Eduardo Febbro - Direto de Jerusalém e Ramallah, na Cisjordânia
Às vezes a história atravessa as entranhas, é música, cor, bandeiras, cantos e o poema de Mahmud Darwich que o locutor da praça Al-Manara vai recitando enquanto a multidão palestina que veio escutar Mahmud Abbas apresentar, perante a ONU, o pedido de reconhecimento do Estado Palestino, celebra essas palavras feitas de amor e alento: “eu nasci aqui e meu sonho é morrer aqui”. Os cantos e a alegria se fizeram mais potentes quando os homens do palanque foram dizendo, um após outro, os nomes dos países que apoiam o Estado Palestino.
Antes, os organizadores da concentração organizada na praça central de Ramallah tinham destacado as frases mais significativas pronunciadas pelos líderes mundiais nas Nações Unidas. A da presidenta argentina dizia: “com a Palestina como Estado 194 da ONU o mundo será mais seguro e mais justo”. A Autoridade Palestina quis evitar os distúrbios, mas os jovens foram mesmo assim para as imediações do check-point de Kalandia jogar pedras nos soldados , que respondiam do lado de dentro do muro. Cenas repetidas, desproporcionais, na história destes dois povos: jovens com bodoques e pedras, soldados treinados e com armas modernas.
A sexta-feira começou com proibições. Pela rua central de Jerusalém, Jaffa Street, um grupo de israelenses manifestava-se livremente de bicicletas contra a circulação de automóveis. 600 metros abaixo, os árabes tinham restringida a passagem ao núcleo mais denso da Cidade Velha, a Esplanada das Mesquitas. Israel deslocou cerca de 22 mil homens para garantir a segurança. Entre a porta de Herodes e a de Damasco, do mesmo modo que nos outros acessos à Cidade Velha, os palestinos homens menores de 50 anos tinham a entrada proibida. “Eles controlam meu destino e minha liberdade quando tem vontade”, dizia com raiva Hamad, um habitante de Jerusalém Oriental. “Mas não importa”, acrescentou, “ninguém nos tirará o orgulho de viver esse dia”.
O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo, um passo que veio desde cima para dar dignidade a nós, os de baixo”, dizia Nabil, outro palestino da Praça Al Manara. Olhos cheios de lágrimas, negros, profundos, olhos que esqueceram em um instante as humilhações sofridas. Tinha vindo com as chaves da casa na qual viviam seus avós, expulsos de suas terras pela ocupação israelense. Só lhe tinha sobrado isso, mas saltava como uma criança com as chaves na mão.
O governo de Benjamin Netanyahu fez previsões dramáticas. Antecipou mortos, brigas populares, piquetes, levantes e distúrbios que, em grande medida, não ocorreram. “Este é o dia da verdade e não o dia da violência”, repetiam os dirigentes da Autoridade Palestina. O Executivo israelense insistiu nesse discurso: os palestinos sempre foram, são e serão uma ameaça para a segurança de Israel. Não ocorreu o esperado. A Autoridade Palestina também se meteu no jogo e agiu para aplacar os excessos. Era um dia de dignidade e não para a morte. Mas houve uma: Issam Kamal Odeh, um palestino de 35 anos que protestava com um grupo de 400 pessoas na localidade de Qusra, ao norte dos territórios, em Naplusa. Os colonos da zona provocaram o enfrentamento. Montaram uma contra-manifestação para defender a propriedade desse território. Palestinos e colonos se enfrentaram a pedradas. O exército israelense abriu fogo e Issam Kamal Odeh caiu nessa refrega.
O oficialismo evidente dos festejos de Al Manata, praça rebatizada Praça Arafat, não mascarou a autenticidade das expressões de alegria. O chamado “dia da verdade” foi paradoxal. As pessoas terminaram gritando o nome de seu presidente, Mahmud Abbas, mas este dirigente seco, sem encantos nem muito carisma, também arrasta um déficit de legitimidade democrática substancial. Ontem subiu ao céu do reconhecimento. Os palestinos gritaram seu nome, junto ao nome de Arafat. Façanha de um instante que ainda não garante o caminho da paz, nem tampouco o duro trabalho da reconciliação palestina entre as lideranças da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controlada pelos fundamentalistas do Hamas. O Hamas se opõe a tudo, começando pelo pedido de reconhecimento do Estado Palestino na ONU e terminando pela própria existência de Israel.
