Ataques aéreos da CIA no Paquistão matam crianças
Jessica Grant
Crianças são pelo menos 44% dos civis mortos nos sete anos de ataques aéreos não tripulados da inteligência estadunidense, a CIA, nas áreas tribais do Paquistão. A informação, que soma os números de fatalidades levantados através de relatos confiáveis, foi publicada pelo The Bureau of Investigative Journalism (TBIJ), organização inglesa de jornalismo investigativo parceira da brasileira Pública. Destes relatos reunidos, 168 crianças estão entre os 385 civis mortos nos voos que vitimaram de 2.309 a 2.880 pessoas. Ataque a civis é caracterizado pelo Protocolo Adicional I, de 1977, da Convenção de Genebra, como crime de guerra.
Os números variam de acordo com o levantamento das diferentes instituições, mas todos demonstram que a guerra ao terror atinge inocentes. O instituto americano de políticas públicas e pesquisa The New American Foundation afirma, numa apuração feita pela mídia, que mais de 2.500 pessoas foram mortas, 80% militantes, o que resultaria em 500 fatalidades. Em 2009, porém, Daniel Byman, da organização Brookings Institution, calculou que, para cada militante, por volta de 10 civis foram atingidos.
Os aviões não tripulados, chamados em inglês de drone, são uma tecnologia inicialmente criada para evitar a morte de pilotos. Somente os Estados Unidos e Israel já o usaram em ataques. Cada vez mais comum na guerra contra o terror, o piloto controla o voo e os ataques via mísseis remotamente, numa base americana com um vídeo da aeronave. O Predator, um dos mais usados, é o mesmo que a OTAN enviou para a Líbia. “Qualquer coisa que desumaniza o processo, torna mais fácil puxar o gatilho”, afirmou Tom Parker, diretor de política para antiterrorismo e direitos humanos da Anistia Internacional, em 2009 ao jornal The New York Times.
Inocentes atingidos
São casos como os vizinhos de militantes de grupos antiamericanos, como Taliban e Al-Qaeda, atingidos por mísseis que erraram o alvo, ou pessoas que estavam no mesmo ambiente. Em 30 de outubro de 2006, por exemplo, uma investida numa escola religiosa em Bajaur matou 69 crianças – a mais nova de 7 – entre 80 civis. O alvo era o diretor, provável militante.
De acordo com o jornal The Sunday Times, alegou-se que o local treinava homens-bomba e o governo paquistanês assumiu os mísseis. “Nós achamos que seria menos prejudicial se disséssemos que o fizemos ao invés dos Estados Unidos”, teria dito um assessor do então presidente, Pervez Musharraf, à publicação. “Mas houve muitos danos colaterais e pedimos aos americanos que não façam isso de novo.” O governo paquistanês, na época, confirmou que era um espaço de treinamento e que todos eram maiores de idade. Mas um jornal do país, o The News, publicou nomes, famílias e idades, provando as mortes de menores.
A porta-voz da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para o sul da Ásia, Sarah Crowe, comentou em entrevista ao TBIJ: “Até mesmo a morte de uma criança por ataques não tripulados ou homens-bomba já é demais. As crianças não tem lugar na guerra e todas as partes devem fazer o máximo para protegê-las de ataques violentos em todos os momentos”.
Mais de um terço dos ataques durante o governo do ex-presidente americano George W. Bush resultaram em mortes de crianças, já com o atual Barack Obama o cenário mudou um pouco. Em junho deste ano, o assistente de Obama para segurança interna e antiterrorismo, John Brennan, afirmou em palestra que “uma das coisas que o presidente tem insistido é que somos excepcionalmente precisos e cirúrgicos quanto à abordagem da ameaça terrorista. Nós não tomamos medidas que coloquem em risco estes homens, mulheres e crianças inocentes”. Desde a morte de Osama Bin Laden, antigo líder da Al-Qaeda, na cidade paquistanesa Abbottabad, em maio deste ano, os ataques de aviões não tripulados têm aumentado.
Apoio paquistanês
O New York Times, em 2009, também afirmou que o governo paquistanês ajudou os Estados Unidos e pediu que os americanos dividissem a tecnologia com eles, enquanto publicamente ainda anunciava condenar os ataques. No mesmo ano, os jornais The Times e The Wall Street Journal publicaram que o Paquistão, inclusive, permitia que a CIA usasse uma base aérea em Shamsi.
Em maio, documentos oficiais publicados pelo Wikileaks afirmaram que o chefe do exército, o general Ashfaq Kayani, não só concordou com os ataques como pediu ao comandante do Comando Centrar dos Estados Unidos, William J. Fallon, continuidade e maior vigilância de algumas áreas. Os documentos afirmam que nenhum acordo foi estabelecido.
Crime de guerra?
Gabriel Valladares, assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para a região do Cone Sul da América Latina, explica que ataques indiscriminados são crimes de guerra. “De acordo com o DIH [Direito Internacional Humanitário, que vale quando há conflitos armados], estes ataques [indiscriminados] são os que afetam indistintamente objetivos militares, pessoas civis e bens de caráter civil.” Ele explica que, de acordo com o artigo 51º do Protocolo Adicional I de 1977 da Convenção de Genebra, tratado internacional que regula o DIH, ataques indiscriminados são aqueles que não são dirigidos contra um objetivo militar determinado, utilizam métodos que impossibilitam um foco determinado ou cujos efeitos não podem ser limitados. Bombardeios em regiões com concentrações civis são um exemplo.
Mas, antes de julgar, é preciso pesquisar a fundo, alerta Valladares. “Cada caso que acontece no conflito armado deve ser analisado em si mesmo com a maior [quantidade de] informação possível para determinar se o ataque escolhido foi conforme as regras do DIH ou não”, diz. “No caso de um ataque de uma nave não tripulada for um ataque indiscriminado, ou ao menos causar perdas e danos que seriam excessivos com relação à vantagem militar concreta e direta prevista, então estaríamos frente a uma possível infração grave do DIH , conhecida também como crime de guerra.”
Sobre os ataques aéreos e este balanço entre os objetivos militares e as casualidades civis, Valladares relembra a polêmica dos bombardeios da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contra a rádio e pontes de Belgrado no conflito por Kosovo, em 1999, matando e ferindo vários civis. As acusações foram levadas ao Tribunal Penal Internacional, que analisou a proporcionalidade entre os objetivos militares das ações e as perdas civis, mas não chegou à uma conclusão e considerou que não julgaria o caso porque, durante os conflitos, a Iugoslávia não era membro da ONU (Organização das Nações Unidas).
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