sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Revolução Árabe e Israel

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Sexta-Feira, 18 de Fevereiro de 2011

Os EUA, arrimo de Israel no Oriente Médio


Kathleen Christison (*) - Counterpunch

Há cerca de dez dias, participei de discussão especialmente interessante sobre Israel e seu relacionamento com a política dos EUA para o Oriente Médio, considerados os atuais acontecimentos no Egito e em outros países do mundo árabe. Meu interlocutor foi um dos mais brilhantes comentaristas de política norte-americana da mídia alternativa, mas disse que, para ele, Israel não teria qualquer importância considerável no que os EUA fazem na região.

Devo dizer que pode ser caso de uma espécie de ‘ponto cego’ no panorama mental sempre que se trata de Israel – fenômeno frequente também entre os pensadores progressistas. E espero que o torvelinho pelo qual passa a região acabará abrindo os olhos também dos que ainda tendem a minimizar o papel central que Israel desempenha na política dos EUA.

Os recentes eventos no Egito e os “Documentos da Palestina” publicados por WikiLeaks e divulgados pela rede al-Jazeera, com conversações entre palestinos e israelenses, aí estão, como prova escrita, mais contundentes que qualquer outra divulgação, de que os EUA fazem o que fazem no Oriente Médio em vasta medida por causa de Israel – para proteger e salvaguardar Israel contra os vizinhos árabes que se revoltam contra o tratamento que Israel dá aos palestinos; contra muçulmanos, também revoltados pelos mesmos motivos; contra todos os críticos que reclamam das agressões militares dos israelenses contra Estados próximos; contra a ira de outros Estados eternamente ameaçados por Israel; contra governos na região que não aceitam que Israel seja o único Estado nuclear e insistem em desenvolver programas nucleares próprios, que lhes deem meios para conter Israel e defender-se das agressões dos israelenses.

É instrutivo lembrar que o Egito é importante para os EUA quase exclusivamente porque assinou um tratado de paz com Israel em 1979 e ajuda a garantir a segurança de Israel, defendendo a fronteira ocidental; ajudando em ataques militares contra outros países árabes; fechando os túneis que chegam a Gaza, pelos quais o Hamás contrabandeia algumas armas, e a população de Gaza obtém comida e outros artigos essenciais; e, claro, também porque o Egito ajuda a minar o poder do Hamás em Gaza. Os EUA também consideram o Egito como roldana importante em sua máquina de “guerra ao terror” e na guerra contra o radicalismo islâmico – função também intimamente ligada aos interesses de segurança de Israel.

Obviamente, o Egito é importante, de pleno direito, na Região. O tamanho do país e sua localização estratégica garantem que sempre terá influência considerável na política do Oriente Médio, e há séculos é o coração da cultura árabe, para o que não precisa de ajuda dos EUA.

As três últimas semanas de luta do povo egípcio por democracia aumentou a importância do Egito, capturando a imaginação dos povos do mundo inteiro (exceto de muitos, talvez a maioria, em Israel e da direita linha-dura nos EUA, com destaque para a ala daquela direita que apóia Israel).

Mas a parte fundamental que interessa destacar é que os EUA não teriam o relacionamento militar, político e econômico tão íntimo que têm com o Egito há mais de 30 anos, não fosse o Egito aliado de Israel e o fato de que, nas palavras de Rashid Khalidi, especialista em Oriente Médio, o Egito sempre aceitou “a hegemonia regional de Israel”. O 1,5 bilhão anual de dólares em ajuda militar, e os 28 bilhões em assistência econômica e para o desenvolvimento ao longo dos últimos 35 anos não seriam entregues ao Egito, se o antecessor de Mubarak, Anwar Sadat, não tivesse suplicado por eles e, afinal, não tivesse concordado em assinar um tratado de paz com Israel, que removeu o Egito – o mais poderoso exército do mundo árabe – da lista das ameaças ‘existenciais’ contra Israel, abandonando os palestinos e outros partidos árabes aos seus próprios (poucos) recursos.

