sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma cara vizinhança "ad aeternum"

Mapa do Cemitério da Recoleta e como chegar até o túmulo de Evita

Eva Peron, Evita em Cemiterio da Recoleta

São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

Evita mora ao lado

LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

Ser vizinho "ad aeternum" de Evita Perón, a morta mais famosa da Argentina, agora tem um preço: por R$ 510 mil é possível garantir a vizinhança do túmulo mais visitado do país, no turístico cemitério da Recoleta.
O monumento funerário, colocado à venda há 20 dias, é um dos mais caros da história do local. O valor foi estipulado exatamente pela ilustre companhia ao lado, diz o argentino Dámian Sabelli, que negocia o mausoléu a pedido da mãe.
A reportagem da Folha conheceu as dependências do local, que acomoda até 20 corpos. Além de piso térreo, onde há um altar com espaço para um caixão, há dois subsolos. O mausoléu atualmente abriga 14 mortos. "Todos familiares distantes, do século 19", diz Sabelli.
No primeiro subsolo há dois ataúdes de adultos e dois de bebês. No segundo, onde o futuro comprador poderá dividir a parede com Evita (ela também está no segundo subsolo), jazem nove corpos.
"Mas retiro todos no dia seguinte à venda. O espaço poderá ser ocupado imediatamente", garante o vendedor.
O monumento precisará de reforma. O mármore do interior está quebrado, e o abandono é visível pela quantidade de insetos.
Dámian diz que a família não tem interesse no mausoléu: "É uma herança, e minha mãe resolveu vender".

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Mausoléu da Família Duarte, onde encontra-se o corpo de Evita

Ultimamente, segundo quatro consultores de compra e venda de mausoléus ouvidos pela reportagem, poucos negócios são fechados no cemitério da Recoleta (entre oito e dez por ano).
A administração do local em nada interfere, só cobrando anualmente uma espécie de IPTU.
As vendas são mais constantes em tempos de crise econômica - algo que não é incomum na Argentina -, quando muitas famílias se desfazem de seus monumentos funerários.
"Mas agora também é diferente, não há um culto à morte como havia no passado", diz Luis Montezano, 60, no comércio de mausoléus desde criança -ele herdou a profissão da família.
O pai de Montezano tem o nome imortalizado no monumento de Evita. Foi o responsável por construir o túmulo da família Duarte, onde ela está, nos anos 50.
Também dificulta a venda achar quem esteja disposto a pagar US$ 300 mil pelo espaço no cemitério, valor de um apartamento de três quartos logo ali do lado, no bairro da Recoleta, ou mesmo em Palermo, uma das áreas mais verdes e valorizadas de Buenos Aires.
No cemitério da Recoleta, é possível achar um túmulo da mesma dimensão do ofertado por Dámian entre US$ 30 mil e US$ 40 mil.
O valor não é calculado por metro quadrado, mas por lote, que varia entre US$ 12 mil e US$ 15 mil. Em um lote é possível acomodar até oito corpos.

PRIVACIDADE
Um dos mausoléus mais caros já vendidos em Recoleta, quase uma minicatedral negociada há sete anos, custou US$ 150 mil. Quem intermediou a venda foi Cacho Gay, 65, há 50 atuando, como diz, na "venda de imóveis" para mortos.
"Além do valor, totalmente irreal, é muito difícil vender um mausoléu na rua de Evita. As pessoas querem privacidade no cemitério, e esse é um local muito visitado, não sobra uma flor em pé", diz Cacho Gay.
Dámian afirma que já foi procurado por pessoas interessadas, mas nenhuma negociação avançou até o momento. Sobre o valor, ele comenta apenas que pode ser "negociável".
Inaugurado em 1822, o cemitério da Recoleta é referência mundial em arte funerária. Tem, ao todo, 4.700 túmulos, que em sua maior parte abrigam ilustres nomes da história política e cultural do país. Anualmente, só por vivos, são cerca de 700 mil visitas.

Cadáver passou por périplo até ser enterrado

DE BUENOS AIRES

Evita Perón já era um mito na Argentina antes de morrer prematuramente de um câncer, aos 33 anos, em julho de 1952.
Artista pobre do rádio, ela mudou de vida após conhecer o general Juan Domingo Perón em 1944. Com a ascensão de Perón ao poder, surgiu a "benfeitora dos humildes e chefe espiritual de uma nação".
Com suas várias atividades sociais, Evita conseguiu um poder quase divino. A devoção só aumentou com sua doença e morte, quando começa a segunda fase de seu mito.
Por decisão do marido, o corpo foi embalsamado e exposto num velório que durou duas semanas.
Após um golpe que derrubou Perón, em 1955, o corpo de Evita foi sequestrado. Era forma de evitar que o túmulo se tornasse local de peregrinação.
O corpo foi então transportado para a Itália e depois Espanha. Só voltou para a Argentina nos anos 70, quando finalmente foi enterrado na Recoleta - mas há dúvidas sobre sua autenticidade.

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