segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A ascensão do fascismo nos EUA

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A ascensão do fascismo nos Estados Unidos

Do Viomundo antigo - Atualizado em 11/10/2009 | Publicado em 07/09/2009

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Obama, na versão apocalíptica: Socialista, autoritário, Grande Irmão
e presidente ilegítimo (nasceu na África)

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?

Por Sara Robinson, no Blog For Our Future

Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Chegamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?
E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. “Bem… estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá”.
Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de “fascismos” do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais — um, em particular — em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.
E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvele os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer — ou mesmo manter o território.
O que é fascismo?
A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, “todo mundo é o fascista de alguém”. Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:
Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio”.
Em outro lugar, ele refina o termo como uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa”.
Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência
Do proto-fascismo ao momento-chave
De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós — e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.
No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.
O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio — ou no próximo.
Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do “Despertar nos Estados Unidos” [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.
Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.
Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.
Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.
A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os “squadristi” italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.
Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio “depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima”.
Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: “Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes”.
E, mais perigosamente: “A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar”.
Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua “base dura”, dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.
Quanto esta aliança “não santa” é feita, o terceiro estágio — a transição para um governo abertamente fascista — começa.
O terceiro estágio: chegando lá
Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de “fascismo” porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves — algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.
Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].
Site da FreedomWorks
Site do Americans For Prosperity
[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores  protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]
Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] — o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer — sendo ratificada por congressistas republicanos.
Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democráticoe as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].
Um dos protestos aparece aqui
Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por “um longo e quente agosto para os democratas no Congresso”.
Este é o sinal pelo qual estávamos esperando o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.
Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.
O ponto decisivo
De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivoe o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática — aumentada e aperfeiçoada a cada uso — contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes. (Este artigo foi escrito há quase 2 anos e mostra-se visionário: Há poucas semanas vimos uma deputada democrata ser baleada. O Tea Party havia feito propaganda política nos quais ela era uma das debutadas que aparecia atrás da mira de um fuzil (Ivan))
Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:
1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?
2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?
3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?
Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura — os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa — então será muito tarde para enfrentá-lo”.
Paxton (que anteviu que “um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros”) concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista — como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] — pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.
O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora — igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.
Paxton caracteriza o estágio cinco como “radicalização ou entropia”. Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).
É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva — mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.
Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.
Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.
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http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/cassio-muniz-um-testemunho-sobre-o-que-se-passa-em-wisconsin.html

21 de fevereiro de 2011 às 11:01

Uma batalha decisiva em Wisconsin

Por Cássio Muniz*

Os protestos trabalhistas no estado norte-americano de Wisconsin são uma reação à política de contenção fiscal do governo republicano local cujas implicações vão além do cunho orçamentário, invadem a esfera das conquistas trabalhistas e comprometem a própria existência das organizações sindicais. Embora os resultados imediatos de tal política indiquem um alívio nas contas públicas, os resultados mediatos implicam desequilíbrio na correlação política de forças com o enfraquecimento do movimento sindical e consequente repercussão nas eleições presidenciais norte-americanas em detrimento dos democratas.
A recessão norte-americana afetou as contas públicas dos seus estados federativos que têm tentado equacioná-las com aumento de impostos e corte de gastos (a primazia de um ou do outro depende do viés político do governo). Entre as categorias mais afetadas pelas políticas fiscais estão os funcionários públicos que, como alternativa a possíveis demissões, tiveram que aceitar férias não remuneradas. Concomitantemente, a persistência desta mesma recessão ao longo da administração democrata criou profunda insatisfação no eleitorado americano. Como consequência destes eventos, os eleitores, sobretudo os independentes, manifestaram descontentamento votando contra incumbentes democratas durante as últimas eleições congressuais e estaduais.
Nos estados onde a força eleitoral dos democratas e republicanos é equilibrada (“swing states”), e onde os democratas estavam governando, a reação dos eleitores conduziu os republicanos ao poder. O melhor exemplo desta reviravolta é o “rust belt” estado de Wisconsin, que é considerado um dos berços do sindicalismo americano. Nas últimas eleições os democratas perderam o poder executivo, o controle das duas câmaras estaduais e um dos dois assentos no Senado Federal quando um dos senadores mais progressistas do país, Russ Feingold (único a votar contra o Patriot Act), foi derrotado. O governador republicano recém eleito, Scott Walker, alegando razões orçamentárias, em seu primeiro ato administrativo, enviou projeto que aumenta a contribuição do funcionalismo público estadual para as suas pensões e planos de saúde.
No mesmo projeto, Walker também propõe a extinção do direito de barganha das organizações sindicais estaduais, proíbe o recolhimento das contribuições sindicais e indexa o aumento salarial à inflação condicionando aumentos superiores à aprovação por meio de plebiscito. São estas últimas medidas que merecem atenção e as consequências de sua aprovação representam um divisor de águas na política norte-americana.
Os desdobramentos do 11 de Setembro de 2001 ofereceram uma oportunidade legitimadora para a controversa eleição do republicano Geroge W. Bush. Tal evento não só uniu os norte-americanos em apoio ao seu novo presidente, mas também ofereceu a possibilidade de ampliação do programa ideológico republicano baseado na expansão do poder do executivo em detrimento do poder do legislativo com vistas a uma maior flexibilidade na aplicação da real politik.
A investida republicana resultou na extensão dos poderes do executivo por meio de decretos presidenciais e também do “Patriot Act” como ferramenta para combate ao terrorismo. No plano institucional os republicanos também avançaram a sua agenda por meio de agressiva estratégia política de redesenho de distritos eleitorais. Este foi o caso do estado do Texas em 2003 quando o republicano e também líder da maioria, Tom Delay, aproveitando-se da vantagem numérica do seu partido na câmara estadual, usou o seu poder nacional para redesenhar os distritos eleitorais de modo a aumentar, por meio de engenharias eleitorais, a vantagem dos republicanos. (Uma "engenharia eleitoral" que está sendo pretendida peloa direita aqui no Brasil é o voto distrital. Fiquemos atentos! Nada de cairmos nesta armadilha cuja ponta-de-lança já está bem transparente no tucanato(Ivan))