Com o Egito fora do jogo e já, de fato, jogando a favor, Israel ficou livre para lançar vários ataques militares contra países vizinhos, duas vezes contra o Líbano e incontáveis vezes contra Gaza e a Cisjordânia, e livre para expandir as colônias exclusivas para judeus em territórios ocupados, roubar terra dos palestinos e massacrar rotineiramente os palestinos, sem medo de retaliação nem, sequer, de qualquer manifestação mais significativa vinda de qualquer exército árabe.

O comentarista israelense Aluf Benn já destacou além disso que, com Mubarak no poder, Israel sempre poderia sentir-se seguro em relação ao flanco ocidental no caso de atacar o Irã.

Hoje, Israel já não pode atrever-se a atacar o Irã, e assim continuará até que volte (se voltar) a poder confiar que receberá do Egito “apoio tácito a todos os seus atos”. Mas quem quer que substitua Mubarak, seguindo esse raciocínio, também terá de preocupar-se com não despertar a fúria das massas, no caso de mostrar muita disposição para apoiar Israel. “Sem Mubarak, desaparece qualquer possibilidade de Israel atacar o Irã.”

Para Israel e, portanto, também para os EUA, o investimento de bilhões que os EUA fizeram no Egito sempre valeu cada vintém. O fim da “estabilidade” que o Egito assegurava – ou seja, com Israel já sem poder confiar que se manterá em segurança, como potência regional dominante ­é o fator de mudou muito dramaticamente todos os cálculos estratégicos dos EUA e de Israel.

Antes do tratado de paz Egito-Israel, os EUA jamais consideraram que o Egito fosse o item de alta importância estratégica que passou a ser depois de render-se e por toda a sua capacidade militar a serviço dos interesses de Israel. Pode-se dizer o mesmo sobre as relações dos EUA com inúmeros outros estados árabes. O envolvimento dos EUA no Líbano – inclusive os esforços para tirar o exército sírio do Líbano – também se explica quase completamente pela defesa dos interesses de Israel também ali.

O fracasso da invasão de Israel ao Líbano em 1982 ainda reverbera: em resposta àquela invasão, os EUA mandaram um contingente de Marines, que se envolveu em luta direta com facções libanesas, o que levou a um ataque a bomba devastador contra o quartel-general dos Marines que matou 241 militares e agentes dos EUA em 1983. O crescimento do Hezbollah, representando a população xiita sitiada no sul do Líbano, é resultado direto da invasão israelense; o aumento no número de pessoal norte-americano seqüestrado pelo Hezbollah ao longo dos anos 1980s é resultado da hostilidade que cresceu contra os EUA, por causa do apoio a Israel. Israel retirou-se em 2000 do sul do Líbano, depois de vinte anos de ocupação, deixando atrás de si um Hezbollah mais poderoso do que jamais fora. O continuado conflito ao longo da fronteira levou ao brutal ataque de Israel contra o Líbano no verão de 2006. Mas Israel não derrotou a organização islâmica nem fez diminuir sua popularidade. Como resultado disso, os EUA já há anos estão obrigados a trabalhar para minar o poder do Hezbollah e, essencialmente, para manter o Líbano como sinecura israelense.

A Jordânia foi aliada menor dos EUA durante décadas, até que concluiu um tratado de paz com Israel em 1994 e ganhou status aos olhos dos EUA. Então, o pequeno Estado na fronteira leste de Israel passou a receber gorda ajuda militar e econômica dos EUA. O perfil oficial da Jordânia nos arquivos do Departamento de Estado dos EUA expõe os argumentos que explicam o bom relacionamento com a Jordânia, todos ligados, mais ou menos diretamente, a Israel, mas sem jamais mencionar Israel: “A política dos EUA busca reforçar o comprometimento da Jordânia com a paz, a estabilidade e a moderação. O processo de paz e a oposição da Jordânia ao terrorismo seguem e indiretamente reforçam interesses mais amplos dos EUA. Assim também, mediante assistência militar e econômica e por vias de cooperação política, os EUA têm ajudado a Jordânia a manter-se estável e próspera.”

