Espiões por todos os lados: a infiltração nos movimentos sociais
Wilson Sobrinho - Correspondente da Carta Maior em Londres
Serviços de investigação privados estão sendo utilizados por corporações britânicas para manterem-se informadas a respeito dasatividades dos movimentos sociais. A revelação da semana passada do jornal londrino The Guardian ocorre um mês depois do início de uma crise envolvendo a polícia britânica em função do uso de agentes secretos infiltrados entre ativistas e ONGs. Documentos revelados pelo jornal inglês mostram que pelo menos três companhias de energia com sede nas ilhas britânicas contrataram os serviços de uma empresa privada de investigação para monitorar os passos de grupos que iam de ambientalistas como London Rising Tide e Plane Stupid, focado na aviação, até movimentos contra o comércio internacional de armas, como o Campaign Against Arms Trade, de Londres. (1)
Por pelo menos três anos, pessoas ligadas à empresa Vericola, com sede no sudeste da Inglaterra, fingiram ser apoiadores de causas ecológicas e políticas para ganhar acesso a manifestações, reuniões e listas de discussões que de outro modo seriam restritas a ativistas. A descoberta da infiltração só aconteceu em função de um e-mail erroneamente remetido pela gerente da empresa a alguns grupos que ela monitorava. A Vericon – que se descrevia como um grupo de“gerenciamento de riscos” a negócios sujeitos a “ameaças potenciais” – negou à reportagem do The Guardian que trabalhasse com espionagem corporativa. Eles apenas juntariam informações amplamente divulgadas, remetidas aos leitores das newsletters e publicadas na internet. “Nossa cliente não obteve informação confidencial nem foi desonesta”, disseram os advogados da empresa ao jornal.
Porém, em uma das mensagens obtidas pelo The Guardian, Rebecca Todd, proprietária da Vericon, prepara um funcionário para encontrar-se com manifestantes e dá dicas sobre como se relacionar sem despertar suspeitas. “Diga que você tem problemas com a namorada. Soa melhor do que problemas com a família ou no trabalho”, aconselhou para tentar acobertar a ausência do agente das recentes reuniões. “E não diga que você está indo para Munique – obviamente eles odeiam viagens curtas de avião”, ordenou. Em outra mensagem, dessa vez enviada para um grupo de ativistas, ela teria se mostrado interessada em fazer uma “contribuição positiva ao planeta”, para logo em seguida pedir informações sobre como se reunir com o grupo. “Eu adoraria participar”, lê-se no e-mail obtido pelo jornal.
Pelo menos uma das companhias citadas admitiu usar os serviços da Vericon no passado. “Como uma grande empresa que tem sido alvo de numerosos protestos ambientais, alguns dos quais violentos, nós temos por obrigação cuidar de nossos empregados e mantê-los seguros”, manifestou-se através de um porta-voz uma das companhias, a E.ON, fornecedora de gás e energia elétrica (2). Porém, eles afirmam que estavam interessados apenas nas informações publicamente disponíveis e que não requisitaram e não se responsabilizam por eventuais excessos cometidos por seus prestadores de serviços. Embora não existam provas de outros casos, uma semana antes de o The Guardian publicar a reportagem, o presidente da Associação dos Chefes de Polícia (Acpo), sir Hugh Orde, havia criticado o “descontrolado e irrestrito” papel do setor privado no ramo de inteligência (3).
Não se sabe se Orde tinha informações de que o The Guardian estava prestes a revelar a bisbilhotagem patrocinada por mega-corporações. O que se sabe é que ele estava se defendendo da outra crise, essa envolvendo o governo. No início de janeiro deste ano, pouco antes de seis ativistas irem à julgamento por tentarem fechar uma usina termoelétrica em 2009, Mark Kennedy, um policial infiltrado entre o grupo de manifestantes, mudou de lado e resolveu prestar depoimento em favor dos acusados. O caso foi suspenso e uma série de revelações envolvendo espionagem policial entre ativistas ingleses veio a público. (4)
À revelação da verdadeira identidade de Kennedy, agente duplo desde 2000, seguiu-se uma lista de outros agentes infiltrados em grupos de ecologistas pela Inglaterra. Entre eles, o caso de um agente que teria revelado o disfarce para uma ativista do Reclaim The Steets antes de se casar com ela. Uma manifestação no final do mês de janeiro reuniu em Londres um grupo de mulheres ativistas descontentes com as táticas da polícia inglesa, principalmente pelo fato de que alguns policiais estariam usando suas posições para fazer sexo com as manifestantes. “A polícia sabia o que estava acontecendo ou até mesmo encorajou?”, perguntou uma ativista que teria mantido relações sexuais com Kennedy ao longo de um ano. “Se ele estava mantendo segredo da polícia então é diferente. Mas eu acho que ele tinha tantos amigos e relações com pessoas do movimento que eu preciso questionar se era uma tática – ou parte de sua tarefa – para se tornar mais respeitado e ganhar confiança dentro do grupo”, disse a mulher, identificada apenas como Anna.
A Acpo reconheceu por meio de um porta-voz que “sob nenhuma hipótese” é permitido aos agentes manter relações com as pessoas vigiadas. “É grosseiramente anti-profissional”. Porém defendeu o uso de agentes secretos em meio a ecologistas, alguns deles “dispostos a causar danos, cometer crimes, e em algumas ocasiões desabilitar partes importantes da infraestrutura do país”, afirmou o porta-voz. (5) Na semana passada, Orde defendeu que juízes autorizem a decisão de infiltrar um agente secreto em um grupo sob vigilância como forma de restabelecer a confiança do público nos serviços de inteligência.
(1) http://www.guardian.co.uk/
(2) http://www.heraldscotland.com/
(3) http://www.acpo.police.uk/
(4) http://www.bbc.co.uk/news/uk-
(5) http://www.bbc.co.uk/news/uk-
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