segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Movimento 'Ocupar Wall Street' - https://occupywallst.org/


A filosofia por trás do movimento 'Ocupar Wall Street'


Vijay Prashad - Counterpunch

 
“É possível que os especuladores não façam tanto mal quanto as bolhas. Mas a posição é séria quando a empresa vira uma bolha, no redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país vira subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito”. (John Maynard Keynes, 1936)

As análises do Relatório sobre Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional (REFG-FMI) são sempre muito sóbrias. O Relatório distribuído dia 21/9 passado avisa que a economia mundial está entrando em “uma zona de perigo”. O FMI rebaixa o crescimento estimado global, de patamar já baixo de 4,3%, para 4%, com o crescimento dos EUA cortado, de 2,7% para 1,8%. “Pela primeira vez desde outubro de 2008, no REFG-FMI, aumentaram os riscos para a estabilidade financeira global, o que assinala reversão parcial no progresso alcançado nos três anos anteriores.” [1] Em outras palavras, todas as medidas tomadas para estancar a hemorragia provocada pela crise do crédito global de 2008 em diante já deram o que podiam dar. E estamos de volta ao dia em que se fecharam as cortinas do Lehman (Brothers).

O mantra do mundo atlântico tem sido “austeridade”. Assume-se que, se os orçamentos dos governos forem purgados dos gastos de interesse social para preservar o equilíbrio, daí advirá o crescimento. Estranha economia. Problema crônico é a falta de demanda efetiva (“confiança do consumidor”), que é indexada, nos EUA a salários rebaixados com transfusões eventuais de “confiança” produzida por crédito barato que criou, como bolha que ainda não explodiu, o endividamento pessoal; em maio de 2011, chegava a $2,4 trilhões. Os cortes massivos no gasto do governo só farão encolher a demanda ainda mais, e não produzirão qualquer esperança de crescimento no curto prazo. Programas de austeridade nem sempre fazem aumentar a confiança dos consumidores, mas sempre fazem aumentar a confiança entre os financistas que amam a ideia de “finanças sólidas”.

O que nem o FMI nem os governos do mundo Atlântico conseguem perceber, por razões políticas, é o poder de classe do capital financeiro, que controla os mercados monetários aos quais os governos e o FMI têm de recorrer para tomar empréstimos, se querem estimular gastos ou emprestar a países em dificuldades. A confiança dos financistas é emoção muito mais importante que a confiança dos consumidores. Em tempo de crise, a abordagem humana deveria ser ampliar os estímulos ao consumo até o momento em que milhões de pessoas consigam sair da condição de vida nua. Para fazê-lo, os governos devem desejar, nas palavras do economista Prabhat Patnaik, “exercer adequado controle sobre o sistema financeiro para garantir que os empréstimos às pessoas sejam sempre financiados, de modo a que o Estado não se torne prisioneiro dos caprichos dos financistas.”

O debate entre austeridade e estímulos é conduzido como se se travasse entre dois conjuntos racionais de pessoas. Os que clamam por austeridade são agentes dos grupos financistas, para os quais é pecado ver diminuir a própria riqueza; os que clamam por estímulos são eticamente corretos, mas não movem ataque de classe direto aos financistas, deixando-se navegar em ilusões. A única solução real para a crise do Atlântico Norte é, como receitou John Maynard Keynes, fazer “a eutanásia do rentista”.
É esse impulso para desafiar diretamente Wall Street que mostra o quanto é razoável e necessário o movimento “Occupy Wall Street” , protesto que agita lower Manhattan (bem perto de onde George Washington foi empossado presidente). Os cidadãos que decidiram acampar permanentemente e não deixar suas tendas, e que estão sendo brutalmente atacados e agredidos pela Polícia de NY, encontraram instintivamente solução muito melhor para o país, que (1) os que insistem em exigir “mais austeridade” (como os Republicanos mais conservadores – e, no Brasil, todos os jornais e jornalistas e especialistas de todos os canais de televisão, sem faltar um); e (2) muito melhor, também que os que clamam por “estímulos” sem jamais desafiar os mandarins das finanças, os quais mais facilmente mandarão a economia dos EUA p’rô brejo, do que admitirão perder o poder que têm sobre o sistema econômico mundial (Obama, dentre outros).