O Hamas quase não existe na Cisjordânia. A polícia secreta palestina segue-os de perto, não os deixa falar nem existir. Mahmud Abbas e o primeiro ministro de Gaza, Ismail Haniyé, estão separados por um abismo, que não é só político, mas também territorial: Gaza fica do lado oposto ao da Cisjordânia. Há duas palestinas que precisam ser unidas.
Mas a ilusão de uma terra reconhecida, o espaço que o tema palestino ocupou rapidamente na comunidade internacional, a maioria esmagadora de países que apoia o Estado Palestino, tudo isso deixou uma sensação de novo amanhecer, de perspectiva tangível. Orgulho e alegria sem enganos, alegria lúcida, como as palavras de Mahmud Anhel, um comerciante palestino de 50 anos que saltava e cantava com sua mulher e seus filhos na Praça Arafat: “o que mais podemos fazer, tínhamos o futuro bloqueado e agora surgiu isso, quase nossa única solução. É emocionante e importante. Admito e admitimos que talvez o fracasso nos aguarde, mas isso é novo como a água fresca, novo e diferente”.
Qais Abu, outro palestino da praça, mais jovem e combativo, dizia, com uma bandeira palestina na mão e um retrato de Mahmud Abbas na outra: “sabe que o mundo se deu conta de coisa com essa história da ONU. Todos falam e falam de Nova York da liberdade, liberdade daqui, liberdade de lá, mas o único povo que não a tem é o nosso porque vivemos sob ocupação. Se isso ficar claro teremos ganho um século de reconhecimento sem disparar um só tiro”.
Já é tarde, Agora, Jerusalém oriental também festeja, atravessando a meia noite. Carros com frondosas bandeiras palestinas circulam pela cidade, na artéria que circunda a Cidade Velha. O mesmo grito se repete a cada automóvel, como um eco ressoando no coração da noite de Jerusalém Oriental: “Palestina Livre”. Um sonho. Uma esperança. Uma condição para, enfim, viver em paz.
Tradução: Katarina Peixoto
Às vezes a história atravessa as entranhas, é música, cor, bandeiras, cantos e o poema de Mahmud Darwich que o locutor da praça Al-Manara vai recitando enquanto a multidão palestina que veio escutar Mahmud Abbas apresentar, perante a ONU, o pedido de reconhecimento do Estado Palestino, celebra essas palavras feitas de amor e alento: “eu nasci aqui e meu sonho é morrer aqui”. Os cantos e a alegria se fizeram mais potentes quando os homens do palanque foram dizendo, um após outro, os nomes dos países que apoiam o Estado Palestino.
Antes, os organizadores da concentração organizada na praça central de Ramallah tinham destacado as frases mais significativas pronunciadas pelos líderes mundiais nas Nações Unidas. A da presidenta argentina dizia: “com a Palestina como Estado 194 da ONU o mundo será mais seguro e mais justo”. A Autoridade Palestina quis evitar os distúrbios, mas os jovens foram mesmo assim para as imediações do check-point de Kalandia jogar pedras nos soldados , que respondiam do lado de dentro do muro. Cenas repetidas, desproporcionais, na história destes dois povos: jovens com bodoques e pedras, soldados treinados e com armas modernas.
A sexta-feira começou com proibições. Pela rua central de Jerusalém, Jaffa Street, um grupo de israelenses manifestava-se livremente de bicicletas contra a circulação de automóveis. 600 metros abaixo, os árabes tinham restringida a passagem ao núcleo mais denso da Cidade Velha, a Esplanada das Mesquitas. Israel deslocou cerca de 22 mil homens para garantir a segurança. Entre a porta de Herodes e a de Damasco, do mesmo modo que nos outros acessos à Cidade Velha, os palestinos homens menores de 50 anos tinham a entrada proibida. “Eles controlam meu destino e minha liberdade quando tem vontade”, dizia com raiva Hamad, um habitante de Jerusalém Oriental. “Mas não importa”, acrescentou, “ninguém nos tirará o orgulho de viver esse dia”.
