mesmo com alguns recuos do partido, para viabilizar pelo menos o financiamento público com voto misto. É natural que o partido saia na frente. Assumir bandeiras é tarefa do partido. Há 10 ou 15 anos atrás, quem levantou as bandeiras dos direitos da mulher e dos homossexuais, a luta pela mudança da legislação para garantir espaço a quem tem necessidade especial, a legislação sobre direitos humanos, foi o o PT. O governo vai assumindo na medida em que cria condições na sociedade, inclusive para isso.
Carta Maior: Como você avalia o relacionamento da Dilma com o PT?
José Dirceu - Muito bom. O relacionamento dela com o Rui Falcão (presidente do PT) e com a Executiva tem sido permanente, flui bem. Ela tem prestigiado o PT nos momentos mais importantes e assumiu a articulacão política. Nos primeiros meses de governo, é natural que um presidente não tenha como assumir a articulacyão. Dilma também enfrentou uma crise internacional gravíssima e depois toda essa situação de mudança de ministros. No ultimo mês, ela assumiu muito a articulação política.
Carta Maior: E isso é bom?
José Dirceu: Acho que houve uma melhora na articulacão política do governo com uma presença maior da presidenta. A relação está muito boa. Aliás, acho que nunca houve uma relação tão boa como agora, pelo menos de presença, assiduidade, entre a presidenta e o presidente do PT. No governo Lula, a relação entre governo e partido fluiu bem apenas nos três primeiros anos. Depois do episódio dos "aloprados", ela ficou bastante comprometida.
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2 de setembro de 2011 às 19:17
Zé Dirceu: “Vai se descobrir quem plantou a câmera lá”
Do blog do Rovai, um trecho da entrevista com o ex-ministro José Dirceu:
Ministro, o senhor acha que a revista Veja só soltou esta matéria de capa no último final de semana em decorrência de o hotel ter registrado o boletim de ocorrência pela tentativa de invasão do seu quarto, já que as fotos que eles utilizam são de junho?
Não. Acho que eles iriam soltar a matéria de qualquer jeito. O que estavam discutindo é se faziam capa ou não. Quando fizemos o Boletim de Ocorrência, resolveram fazer capa. A matéria eles iriam fazer. Na verdade, o que precisamos avaliar é por que eles fizeram essa matéria. Se foi por causa do julgamento no Supremo ou se é uma tentativa de criar algo novo contra o governo. Porque se você analisar eles fracassaram na questão da separação da Dilma, de dividir a base dela, entendeu? De tirar o PMDB e o PR da base. E para piorar, para eles, o PV acabou decidindo apoiar a Dilma. Além de o Fernando Henrique e o Aécio terem feito este gesto de estender a mão, sem entrar no mérito da divisão do PSDB, com o Álvaro Dias e o Serra se posicionando contra.
O resultado final disso tudo é que a estratégia de rachar a base do governo não deu certo. E eles voltam para a estratégia deles. Não sei se você se recorda, mas em setembro, quando fui à Bahia, fizeram toda aquela campanha de que eu estaria em uma linha de confrontar a Dilma. Agora voltam para isso.
Na verdade essa é a segunda hipótese. A primeira é que eles produziram esta matéria para tentar influenciar o julgamento no Supremo Tribunal Federal. Mas a coisa vai se complicar, porque tudo indica que eles plantaram uma câmera lá no hotel. É quase certeza isso.
O senhor esta falando da câmera no corredor?
Exato, que não é a câmera do hotel. A situação vai começar a complicar, porque vai se descobrir quem plantou a câmera lá. Brasília é muito pequena e eu estou sentindo empenho por parte da policia.
O senhor vai processar a Veja?
Isso eu tenho que fazer na hora que tiver a informação de que a câmera foi plantada e souber quem fez isso. Muita gente considera isso gravíssimo. A Veja não está tendo defensores neste episódio. A mídia não critica, mas também não a defende. A Folha, o Globo, o Estadão, por exemplo, não deram matéria, mas também não defenderam a Veja. Se nós conseguirmos provar que foi uma câmera plantada e viermos a descobrir o nome da pessoa que fez isso, daí eu já tenho dois dos melhores criminalistas do Brasil que vão trabalhar numa ação contra eles. Mas, só posso fazer a coisa na hora certa, porque se não eles vão transformar em censura e essas coisas todas. Já começaram a desviar o foco com a história da discussão da regulação da mídia no Congresso do PT. Todo encontro do PT aprova isso. E eu nunca liguei o assunto da Veja a regulação, porque o assunto da Veja é caso de policia, de delegacia. Não é uma questão política, o que a Veja fez é crime. Eles têm que ser processados por crime, não é porque falaram isso ou aquilo de mim. Isso é outra discussão. Se eu estou tendo influência no governo, se eu estou fazendo advocacia administrativa, em relação a esses assuntos ela pode falar o que ela quiser. E eu respondo. Mas o caso é outro… caso de polícia.
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