As referências a “reforçar” o comprometimento da Jordânia “com a paz, a estabilidade e a moderação” e à manutenção da estabilidade e da prosperidade da Jordânia dizem, de fato, sobre a Jordânia ajudar a manter a área – e sobretudo a fronteira com Israel – calma. Assim também, a expressão “indiretamente reforçam interessem mais amplos dos EUA” refere-se ao compromisso de cuidar da segurança de Israel. “Moderação”, no jargão do Departamento de Estado, é palavra-código para defesa dos interesses de Israel; “estabilidade” significa sempre ambiente seguro que atenda, primeiro, aos interesses de Israel.

Pode-se afirmar com segurança que nem o Líbano nem a Jordânia jamais teriam a importância que têm para os EUA, se os EUA não considerassem importante manter calmas as áreas de fronteira desses dois países com Israel, sempre considerada, só, a segurança de Israel. O mesmo não se pode dizer da Arábia Saudita, onde os EUA têm interesses vitais no petróleo, além da preocupação com a segurança de Israel. Mas, ao mesmo tempo, os EUA controlaram todos os impulsos dos sauditas na direção de defender os palestinos ou quaisquer outros árabes sob sítio dos israelenses, e puseram os sauditas bem alinhados, pelo menos implicitamente, ao lado de Israel, em várias questões – seja quando Israel atacou o Líbano em 2006 seja em 2008-2009, quando Israel massacrou Gaza seja, ainda, no que tenha a ver com a suposta “ameaça iraniana”. Vai muito longe o tempo em que os sauditas enfureceram-se por conta do apoio dos EUA a Israel, a ponto de imporem um embargo ao petróleo, como aconteceu em 1973.

Os documentos recentemente divulgados por WikiLeaks de telegramas do Departamento de Estado e, sobretudo, a divulgação pela rede al-Jazeera de minutas de reuniões das negociações entre Israel e palestinos ao longo da última década também mostram com ofuscante clareza o quanto os EUA jogam duro, e que o jogo duro sempre funcionou, para ajudar Israel no processo de negociação com palestinos.

O apoio dos EUA a Israel jamais foi segredo, e cada vez é menos secreto ao longo dos últimos anos, mas os telegramas vazados fazem ver um quadro muito mais dramático do total desdém dos EUA pelos interesses dos palestinos nas negociações e o quanto os palestinos foram deixados sem qualquer poder de barganha ante a recusa de Israel a qualquer concessão.

Chama a atenção, naqueles documentos, que os EUA fazem o papel de “advogado de Israel” – descrição cunhada por Aaron David Miller, depois de trabalhar nas negociações durante a era Clinton. E é o mesmo papel sempre, seja nos governos Bill Clinton ou George W. Bush ou Barack Obama: sempre prevalecem os interesses e demandas de Israel.

Fora do mundo árabe, também a política dos EUA para o Irã é ditada praticamente toda, por Israel. A pressão para atacar o Irã – seja ataque direto dos EUA, ou apoio dos EUA a ataque de Israel – que está em pauta há quase oito anos, desde o início da guerra no Iraque, sempre veio toda de Israel e de seus apoiadores nos EUA. É pressão declarada, e é impossível negar o quanto Israel pressionou para que os EUA atacassem o Iraque.

Se algum dia os EUA se envolverem em ataque militar contra o Irã, diretamente, ou como força de apoio dos israelenses, acontecerá porque Israel decidiu que acontecesse. Se não houver ataque algum contra o Irã, como Aluf Benn prevê que não haverá, foi porque Israel tremeu, agora, depois de iniciada a Revolução Egípcia.

