terça-feira, 27 de setembro de 2011

A solução de Mandela

"No Brasil, pelo menos por enquanto, a ditadura venceu no propósito de fazer da tortura um tema de natureza pessoal do torturado. Uma questão individual e não um tema político de interesse de toda a sociedade. Um dos maiores desafios da Comissão da Verdade será  romper essa blindagem. O primeiro passo  é superar a armadilha que consiste em circunscrever a questão da tortura no perímetro das demandas de reparação. Como se fosse um ponto fora da curva, um segmento de um tempo passado. Não é assim: estudos mostram que o Brasil é o único lugar do mundo onde os casos de tortura aumentaram, em vez de diminuir com o fim da ditadura. Portanto, não se trata de uma lembrança ruim de alguns cidadãos. Ela está presente na vida da sociedade, ainda que a opinião pública tenha sido preparada para não enxergá-la. 

Não por acaso, a Constituição de 1988 no capítulo relativo à segurança nacional é quase identica à lei de segurança nacional da ditadura, de 1967. Não é mera coincidencia. Assim como não o é o fato de  grandes empresas conhecidas pelo financiamento à repressão serem hoje protagonistas habituais dos casos de corrupção envolvendo políticos e negócios do públicos. Elas não foram punidas pelo crime na ditadura. Continuaram a trocar favores dentro do aparelho de Estado na democracia. O mecanismo persiste intacto.

Essa face da corrupção os conservadores preferem esquecer. Eis aí mais um sintoma da  persistência  de questões não resolvidas em nome de uma anistia mútua falaciosa. Como se voce pudesse equiparar  quem pegou em armas para lutar contra um regime ilegal, com gente que reprimiu, prendeu e torturou para sustentar um golpe de Estado.  Nada disso, porém, deve levar a Comissão da Verdade à armadilha da individualização e do acerto de contas. Que interesse teria hoje  prender um general de pijama de 86 anos? Nenhum.

Prefiro a solução da África do Sul. Mandela trouxe o tema da tortura e da repressão para o presente, de forma pedagógica. Resgatou práticas tribais do perdão. Nelas o torturador fica de frente para a sua vítima. Ouve dela o relato minucioso dos danos que causou. Então pede perdão. E o ofendido perdoa. É uma aula de democracia e de educação política para as novas gerações e para toda a sociedade. O  dia em que o Brasil  fizer isso, aí sim,  a ditadura terá sido derrotada".



Sexta-Feira, 23 de Setembro de 2011


Culturas nacionais: Anotações sobre a morte e o esquecimento


Eric Nepomuceno

Na noite da quarta-feira, dia 21 de setembro de 2011, por volta das oito e meia da noite, hora local, começou a ser negociado na Câmara de Deputados o acerto final sobre a instalação de uma ‘Comissão da Verdade’. A missão dessa Comissão será investigar crimes praticados pelo terrorismo de Estado implantado no Brasil pela ditadura militar que durou de 1964 a 1985. Essa, a missão verdadeira. Mas ninguém lerá isso no projeto aprovado. Lá, está dito que o objeto da investigação será a violência praticada por funcionários do Estado entre 1946 e 1988.

Até a última hora, o governo foi obrigado a conceder e conceder. A pressão final veio do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, do DEM da Bahia. Seu avô foi um dos notórios beneficiados da ditadura. A Comissão terá dois anos para esclarecer um sem-fim de casos. Ninguém será punido: a anistia concedida pelos militares em 1979 está assegurada. E assegurada está a impunidade de torturadores, seqüestradores e assassinos. Assegurada está sua impunidade.
Pensando na presidente Dilma Rousseff, lembrei uma antiga canção do uruguaio Alfredo Zitarrosa: “Quiso querer, pero no pudo poder”. Assim entendo o que acontece: ela quis querer, mas não pôde poder. É como se em meu país, olhar de lado, não mexer no passado, ficar distante e dissimular fizesse parte da cultura nacional. Faz?

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