quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Sem muita novidade

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João Ubaldo Ribeiro

Já faz alguns dias que cheguei de volta das férias, mas ainda estou encontrando dificuldade em recuperar meu ritmo de jogo. Saí à rua para preparar o retorno a minhas habituais condições de temperatura e pressão e, ao ver os carros ziguezagueando pela avenida, entre ônibus desatinados e pedestres aos pulos e às carreiras, voltei para casa. Reflexos rateantes, juntas requerendo aposentadoria, não me senti à vontade para encarar a travessia de uma rua, assim logo no primeiro dia. Além disso, aonde ia aquele povo todo, com tanta pressa? A vidinha na ilha é insidiosa, vicia logo o indivíduo, ainda mais quando ele nasceu lá.

Consegui, em desempenho razoável, não fazer nada a maior parte do tempo em que permaneci na ilha, apesar de estar muito longe do virtuosismo de meu amigo Vavá Major. Não chegamos a nos ver pessoalmente desta vez, embora tivéssemos planos para isso. Desafortunadamente, ele não conseguiu abrir espaço em sua agenda de não fazer nada. É sutil, mas dá para compreender: tem uma hora de não jogar dominó, uma hora de não ir buscar água na Fonte da Bica, uma hora de não pintar a porta que ainda está na madeira crua e assim por diante, são inatividades diversas entre si. Uma coisa é não estar jogando dominó, outra coisa é não estar pintando a porta – afinem a filosofia e vocês perceberão o raciocínio de Vavá. E eu, ciente do muito que tenho a aprender com ele, segui seu exemplo. Não sei se ainda chego lá, duvido muito, ele é craque. Pouco antes de minha volta, um vizinho seu me disse que ultimamente ele tem tido preguiça de dormir e está até pensando em se consultar no posto de saúde, ou então, quem sabe, arrumar alguma alma caridosa que durma por ele.

De qualquer forma, não houve grandes acontecimentos durante minha estada, exceção feita à discutida operação de safena a que se submeteu Zecamunista, ora já em fim de convalescença e fazendo planos subversivos que esconde de mim, ao tempo em que me chama de porta-voz e marionete da imprensa burguesa, a soldo de Wall Street. A operação não afetou muito sua rotina. O pôquer, por enquanto, está proibido, mas não a Oficina Lenine de Carteado Dialético, que ele organizou e que já está recusando matrículas, apesar do alto preço das aulas. E, no carnaval, deverá estar de regresso à ilha, ainda a tempo de ajudar na saída do bloco Acumulação Primitiva, que ele garante ser de inspiração marxista, mas que umas popozudas que posaram com tudo de fora para o jornal de Roberto Gaguinho afirmaram entre risadinhas que é muitíssimo outra coisa.

Na área política, nada de grande impacto. Com a ausência de Zecamunista, o debate político no bar de Espanha se arrefece bastante. Mas creio que o exemplo de Marvadinho reflete a posição de parcela considerável da população da ilha.

- Eu soube que você está tirando voto pra saber quem é que está com ela – me disse ele, junto ao balcão do mesmo bar de Espanha. – Eu quero votar também, tire aqui meu voto.

- Você está enganado, Marvadinho, eu não estou tirando voto.

- Está, sim. Conversa com um, conversa com outro, depois bota no jornal o que quiser e não bota a voz de todos. Eu faço questão de botar a minha voz. É o seguinte: eu estou com ela e não abro.

- Com ela quem?

- Com d. Dilma, bote no jornal. E na popularidade também, eu voto na popularidade dela aí, bote meu nome aí. Ela vai saber logo?

No setor pesqueiro, tampouco há grandes novidades. Xepa continua a sustentar haver testemunhado dois tatus sendo fisgados, mas não há novos registros desse tipo de pesca, não sei se por falta de tatus aquáticos ou por medo do Ibama. O pessoal da ilha tem muito medo do Ibama e de vez em quando alguém diz a um desafeto “eu só não lhe dou um tiro, desgraçado, porque não quero que o Ibama me prenda”. Várias árvores na ilha estão precisando de podas radicais ou estão condenadas, mas dizem que o Ibama não deixa tocar nelas – e aí acontece o que aconteceu com Garrido, bem no largo da Glória, pertinho lá de casa. Um oitizeiro gigantesco e meio podre partiu-se em dois e a metade que caiu achatou o carro de Garrido. A voz corrente é que é bem pior negócio matar árvore ou tatu do que do que gente, o que, na opinião geral, torna a profissão de fiscal do Ibama muito perigosa. Matar bicho é crime inafiançável. Matar o fiscal, não. É inegável que nós temos leis interessantes.

Finalmente, o movimento do Mercado tem sido meio fraco, de modo que o que resta, para quem chega às cinco horas da manhã, é comentar passarinhos, recordar peixes famosos, exaltar craques do passado e saber a quantas anda o boroeste, palavra inventada para dar explicações meteorológicas a turistas, como, por exemplo, “se o boroeste arriar, vai chover”. E, claro, há o problema de Radiola, tradicional comerciante de mariscos e grande falador, renomado em toda a ilha. Radiola continua tão falador quanto antes, só que agora com a língua estranhamente presa ou quase imóvel, o que torna ininteligível o que ele diz.

- Foi um Viagra que ele tomou de mau jeito – me explicou Totó Vereador, quando procurei saber o que estava acontecendo.

- Foi um Viagra que fez isso nele?

- Ele pensou que era pra deixar derreter embaixo da língua e aí deu nisso, a língua empedrou que ele quase nem consegue mais comer. Agora está de língua dura aí tem mais de mês, quem quiser que facilite com Viagra.



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