Israel e o desejo de defender a própria hegemonia regional foram fatores substancialmente importantes também para arrastar os EUA à guerra no Iraque – embora haja quem discorde, entre progressistas e conservadores, que entendem que aí haveria em jogo outras forças além das relações EUA-Israel-árabes.

Sempre foi muito claro para muitos analistas, durante anos, até décadas, que os EUA favorecem Israel, mas a realidade jamais foi revelada tão explicitamente, até que eventos recentes puseram a nu o relacionamento, e trouxeram à luz o fato de que no centro de praticamente todos os movimentos dos EUA na região sempre está Israel.

Sempre foi tabu falar dessas realidades, tabu que amordaçou gente como o meu interlocutor. Ninguém fala contra Israel, porque quem fale sempre poderá ser dito antissemita, acusado de “selecionar” Israel como alvo preferencial de críticas. A imprensa não discute Israel nem noticia o que Israel faz no Oriente Médio e, nunca, o que Israel faz mais diretamente aos palestinos que vivem sob ocupação militar, porque o tema sempre dispara cartas de leitores indignados e cancelamento de assinaturas de jornais e revistas, dos apoiadores de Israel que militam nos EUA. Candidatos a deputado e senador poriam em risco as gordas doações de campanha, se dissessem a verdade sobre Israel. E assim aconteceu que Israel sumiu do radar da opinião pública. Muitos progressistas até mencionam Israel “de passagem”, como meu amigo, mas nada além disso. E a crítica não avança.

Ultimamente, porque já não se fala sobre Israel, já ninguém nem pensa sobre Israel. Assim, já ninguém nem vê que Israel é o fator determinante de praticamente todas as políticas e ações dos EUA no Oriente Médio.

É tempo de começar a falar de Israel. Todos, no Oriente Médio, já começam a ver o que há para ver, como a Revolução Egípcia deixou tão claro. É provável que muitos outros, em todo o mundo, também estejam vendo. Temos de começar a ouvir a voz do povo – não dos políticos e líderes, que vivem de dizer o que supõem que nos interesse ouvir.

(*) Kathleen Christison é ex-analista política da CIA. É co-autora de Palestine in Pieces, com Bill Christison, seu marido.Recebe e-mails em kb.christison@earthlink.net

(*) Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

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Revolução no Egito é ruim para Israel


Ilan Pappe (*)

As revoluções da Tunísia e do Egito, se realmente obtiverem sucesso, serão ruins, muito ruins para Israel. Árabes educados – nem todos vestidos como "islâmicos", a maioria sem falar um inglês perfeito, cujo desejo de democracia não recorre à retórica "antiocidental" – são ruins para Israel.

Exércitos árabes que não atirem nos manifestantes são tão ruins para Israel como o são muitas outras imagens que movimentam e entusiasmam tantas pessoas ao redor do mundo, inclusive no Ocidente. Essa reação mundial também é ruim, muito ruim para Israel. Faz a ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, e as políticas sionistas de apartheid dentro de Israel, parecerem atos de um típico regime "árabe".

Por algum tempo não soubemos o que os oficiais de Israel pensavam [sobre a intifada egípcia]. Na primeira mensagem a seus pares, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pediu a seus ministros, generais e políticos que não comentassem em público os acontecimentos no Egito. Por um breve momento qualquer um de nós pensaria que Israel havia passado de bandido do bairro para o que ele sempre foi: um visitante ou um residente permanente [na Palestina].

Parece que Netanyahu ficou particularmente envergonhado com os comentários infelizes sobre a situação proferidos publicamente pelo general Aviv Kochavi, o chefe da inteligência militar israelense. Especialista em assuntos árabes, Kochavi declarou confiante, no Knesset [o Parlamento de Israel], duas semanas antes da queda de Mubarak, que o regime do ditador estava mais sólido e resistente do que nunca. Mas Netanyahu não pôde ficar de boca fechada por tanto tempo. E, quando falou, todos os outros o seguiram. E, quando todos falaram, suas opiniões fizeram os comentaristas da Fox News [de direita, conhecidos pela virulência] parecerem um bando de hippies pacifistas e amantes da liberdade da década de 1960.