Sem luta contra o capital financeiro, ordenar “austeridade” é ato de crueldade; e ordenar estímulos é ilusão. O FMI e os políticos norte-americanos não querem desafiar a classe financeira. De fato, o FMI até alerta contra qualquer “repressão financeira” (“Com os estados sob estresse financeiro e as economias lutando para se desalavancar, os políticos podem ser tentados a suprimir ou tentar escapar aos processos e informações do mercado financeiro.”) Deve-se evitar tudo isso, diz o FMI. Querem que a salvação lhes venha de países do Sul Global, os quais, diz o FMI, “estão em fase mais avançada do ciclo de crédito”. O FMI adoraria que China e Índia entregassem seus superávits ao Norte, como estímulo... Seria via excelente para que aqueles países passassem a exportar menos e a importar mais.

O mais estranho nisso tudo é que o FMI também agia como espada do capital internacional quando advogou que Índia e China se tornassem economias orientadas para exportar e dessem as costas às políticas nacional-desenvolvimentistas. Agora, a China está pronta para exportar bens de baixo custo para as economias atlânticas... E então, em vez de recomendar que China e Índia usem seus superávits como estímulos para criar demanda em seus próprios países (para arrancar suas populações mais rapidamente da miséria, investindo em infraestrutura, criando meios para prevenir catástrofes ecológicas)... O FMI prescreve que China e Índia resolvam “os desequilíbrios financeiros” mandando seus superávits para o Norte! Por que o FMI não recomendou que o Norte tomasse essas medidas, nos anos 1980s e 1990s, quando as flechas financeiras estavam miradas na direção do Sul?

Os chineses dizem agora que podem ajudar a resgatar a eurozona, se a Europa atender a algumas “condições” que os chineses imporão (na linguagem do FMI, na era dos “ajustes estruturais”, essas condições chamavam-se “condicionalidades”, como cortar todos os investimentos de caráter humano e social, nos anos 1980s, como precondição para receber empréstimos).

Os chineses querem que os europeus acabem com processos por desobediência a leis de mercado – que é outro modo de dizer que os chineses querem morder fundo na carne do regime de propriedade intelectual – um dos últimos mecanismos ainda restantes que garantem o crescimento sem empregos que ainda mantém os EUA à tona. Mas por que, agora, a China não estaria fazendo certo? Diz o FMI que a China, agora, não está fazendo certo, por causa de seu “boom de empréstimos induzidos pela política”, também chamado de “plano de estímulos de 2009-10” – e que foi construído e aplicado sem qualquer influência dominante do capital financeiro. É muito mais fácil mostrar os chineses como agentes do mal, do que apontar o dedo aos financistas. Toda a conversa sobre revalorização da moeda e barreira ao livre comércio não passa de conversa fiada, de quem não tem argumento a oferecer.

Lá, em Wall Street, Manhattan, norte-americanos comuns decidiram enfrentar, de vez, o capital financeiro. Não precisam recorrer à xenofobia ‘econômica’, nem se escravizar a ilusões de que os Buffets do mundo seriam a vanguarda da luta por justiça social. Querem é tirar, do pescoço dos povos do mundo, a botina-tacão das finanças.

NOTAS
[1] 21/9/2011, Guardian, UK, em http://www.guardian.co.uk/business/2011/sep/21/imf-debt-crisis.

[2] Para uma visita virtual, ver Wall Street Journal, 26/9/2011

Fonte original:
http://www.counterpunch.org/2011/09/26/the-philosophy-behind-occupy-wall-street/

Tradução: Vila Vudu

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