domingo, 20 de fevereiro de 2011

USP demite e cassa doutorado por plágio em pesquisa

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São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011


USP demite professor por plágio em pesquisa

FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO

A reitoria da USP decidiu demitir um professor de dedicação exclusiva, com mais de 15 anos de carreira, após entender que ele liderou pesquisa que plagiou trabalhos de outros pesquisadores.
A exoneração por plágio é a primeira na instituição em mais de 15 anos. O imbróglio envolveu também a ex-reitora Suely Vilela, coautora da pesquisa questionada. Ela não sofreu punição - a avaliação é que não teve relação com os trechos plagiados.
Outra pesquisadora teve o título de doutorado cassado. Era responsável pelas partes contestadas. Tanto o docente quanto a pesquisadora podem recorrer internamente e judicialmente das decisões.
"A punição de docente, discente ou funcionário técnico-administrativo é sempre dolorosa", disse à Folha o reitor João Grandino Rodas, a quem coube a decisão da punição, após duas comissões internas terem recomendado a decisão. O processo durou mais de um ano.
"Contudo, há de se ter em mente que em casos gravíssimos, como os presentes, a ausência do devido castigo compromete a universidade, cujo maior tesouro é a credibilidade", completou.
O docente Andreimar Soares, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, foi demitido por ser o principal autor da pesquisa, que copiou imagens de trabalhos de 2003 e 2006, sem creditá-las aos autores, da UFRJ (Federal do Rio).
Um dos objetivos do trabalho da USP era investigar se uma substância isolada da jararaca é útil contra o vírus da dengue. Dez cientistas participaram da pesquisa, publicada pela revista "Biochemical Pharmacology".
As imagens copiadas eram de responsabilidade de Carolina Dalaqua Sant'Ana. O trabalho foi uma continuação de sua tese para doutoramento na USP. A escola decidiu cassar o título por entender que houve plágio e "possível fraude" em seu trabalho.
A publicação em revistas científicas é um dos principais indicadores de produção no mundo científico. Uma boa produtividade rende prestígio e financiamentos.

RETRATAÇÃO
A Folha ligou anteontem para a casa do docente demitido. Uma mulher informou que ele não daria entrevista. A reportagem tentou por mais de um mês contato por e-mail, sem sucesso.
Em mensagem anterior, ele afirmou que "ocorreu um lamentável erro de substituição de figuras pela minha ex-aluna de doutorado". Soares disse, porém, que não houve má-fé e que já havia tomado medidas para a retratação "deste grave erro".
A reportagem não encontrou a pesquisadora que perdeu o título de doutora. Segundo a reitoria, ambos foram ouvidos no processo, ao qual a Folha não teve acesso.
A investigação começou em 2009, após a denúncia do próprio grupo da UFRJ, autor das imagens copiadas.
O último caso de demissão na USP por plágio foi em 1995, envolvendo docente do Instituto de Psicologia. Nos últimos anos, surgiram ao menos outras duas denúncias, nas área da física e do direito. Ambas não acarretaram em exoneração.


OUTRO LADO

Erro foi de troca de imagens por aluna, diz docente

DE SÃO PAULO

O professor Andreimar Soares não concedeu entrevista após sua demissão. Em novembro de 2009, ele enviou por e-mail à Folha algumas respostas sobre o caso.
"Não houve plágio, mas lamentável erro de substituição de figuras pela minha ex-aluna de doutorado", disse. "Não houve má-fé e todas as medidas já estão sendo tomadas para a retratação deste grave erro junto à editora e à comunidade científica." A retratação já foi feita.
Carolina Dalaqua Sant'Ana não foi localizada. Ao informativo da Adusp (sindicato dos professores da USP), também de 2009, ela afirmou que o que o professor disse "é o que realmente aconteceu" e lamentou a situação.


Para reitor da USP, pena terá "efeito pedagógico"

DE SÃO PAULO

O reitor da USP, João Grandino Rodas, afirmou que as punições terão "efeito pedagógico" na universidade. Após a conclusão das sindicâncias, ele diz que ocorrerão, nos fóruns da USP, discussões sobre ética e propriedade intelectual. Abaixo, as respostas enviadas por e-mail na noite de anteontem. (FT)

Folha - Por que a punição? João Grandino Rodas - A comissão processante concluiu que as imagens do artigo publicado em 2008, em que o professor é o último autor e autor correspondente, já faziam parte de artigos publicados em 2003 e 2006, sendo que não houve referência.
No caso da aluna, a comissão concluiu pela evidência clara de plágio e possível fraude na tese, que justificam a cassação do título de doutor. Acolhi as conclusões.

A USP perde com o caso?
A punição de docente, discente ou funcionário técnico-administrativo é sempre dolorosa. Contudo, em casos gravíssimos como os presentes, a ausência do devido castigo compromete a universidade, cujo maior tesouro é a credibilidade, e os milhares de uspianos que primam pela honestidade intelectual.
A pena serve como punição ao infrator, com efeito pedagógico aos demais. A USP ganha, por mostrar seriedade, não hesitando em "cortar a própria carne", quando imprescindível.

Deverá haver críticas em relação à punição...
Não se pode confundir repressão com poder disciplinar
. Este faz parte do Poder Público, em todos os sistemas jurídicos do mundo.
O regimento da USP, da mesma forma que entidades similares, está investido do poder disciplinar, que se enquadra no Estado de Direito.


ANÁLISE


Apesar de solapar a base da ciência, plágio corre solto em escolas e universidades

HÉLIO SCHWARTSMAN ARTICULISTA DA FOLHA

O plágio na academia é um problema grave, porque é a confiança que cimenta as bases do conhecimento científico. Se um pesquisador omite até a real autoria de um trabalho citado, como acreditar nos dados que ele reporta?
A teoria, porém, funciona melhor no papel do que no mundo real. Apesar de a desonestidade intelectual em princípio solapar as bases da ciência, ela corre solta nas escolas e universidades.
Pesquisa feita nos EUA pela revista "Education Week" revela que 54% dos estudantes reconhecem ter plagiado textos da internet. Uma outra sondagem, da "Psychological record", mostra que 36% dos alunos de graduação admitem a prática. Como muitos preferem esconder as coisas erradas, os números reais devem ser ainda maiores.
Como conciliar a forte carga moral contra o plágio e sua alta prevalência? Como diversas outras modalidades de mentira, o plágio faz escola porque compensa. Apenas pequena parte das ocorrências é detectada, das quais só uma fração gera punições.
Para 47% dos alunos entrevistados pela "Education Week", os professores preferem ignorar os casos de trapaça que descobrem.
Outra possível explicação é que o plágio entrou há pouco tempo para o rol das práticas condenáveis. Como ensina Jack Lynch, da Universidade Rutgers, até os séculos 17 e 18, a ordem era copiar os mestres tão fielmente quanto possível. A originalidade era vista como presunção, e dar nome à fonte não era absolutamente necessário.
Hoje, autores do calibre de Benjamin Franklin e Lawrence Sterne seriam considerados plagiadores seriais.
A situação só começou a mudar depois da querela dos antigos e dos modernos (século 17) e da explosão da indústria editorial (século 16).
Com a ascensão da burguesia, a originalidade e a invenção passam a ter valor. O primeiro direito estabelecido na Constituição dos EUA é o autoral e de patente. A ideia é que o progresso dependeria do reconhecimento dessas virtudes burguesas.

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