O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo, um passo que veio desde cima para dar dignidade a nós, os de baixo”, dizia Nabil, outro palestino da Praça Al Manara. Olhos cheios de lágrimas, negros, profundos, olhos que esqueceram em um instante as humilhações sofridas. Tinha vindo com as chaves da casa na qual viviam seus avós, expulsos de suas terras pela ocupação israelense. Só lhe tinha sobrado isso, mas saltava como uma criança com as chaves na mão.
O governo de Benjamin Netanyahu fez previsões dramáticas. Antecipou mortos, brigas populares, piquetes, levantes e distúrbios que, em grande medida, não ocorreram. “Este é o dia da verdade e não o dia da violência”, repetiam os dirigentes da Autoridade Palestina. O Executivo israelense insistiu nesse discurso: os palestinos sempre foram, são e serão uma ameaça para a segurança de Israel. Não ocorreu o esperado. A Autoridade Palestina também se meteu no jogo e agiu para aplacar os excessos. Era um dia de dignidade e não para a morte. Mas houve uma: Issam Kamal Odeh, um palestino de 35 anos que protestava com um grupo de 400 pessoas na localidade de Qusra, ao norte dos territórios, em Naplusa. Os colonos da zona provocaram o enfrentamento. Montaram uma contra-manifestação para defender a propriedade desse território. Palestinos e colonos se enfrentaram a pedradas. O exército israelense abriu fogo e Issam Kamal Odeh caiu nessa refrega.
O oficialismo evidente dos festejos de Al Manata, praça rebatizada Praça Arafat, não mascarou a autenticidade das expressões de alegria. O chamado “dia da verdade” foi paradoxal. As pessoas terminaram gritando o nome de seu presidente, Mahmud Abbas, mas este dirigente seco, sem encantos nem muito carisma, também arrasta um déficit de legitimidade democrática substancial. Ontem subiu ao céu do reconhecimento. Os palestinos gritaram seu nome, junto ao nome de Arafat. Façanha de um instante que ainda não garante o caminho da paz, nem tampouco o duro trabalho da reconciliação palestina entre as lideranças da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controlada pelos fundamentalistas do Hamas. O Hamas se opõe a tudo, começando pelo pedido de reconhecimento do Estado Palestino na ONU e terminando pela própria existência de Israel.
O Hamas quase não existe na Cisjordânia. A polícia secreta palestina segue-os de perto, não os deixa falar nem existir. Mahmud Abbas e o primeiro ministro de Gaza, Ismail Haniyé, estão separados por um abismo, que não é só político, mas também territorial: Gaza fica do lado oposto ao da Cisjordânia. Há duas palestinas que precisam ser unidas.
Mas a ilusão de uma terra reconhecida, o espaço que o tema palestino ocupou rapidamente na comunidade internacional, a maioria esmagadora de países que apoia o Estado Palestino, tudo isso deixou uma sensação de novo amanhecer, de perspectiva tangível. Orgulho e alegria sem enganos, alegria lúcida, como as palavras de Mahmud Anhel, um comerciante palestino de 50 anos que saltava e cantava com sua mulher e seus filhos na Praça Arafat: “o que mais podemos fazer, tínhamos o futuro bloqueado e agora surgiu isso, quase nossa única solução. É emocionante e importante. Admito e admitimos que talvez o fracasso nos aguarde, mas isso é novo como a água fresca, novo e diferente”.
Qais Abu, outro palestino da praça, mais jovem e combativo, dizia, com uma bandeira palestina na mão e um retrato de Mahmud Abbas na outra: “sabe que o mundo se deu conta de coisa com essa história da ONU. Todos falam e falam de Nova York da liberdade, liberdade daqui, liberdade de lá, mas o único povo que não a tem é o nosso porque vivemos sob ocupação. Se isso ficar claro teremos ganho um século de reconhecimento sem disparar um só tiro”.
Já é tarde, Agora, Jerusalém oriental também festeja, atravessando a meia noite. Carros com frondosas bandeiras palestinas circulam pela cidade, na artéria que circunda a Cidade Velha. O mesmo grito se repete a cada automóvel, como um eco ressoando no coração da noite de Jerusalém Oriental: “Palestina Livre”. Um sonho. Uma esperança. Uma condição para, enfim, viver em paz.
