sábado, 24 de setembro de 2011

Últimos suspiros neoliberais

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MONTBLÄAT - 411
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2011

Últimos suspiros neoliberais


 
Por Rui Daher


Mais uma vez sou obrigado a falar de tucanos. É impossível viver na Pauliceia e não ouvir os grasnidos (1) vindos de seus pretensiosos poleiros.

O Instituto Fernando Henrique Cardoso tem sede na Rua Formosa, 367, Centro. Imediações de alguns ícones paulistanos de boa cepa: Teatro Municipal, Praça Ramos de Azevedo, Edifícios Matarazzo, Martinelli, dos Correios, todos ainda em pé. Foram-se os maravilhosos Pavilhões do Parque do Anhangabaú, construídos na década de 1910, que serviram de sede para Prefeitura, Câmara Municipal e Automóvel Clube. Um foi demolido no início dos anos 1950, o outro em janeiro de 1970.
Na apresentação do Instituto, o ex-presidente diz: “De tudo o que fiz no e pelo Instituto até aqui, o mais gratificante tem sido receber a cada mês uma turma de alunos do ensino médio”. Confesso não ter motivos para desacreditar.
No último dia 25 de agosto, o anfitrião recebeu os economistas André Lara Rezende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida – pais do Plano Real como a mídia os chama – para discutirem os motivos dos juros serem tão elevados no Brasil. Pra lá do ensino médio, quem melhor do que eles, dezesseis anos nos governos FHC e Lula administrando o Banco Central, para entender do assunto? Afinal, todos se transformaram em banqueiros, sócios ou altos executivos de instituições financeiras.

Os doutores acreditam estar tudo errado na política econômica atual. Contraditos por resultados, salvam suas caras dizendo que vivemos uma etapa de “desenvolvimentismo acidental”. Algo como os trens que descarrilam na Índia, os ônibus que se chocam nas estradas de Minas Gerais, os barcos que afundam nos rios do Pará.
Criticam: um suposto revival estatizante do período militar; a ideia de implantar um Estado de bem-estar social “à moda europeia” no Brasil; a Constituição de 1988. Propõem: redução do gasto público, diminuição de impostos, aumento da poupança interna. Até aí o que todos queremos. Como: aprofundando o processo de privatização, não só das empresas estatais e infraestrutura de serviço público, mas também de reservas internacionais, recursos ou gestão dos fundos de poupança obrigatória (FGTS/FAT) e do crédito fornecido pelo governo (rural, habitação, etc.). Resultados: equilíbrio orçamentário e cambial; BC livre de comprar tantos dólares; menos incertezas que impeçam (?) investimentos de entrarem no país; e, alvíssaras, juros mais baixos.
Como eles, tentei ser esquemático, embora o seminário pudesse ter-se chamado “Paroxismos do Neoliberalismo”.
Imperdoável os doutores esquecerem que foi exatamente essa política econômica, inaugurada na década de 1970, por Ronald Reagan, que deu início à breca atual dos EUA, quando as benesses fiscais oferecidas aos ricos norte-americanos e os mecanismos de desregulamentação pouco fizeram para elevar os investimentos do país. Uma política que afogou em liquidez o setor financeiro, multiplicou a criação de paraísos fiscais, promoveu a migração de indústrias para países de mão-de-obra mais barata, e gerou déficit fiscal e em conta-corrente.
Mais do que depressa, as empresas perceberam a vantagem de possuir ativos financeiros não mais para futuros investimentos produtivos, mas para suas estratégias de obtenção de lucros. Resultados rentistas predominando sobre os operacionais. Aos CEO e executivos, batatas em forma de bônus maiores e mais imediatos.
A globalização ainda permitiu aos EUA demorarem quase 30 anos antes de passarem de credores a devedores. Próximos de perder a hegemonia mundial, para recuperar a economia, aumentar a oferta de empregos, pagar as contas, vira e mexe, seu primeiro presidente negro precisa ajoelhar-se diante do Congresso. Revive o drama de “Uncle Tom’s Cabin” (Harriet B. Stowe, 1852).
Não reconhecer que a ilusão não está em nosso modelo de Estado de bem estar social “europeu”, mas sim na insistência de que diminuindo a regulamentação pode-se disciplinar os vetores fiscais e monetários do mercado financeiro, soa apenas como empulhação política. Ou pior do que isso.

Nota do Editor: O uso do termo “grasnido” referindo-se ao som emitido pelos tucanos não é gramaticalmente incorreto, embora inespecífico. Os tucanos não grasnam, eles chalram. Mas certamente o articulista refere-se ao sentido figurado do termo, conforme vemos no pai dos burros (no Caso o Aurélio): Grasnar - “Gritar com voz desagradável como os corvos”.

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