sábado, 17 de setembro de 2011

Argentina discute Cursos de Economia

Cursos de Economia. Falso pluralismo


Por Martín Kalos e Martín Gonilski

A crise mundial que começou em 2008 e suas atuais manifestações não lembraram apenas ao mundo que o sistema capitalista não é uma forma de produção social harmônica. Também puseram sobre o tapete as enormes falências e o atraso da teoria econômica contemporânea que tem como expressão dominante a doutrina neoclássica para explicar um fenômeno tão próprio do capitalismo atual como são as crises.

Neste contexto aparece a necessidade de revisar as escolas econômicas que estudam os mesmos problemas que atravessam as economias do mundo hoje. Com esta motivação, estudantes e professores da Licenciatura em Economia da UBA propuseram nos últimos anos mudanças concretas na estrutura do Plano de Estudos do curso, que incorporem teorias relevantes que hoje são deixadas de lado pelo mainstream neoclássico sob o falso argumento de que “pertencem ao passado”.

Enquanto isso, as autoridades da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE-UBA) abriram um processo de revisão parcial das matérias do curso, embora procurem restringi-lo a modificações menores que não afetem sua atual estrutura neoclássica. Desde esta postura, se aduz que o Plano vigente é pluralista porque existem cursos com professores críticos à teoria dominante. Contudo, ao estar o curso estruturado em torno de um tronco central de matérias neoclássicas, qualquer professor que queira introduzir escolas alternativas tem muito pouca margem para fazê-lo de maneira integral e efetiva. Assim, um estudante de economia pode chegar ao final de seu curso sem ter lido, por exemplo, Adam Smith, Karl Marx, Joseph Schumpeter ou John Keynes.

O atual Plano de Estudos foi instituído em 1997 e ignorou um amplo movimento estudantil que reclamava um debate sério e se opunha ao cerceamento de conteúdos e abordagens. Em um contexto geral de diminuição do gasto público, a reforma implicou em uma redução da carga horária do curso, menos matérias “sociais” e mais matemática, reforçando uma estrutura de corte marcadamente neoclássico. A proposta atual de apenas “retocar” este plano implica desconhecer que seus conteúdos e formas nunca foram debatidos adequadamente na própria FCE-UBA.

Atualmente, não existem mecanismos institucionais para o diálogo no Curso de Economia que permitam uma análise destas reformas, ao passo que em outras Faculdades existem Juntas por Curso que permitem a participação dos três atores sociais na tomada de decisões. Essa situação impede que as autoridades ouçam os professores e alunos, que nos últimos anos fizeram numerosas críticas e propostas integrais alternativas, desde espaços como a Escola de Economia Política (EsEP-UBA), as Jornadas de Economia Crítica (JEC) e a Associação Gremial Docente (AGD).

Ao mesmo tempo, tende-se a pensar a Universidade como um elemento desligado da sociedade. Entretanto, a Universidade é um espaço vital no qual se deve produzir um pensamento crítico que permita à sociedade se repensar a si mesma continuamente, para transformar-se. A sociedade argentina em seu conjunto deveria ser o ator fundamental na hora de decidir que tipo de economistas necessita e deseja que as universidades públicas formem. Faz falta, pois, que o debate se abra também à comunidade; isto inclui as empresas, evidentemente, mas, além disso (e crucialmente), os diversos organismos do Estado, ONG, sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais.

O Plano de Estudos, as linhas de pesquisa e as formas pedagógicas na Universidade não podem estar vinculados a nenhum interesse particular, mas ao da sociedade em geral.

A FCE-UBA não se pode dar o luxo de decidir que apenas uma determinada ideologia deve ser ensinada aos seus futuros licenciados em Economia. Faz-se necessário que os graduados possuam uma bagagem ampla e plural de ferramentas e teorias que lhes permitam, por um lado, encarar com sucesso os problemas que enfrentarem em qualquer um dos seus âmbitos de desempenho profissional e, portanto, avançar no desenvolvimento de novo conhecimento científico que possa dar respostas aos problemas do mundo atual. Somente uma formação plural, ampla e de qualidade pode brindar-lhes as ferramentas para analisar, entender e transformar a realidade.

Martín Kalos, professor da FCE-UBA e membro da EsEP-UBA, e Martín Gonilski, bolsista de pesquisa IIE-FCE-UBA, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 12-09-2011. A tradução é do Cepat.