Tradução: Katarina Peixoto
Palestinos aprovam discurso de Abbas na ONU
Baby Siqueira Abrão - Direto de Ramallah
“Em todos esses anos, é a primeira vez que ouço Abbas fazer a defesa dos palestinos.” A afirmação de Shalinan Yasin, opositor confesso do presidente da OLP/ANP, dá a medida de como os palestinos da Cisjordânia receberam o discurso de Mahmoud Abbas diante da Assembleia Geral da ONU. Milhares de pessoas reuniram-se em torno dos telões colocados no centro dos 10 distritos da região, onde aconteceram as manifestações de quarta-feira, para acompanhar a fala de Abu Mazen (antigo codinome de Abbas).
Carregando bandeiras e cartazes, entoando hinos patrióticos e dizendo palavras de ordem, a multidão começou a chegar logo após as passeatas que ocorrem todas as sextas-feiras nas vilas. E a animação era geral.
Nas vilas, amigos juntaram-se em torno das televisões dos mercadinhos, sintonizadas na Al Jazeera. A Palestina parou para ouvir o que Abbas tinha a dizer. A aprovação ao discurso vinha em forma de aplausos e gritos de alegria. Até Shalinan, para quem Abu Mazen “não é nada confiável”, aplaudiu-o diversas vezes. “Parece que ele está querendo mudar de imagem, que é muito negativa. Tomara que mude também de atitude”, comentou o palestino, que, aos 40 anos, só conheceu a ocupação.
“Quem mora em outros países não tem ideia de como é a vida na Palestina. Não temos liberdade para nada, nem para ir a cidades vizinhas. É muro aqui, checkpoint ali, e para tudo se necessita permissão”, ele desabafa. “Sou professor e tenho um mercado. À noite, acordo a qualquer ruído, e fico com medo de que sejam os soldados israelenses, tentando abrir a porta e destruir meu negócio. A gente não descansa nem quando dorme.”
Shalinan nunca viu o mar e sempre sonha com ele, que só conhece por fotografias. “Sonho que mergulho, dou braçadas, despreocupado, feliz”, conta. “Nós precisamos de um Estado para afirmar nossos direitos até para coisas mínimas como essa”, acrescenta, com expressão triste. “Quando meu filho de 18 anos sai, não consigo dormir. Se ele demora, fico desesperado, imaginando que talvez os soldados o tenham prendido ou, pior, atirado nele”, diz, com o brilho de lágrimas nos olhos.
Para os palestinos, o discurso de Abbas na ONU, ao denunciar o que realmente acontece no país, foi importantíssimo. “Abu Mazen mandou uma mensagem clara para o mundo: não haverá paz sem respeito a nossos direitos e sem Estado”, comenta Mohamad Yasin, mestre em tecnologias hídricas e responsável pelo programa sanitário ecológico implantado em algumas áreas de Jericó.
Mais crítico, Raslan, também da família Yasin, vê uma contradição básica na fala e na atitude de Abbas: se ele foi à ONU porque as negociações de paz falharam, não faz sentido sugerir novas negociações. Mohamad objeta que sim, faz sentido, porque, caso a Palestina se torne um Estado, as conversas se darão entre pares, não entre potência ocupante e país ocupado. “Além disso, colonos e soldados não poderão entrar aqui quando bem entenderem, como acontece hoje. Se fizerem isso, invadirão outro Estado e estarão sujeitos não apenas às leis desse Estado como às penalidades internacionais”, comenta, lembrando a morte de Issam Kamal Badran, morador da vila de Qusra, perto de Nablus, na manhã do dia do discurso de Abbas. Issam foi vítima de duas balas atiradas por soldados israelenses, que entraram na vila depois que moradores da colônia Esh Kodesh, ilegalmente construída em terras palestinas, entraram em Qusra carregando bandeiras com a estrela de Davi. O exército israelense confirmou o uso de munição letal.
Colonos também atacaram a vila de Jalud, sul de Nablus, e atiraram pedras em carros palestinos no checkpoint de Zatara, na mesma cidade. Confrontos entre soldados e civis desarmados ocorreram no checkpoint de Qalandiya e em Nabi Saleh, vila onde a violência de colonos e soldados contra moradores é quase diária. Vários palestinos ficaram feridos.