A essência da narrativa israelense é simples: essa é uma revolução semelhante à iraniana, auxiliada pela Al Jazeera e estupidamente permitida pelo presidente dos EUA, Barack Obama, que é um novo Jimmy Carter, e por um mundo estupefato. No comando da interpretação israelense estão os ex-embaixadores de Israel no Egito. Todas as suas frustrações por terem sido trancados em um apartamento de um arranha-céu no Cairo agora explodem como um vulcão em erupção. Suas invectivas podem ser resumidas nas palavras de um deles, Zvi Mazael, que declarou ao canal de televisão israelense One, em 28 de janeiro, que "isso [a intifada egípcia] é ruim para os judeus, muito ruim".

Em Israel, claro, quando você diz "ruim para os judeus," você quer dizer “para os israelenses” – mas também significa que tudo que é ruim para Israel é ruim para os judeus de todo o mundo (apesar das evidências em contrário desde a fundação do Estado).

Mas o que é realmente ruim para Israel é a comparação.

Independentemente do modo como tudo isso vá acabar, [a revolta na Tunísia e no Egito] expõe as falácias e o simulacro de Israel como nunca antes. O Egito está passando por uma intifada pacífica – a violência letal vem do lado do regime. O exército não atirou contra os manifestantes, e até mesmo antes da partida de Mubarak, com os protestos alcançando a marca de sete dias, o ministro do interior, que liderou seu capangas num choque violento contra os manifestantes, foi demitido e, provavelmente, será levado à justiça.

Sim, isso foi feito para o governo ganhar tempo e tentar convencer os manifestantes a ir para casa. Mas mesmo esta cena, agora esquecida, nunca poderia acontecer em Israel. Israel é um lugar onde todos os generais que ordenaram o massacre de manifestantes palestinos e judeus contra a ocupação agora concorrem ao mais alto cargo, o de chefe do estado-maior das forças armadas.

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Anat Kamm
 
Um deles é Yair Naveh, que deu ordens, em 2008, para matar palestinos suspeitos até mesmo quando eles podiam ser presos de maneira pacífica. Ele não vai para a cadeia, mas a jovem Anat Kamm, que tornou públicas essas ordens, enfrenta agora nove anos de prisão por revelá-las ao diário israelense Haaretz. Nenhum general ou político israelense passará um único dia na prisão por requisitar tropas para disparar contra manifestantes desarmados, civis inocentes, mulheres, velhos e crianças. A luz que irradia do Egito e da Tunísia é tão intensa que também ilumina os espaços mais escuros da "única democracia do Oriente Médio" [como Israel se autodenomina].

Não violentos, democráticos (religiosos ou não), os árabes são ruins para Israel. Mas talvez esses árabes estivessem ali o tempo todo, não só no Egito como também na Palestina. Os comentadores israelenses insistem que a questão mais importante em jogo – o tratado de paz israelense com o Egito – é um desvio, com pouca relevância para o impulso poderoso que agita o mundo árabe como um todo.

Os tratados de paz com Israel são os sintomas da corrupção moral, não a doença em si – e é por isso que o presidente sírio, Bashar Asad, sem dúvida um líder antiisraelense, não está imune a essa onda de mudança. Não, o que está em jogo é a falácia de que Israel é um país estável, ilha civilizada ocidental no mar agitado da barbárie e do fanatismo islâmico árabe. O "perigo" para Israel é que a cartografia seja a mesma, mas que a geografia mude. O país ainda seria uma ilha, mas de barbárie e fanatismo em um mar de Estados democráticos e igualitários recém-formados.

Aos olhos de grande parte da sociedade civil ocidental, a imagem democrática de Israel desapareceu há muito tempo, mas agora pode ter sido ofuscada e embaciada aos olhos de outros, os políticos e os que estão no poder. Quão importante é a velha e positiva imagem de Israel para a manutenção de sua relação especial com os Estados Unidos? Só o tempo dirá.