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http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47462


17/9/2011

Falências na formação. Argentina discute Cursos de Economia

Por Karina L. Angeletti e Pablo Lavarello, das Cátedras Nacionales y Populares, FCE-UNLP, publicada no jornal argentino Página/12, 12-09-2011. A tradução é do Cepat.


A reformulação do Plano de Estudos do curso de Licenciatura em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Nacional de La Plata proposta por parte das autoridades do Departamento de Economia deixa uma vez mais postergado o debate sobre qual deveria ser a formação dos economistas em um país como o nosso [a Argentina]. Nos últimos 30 anos esta Faculdade esteve enviesada para uma formação segundo a qual se procura explicar como é possível alcançar o máximo de bem-estar da sociedade a partir de uma concepção utópica de mercado. Qualquer desvio que houver entre essa concepção utópica e o funcionamento real dos mercados é considerado uma “distorção” que deve ser corrigida mediante a abertura, a desregulação e a liberalização da economia. Apenas naqueles casos pontuais em que existem “falhas de mercado” (exemplo: a presença de bens públicos) se justificaria algum tipo de política.
A proposta de reforma feita pelas autoridades da Faculdade consolida esta visão, transformando em opcionais as poucas matérias ainda existentes que permitiriam explicar os problemas econômicos a partir de outras perspectivas. Assim mesmo, se elimina a Sociologia como matéria, se reduz a uma única disciplina obrigatória a história econômica e se envia para cursarem a faculdade de Humanidades aqueles estudantes que considerarem necessário ampliar a temática. Ao mesmo tempo em que se reduzem estes conteúdos, procura-se interpretar os conflitos reforçando a formação na Teoria dos Jogos. Embora se mantenha uma forte formação em ferramentas econométricas e matemáticas, as falências de uma formação teórica crítica desperdiçam seu potencial para se colocar questões e contrastar hipótese. A formação do graduado perde densidade teórica e se torna ahistórica e associal, aprofundando as falências que o plano vigente possui.
A preeminência desta visão, que denominamos de Teoria Econômica Padrão (TEE), leva a uma espécie de esquizofrenia na formação do economista. Esta visão não apenas impede a interpretação das crises internacionais, mas muitas vezes se encontra na sua origem. Tampouco permite explicar como um país como a Argentina que não segue suas recomendações conseguiu minimizar os efeitos da crise internacional em 2009 e manter nove anos de crescimento, iniciado em 2003. Muito menos consegue identificar os possíveis limites estruturais, como a limitada diversificação e a persistente heterogeneidade da estrutura produtiva, que podem atentar contra a sustentabilidade deste caminho. Problemas estruturais que reaparecem no debate econômico e que constituem o sintoma de uma nova realidade à qual a universidade deve responder com cabeça própria.
Acreditamos que é necessário avançar rumo a uma verdadeira reformulação dos Planos de Estudo introduzindo uma orientação que denominamos de Teoria Estrutural do Desenvolvimento (TED), que procura ir além de um conjunto delimitado de conteúdos heterodoxos, permitindo também a incorporação ao plantel docente de professores com formações diferentes da dominante. Para isso propomos um tronco comum de três anos e duas orientações para os dois últimos anos, uma em TEE e outra em TED, cada uma com uma coerência própria. Ambas as orientações compartilhariam vários cursos, possibilitando o debate entre ambas.
É de destacar que em nossa região já existe desde os anos 1950 um conjunto coerente de contribuições que buscou explicar os problemas estruturais que qualquer processo de desenvolvimento em um país periférico coloca. É o caso dos trabalhos dos pioneiros do desenvolvimento como Prebisch, Furtado (O brasileiro Celso Furtado (Ivan)), Hirschmann, Pinto, entrou outros. Nesta orientação, se incorporam as contribuições dos pós-keynesianos, regulacionistas, institucionalistas e evolucionistas, entre outros, que permitem introduzir as dinâmicas da mudança estrutural, acumulação de capital e os comportamentos em desequilíbrio nos fundamentos mesmos da formação do economista.
Entendemos que é imprescindível avançar nesta direção a fim de recuperar uma formação do economista, qualquer que seja seu âmbito de inserção profissional, que lhe permita contribuir para o desenvolvimento de nossos países e nossos povos, afastando-se para sempre da aplicação irreflexiva de recomendações de política que desconhecem especificidades históricas e estruturais da região.

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