“Quando tivermos um Estado, esses enfrentamentos tenderão a diminuir”, acredita Mohamad. Shalinan balança a cabeça. “E pensar que árabes e judeus viveram em paz por tantos séculos... Os árabes impediram que os europeus matassem um grande número de judeus. Nós os recebemos em todo o mundo árabe, principalmente quando fugiram da Alemanha nazista. Não consigo entender por que esses colonos nos odeiam”, comenta. “Nós não os odiamos. Só queremos que eles saiam das nossas terras, que foram roubadas pelos sionistas.”
Bem longe da Palestina, em Toronto, no Canadá, mas em contato via internet, Fida Burini, economista de 40 anos, também quer de volta as propriedades que foram tomadas de sua família, em Haifa. Apesar de ser favorável à solução do Estado único para palestinos e israelenses, com liberdade religiosa para todos, ela assistiu à fala de Abbas e a defesa à solução de dois Estados. E ficou surpresa com o que ouviu. “Foi um discurso brilhante, que mostrou com clareza que a liderança do país finalmente decidiu ir pelo caminho certo, enfrentando as políticas colonialistas e de apartheid de Israel e seu expansionismo ilegal”, diz ela. “O povo palestino espera por evidências sólidas de mudança, por uma nova ‘primavera palestina’, como Abbas a denominou. Isso exige tudo de que ele falou: transparência, responsabilidade, democracia e liberdade. Espero que continuemos unidos para conseguir tudo isso.”
Apesar da injeção de ânimo dada pelo discurso de Abbas, os palestinos se mostram cautelosos. Querem provas do que ele disse. “Não faz muito tempo e Abu Mazen apoiava Israel, servia a eles como policial. Basta ler os Palestine Papers, liberados pelo Wikileaks, para ver até onde eles foram, traindo a Palestina. Quero ver trabalho na base, unidade e reconciliação com o Hamas. Quero ver a Autoridade Palestina ao lado do povo, lutando com ele, formando um novo governo com ele”, declara Fida.
Quanto ao discurso do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyhau, houve rejeição unânime. “Risível. Recheado das velhas mentiras dos sionistas”, resume Fida. “Não sei como a ONU permite que ele vá lá discursar, com todas as violações de direitos humanos que os sionistas cometem, com as resoluções da própria ONU que eles não cumprem, com o direito internacional que não respeitam. São criminosos e deviam estar na cadeia, não nas Nações Unidas”, desabafa ela.
Mohamad estende as críticas aos Estados Unidos. “Não estão interessados na Palestina, mas nas riquezas do Oriente Médio. Ao menos agora o mundo sabe que eles não são a favor nem da democracia, nem da liberdade. A máscara caiu.”
Logo após o discurso de Abbas, Muhammad Shtayyeh, da cúpula do Fatah, o maior partido político da Palestina, anunciou que o país já tem os nove votos necessários para receber o status de membro pleno no Conselho de Segurança. E espera que não haja veto, nem mesmo dos Estados Unidos. “O único órgão da ONU autorizado a admitir novos Estados é o Conselho de Segurança. Vamos aguardar a decisão do Conselho e então decidir os próximos passos”, declarou ele, sem confirmar se a Palestina recorrerá à Resolução 377 da ONU, pela qual a Assembleia pode tomar a decisão que o CS não conseguiu tomar por falta de unanimidade.
(*) A reportagem agradece a colaboração de Raslan Yasin na tradução do discurso de Mahmoud Abbas.
http://www.viomundo.com.br/
23 de setembro de 2011
Obama fala aos marcianos
Robert Fisk: Um presidente que é incapaz de enfrentar a realidade do Oriente Médio
Friday, 23 September 2011, no Independent
Hoje Mahmoud Abbas deveria viver seus melhores momentos. Mesmo o New York Times descobriu que “um homem cinza em ternos cinzas e sapatos sensíveis, pode estar lentamente emergindo de sua própria sombra”.
Mas isso é nonsense. O líder incolor da Autoridade Palestina, que escreveu um livro de 600 páginas sobre o conflito de seu povo com Israel sem mencionar uma só vez a palavra “ocupação”, não deveria ter dificuldades esta noite para fazer melhor que o discurso patético e humilhante de Barack Hussein Obama nas Nações Unidas, na quarta-feira, no qual ele entregou a política dos Estados Unidos no Oriente Médio ao governo engenhoso de Israel. Para o presidente norte-americano que já pediu o fim da ocupação israelense de terras árabes, o fim do roubo de terras árabes na Cisjordânia — “assentamentos” israelenses é o que ele usava — e um estado palestino até 2011, a performance de Obama foi patética.