De um jeito ou de outro, o grito da Praça Tahrir é um aviso de que as falsas mitologias da "única democracia do Oriente Médio", do fundamentalismo cristão hardcore (muito mais sinistro e corrupto do que a Fraternidade Muçulmana), do lucro da cínica corporação das indústrias militares, do neo-conservadorismo e do lobby brutal não vão garantir a sustentabilidade da relação especial entre Israel e Estados Unidos para sempre.

E, mesmo que essa relação especial se mantenha por algum tempo, será baseada em fundamentos ainda mais precários. Os estudos de caso diametralmente opostos dos até agora resistentes poderes regionais antiamericanos do Irã e da Síria, e, em certa medida, da Turquia, por um lado, e a queda derradeira dos tiranos pró-EUA, por outro lado, são indicativos: mesmo que se prolongue, o apoio estadunidense pode não ser suficiente, no futuro, para manter um "Estado judeu" étnico e racista no coração de um mundo árabe em mutação.

Essa poderia ser uma boa notícia para os judeus, mesmo para aqueles que vivem em Israel, a longo prazo. Não será fácil viver cercado por povos que prezam a liberdade, a justiça social e espiritualidade, e que navegam às vezes com segurança, às vezes de maneira precária, entre a tradição e a modernidade, o nacionalismo e o mundano, a globalização capitalista agressiva e a sobrevivência diária.

No entanto, há um horizonte que carrega a esperança de desencadear mudanças similares na Palestina. Pode chegar ao fim o mais de um século de desapropriação e de colonização sionista, substituído por uma reconciliação mais equitativa entre os palestinos – vítimas dessas políticas criminosas onde quer que estejam –, e a comunidade judaica. Essa reconciliação seria construída sobre a base do direito de retorno palestino e sobre todos os outros direitos pelos quais o povo do Egito tão bravamente lutou nos últimos 20 dias.

Mas os israelenses não perdem uma oportunidade de perder a paz. Eles uivariam como lobos. Exigiriam, e receberiam, mais recursos do contribuinte estadunidense, em função dos novos "acontecimentos". Interfeririam de modo clandestino e destrutivo para minar qualquer transição para a democracia (lembram-se da força e da agressividade que caracterizaram a reação israelense à democratização da sociedade palestina?) e elevariam a campanha islamofóbica a patamares novos e sem precedentes.

Talvez, porém, o contribuinte estadunidense não se movesse dessa vez. E talvez os políticos europeus seguissem o sentimento geral de seu público e permitissem não apenas que o Egito fosse dramaticamente transformado, mas também dessem as boas vindas a uma mudança semelhante em Israel e na Palestina. Em um cenário assim, os judeus de Israel teriam a chance de se tornar parte do Oriente Médio real e não membros estrangeiros e agressivos de um Oriente Médio inventado pela imaginação alucinatória sionista.

(*) Ilan Pappe é professor de história e diretor do Centro Europeu para o Estudo da Palestina da Universidade de Exeter, Grã-Bretanha. Seu livro mais recente é Out of the Frame: The Struggle for Academic Freedom in Israel [Fora do esquema: a luta pela liberdade acadêmica em Israel] (Pluto Press, 2010).

Tradução: Baby Siqueira Abrão

Um comentário:

  1. Eu não vejo assim!em 1948 os palestinos tiveram toda oportunidade de ser dono da metade do território e não quiseram,falaram que era tudo ou nada.como dis o proverbio:"melhor um passarinho na mão do que dez voando" pra escapar com vida os Israelenses lutaram desesperadamente em 48-50,hoje eles estão na deles. o que é conquistado pela guerra não se devolve. Israel tem um poder bélico devastador, são corajosos e bom de briga, estão ali a 64 anos, nunca perdeu uma guerra e uma delas ganhou em 6 dias. quer mais?;

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