Como sempre, Hanan Ashrawi, a única voz palestina eloquente em Nova York esta semana, acertou. “Não pude acreditar no que ouvi”, ela disse ao Haaretz, o melhor dos jornais israelenses. “Soou como se os palestinos estivessem ocupando Israel. Não houve uma palavra de empatia com os palestinos. Ele falou apenas das dificuldades dos israelenses…” É bem verdade. E, como sempre, os mais sãos dos jornalistas israelenses, em sua condenação aberta de Obama, provaram que os príncipes do jornalismo norte-americano foram covardes. ” O claudicante, pouco imaginativo discurso que o presidente dos Estados Unidos fez nas Nações Unidas… reflete quanto o presidente norte-americano é incapaz de enfrentar a realidade do Oriente Médio”, escreveu Yael Sternhell.
E assim como os dias vão e vem, descobriremos se os palestinos vão responder à performance tíbia de Obama com uma terceira intifada ou com um dar de ombros de quem reconhece que sempre foi assim, que os fatos continuam a provar que o governo dos Estados Unidos permanece uma ferramenta de Israel, quando se trata da recusa de Israel em dar aos palestinos um estado.
Como é, perguntamos, que o embaixador dos Estados Unidos em Israel, Dan Shapiro, voou de Tel Aviv a Nova York para o debate sobre o estado palestino no mesmo avião que o primeiro-ministro israelense Netanyahu? Como é que Netanyahu estava muito ocupado batendo papo com o presidente colombiano em vez de ouvir o discurso de Obama? Ele apenas olhou de relance na parte do texto que mencionava os palestinos, quando estava ao vivo, face a face, com o presidente norte-americano. Isso não foi “chutzpah”. Foi insulto, puro e simples.
E Obama mereceu. Depois de elogiar a primavera/verão/outono árabe, seja lá o que for — mencionando os atos de coragem individual de tunisianos árabes e egípcios como se ele, Obama, tivesse estado por trás do Acordar Árabe o tempo todo, o homem se dignou a dar 10 minutos de seu tempo aos palestinos, esbofeteando-os por ousar pedir um estado nas Nações Unidas. Obama até sugeriu — e esta foi a parte mais engraçada de seu disparatado discurso nas Nações Unidas — que os palestinos e os israelenses eram dois “partidos” iguais no conflito.
Um marciano que ouvisse o discurso pensaria que, como sugeriu a srta. Ashrawi, os palestinos estão ocupando Israel em vez do contrário. Nenhuma menção da ocupação israelense, nenhuma menção de refugiados, do direito de retorno ou do roubo de terra árabe-palestina pelo governo israelense violando todas as leis internacionais. Mas Obama lamentou pelo povo cercado de Israel, pelos foguetes atirados contra suas casas, pelas bombas suicidas — pecados palestinos, naturalmente, mas nenhuma referência à carnificina de Gaza, às mortes massivas de palestinos — e mesmo pela perseguição histórica do povo judeu e pelo Holocausto.
A perseguição é um fato histórico. Assim é o maligno Holocausto. Mas OS PALESTINOS NÃO COMETERAM ESTES ATOS. Foram os europeus — cuja ajuda Obama agora busca para negar o estado aos palestinos — que cometerem esse crime dos crimes. E então voltamos ao trecho dos “partidos iguais”, como se os israelenses ocupantes e os palestinos ocupados estivessem em um mesmo campo.
Madeleine Albright adotava esta mentira abominável. “Cabe aos próprios partidos”, ela dizia, lavando as mãos, como Pilatos, das negociações, assim que Israel ameaçava chamar seus apoiadores nos Estados Unidos. Ninguém sabe se Mahmoud Abbas conseguirá produzir um discurso de 1940 nas Nações Unidas, hoje. Mas pelo menos já sabemos quem é o apaziguador.
Tradução: Luiz Carlos Azenha
PS do Viomundo: Obama quer se reeleger. Para isso, precisa vencer em Ohio e na Flórida. Qualquer palavra de desafio às posições de Israel coloca em risco a vitória de Obama nos dois estados. Ou seja, é o instinto de sobrevivência…
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