A investida foi bem bem-sucedida, embora a Corte Suprema, tenha revertido mais tarde o desenho de um dos distritos por flagrante violação da legislação eleitoral que previne a fragmentação de eleitorados homogêneos. No ano passado, o próprio Delay foi condenado a três anos de prisão por lavagem de dinheiro em função da transferência de recursos financeiros para a eleição dos mesmos deputados estaduais que redesenhariam os distritos eleitorais no Texas.
O fim do legado de George W. Bush, em meio a uma das maiores crises econômicas da história dos EUA, resultou no retorno dos democratas ao poder por meio da eleição de Barack Obama. A qualidade dos debates da campanha já havia amalgamado uma ala extrema do Partido Republicano desde a reeleição de Bush contra John Kerry. Esta tendência extremista foi exponenciada durante a campanha vencedora do Obama. A administração deste, não obstante, não tem sido capaz de reverter os efeitos deletérios resultantes da crise econômica e, como resultado, há uma crescente insatisfação do eleitorado. Logo após as eleições presidenciais que conduziram Obama à Casa Branca percebe-se um esforço de segmentos conservadores em redefinir o legado do Partido Republicano.
Para tanto a imagem do ex-presidente Ronald Reagan, que este mês completaria o seu centenário, tem sido reiterada principalmente pela sua política externa agressiva, especialmente em relação a União Soviética e seu ocaso, e também por suas retóricas relacionadas à diminuição do tamanho do Estado, que de fato aumentou durante sua presidência, e aos ataques relativos ao estado de bem-estar social (“welfare queens”), que efetivamente diminuiu durante o seu termo.
Amalga desta corrente revivificadora é o chamado “Tea Party Movement”, que embora se defina independente é, de fato, uma facção extrema do Partido Republicano. Esta organização capitalizou tanto o descontentamento de eleitores republicanos radicais que desaprovam o que percebem ser um movimento do seu partido para o centro, quanto o descontentamento de eleitores independentes que, insatisfeitos com a política econômica da atual administração democrata, votaram em candidatos republicanos.
É este contexto que torna os desdobramentos políticos ora em curso no estado de Wisconsin cruciais para os rumos eleitorais imediatos e políticos mediatos nos EUA. A passagem da medida proposta pelo governador republicano não apenas reduziria o déficit fiscal mas também diminuiria consideravelmente o poder do movimento sindical que é um dos maiores pilares de sustentação do Partido Democrata. O estado do Wisconsin tem votado majoritariamente no Partido Democrata desde 1988 mas a vantagem deste partido é marginal e por isso o estado é considerado um dos principais campos de batalha nas eleições presidenciais, além de deter valiosos 10 votos no colégio eleitoral.
Não obstante, outros estados também governados por republicanos como Ohio, Michigan, Iowa e Indiana, estão propondo legislações semelhantes em ressonância à iniciativa de Wisconsin. Em reação à medida proposta pelo governador Walker, os servidores públicos estaduais organizam, durante o rigoroso inverno, marchas que já somam cerca de 70 mil manifestantes na capital, Madison. Durante os protestos ouvem-se várias referências ao movimento democrático no Egito como também associações entre o governador Walker e o ditador deposto Hosni Mubarak.
Partidários do governador, em números menos expressivos, também manifestam apoio à aprovação da medida. Ademais, políticos e representantes sindicalistas de envergadura nacional estão rumando para Wisconsin. O próprio presidente Brack Obama acusou o movimento do governador Walker como um ataque aos direitos trabalhistas.
No momento o legislativo está  impedido de votar porque a minoria parlamentar democrata abandonou o estado para derrubar o quorum. Esta estratégia fez-se necessária porque, pela legislação estadual, a polícia tem o poder de obrigar o parlamentar a retornar à câmara para retomar os trabalhos legislativos. (Seria uma maravilha uma lei desta aqui no Brasil)

Os parlamentares auto exilados no estado vizinho de Illinois indicaram que os servidores públicos aceitavam o aumento de suas contribuições para a pensão e para o plano de saúde desde que o governador retirasse a proposta de extinguir os direitos sindicais. O governador recusou a proposta afirmando que o poder de barganha dos sindicatos era a principal razão para os substantivos benefícios que o setor gozava.
Os olhos dos norte-americanos estão voltados para o estado de Wisconsin. O resultado deste embate político terá desdobramentos nacionais, tanto no que diz respeito às históricas conquistas trabalhistas, que já vem perdendo força com o processo de desindustrialização dos EUA, quanto para as próximas eleições presidenciais, uma vez que o movimento sindical representa um dos principais pilares de sustentação do Partido Democrata.
Pelo menos dois cenários políticos são plausíveis como consequência do embate em Wisconsin. Por um outro lado, há a possibilidade real de os republicanos aprovarem a medida restritiva, já que possuem maioria na câmara, e ganhar força no cenário nacional com a emulação por outros estados.
Por outro lado, é possível que os protestos cresçam e mobilizem uma reação às investidas republicanas com a reversão dos votos independentes que tem sido determinantes em estados onde a competição eleitoral é intensa. Assim como no Egito, só o tempo revelará o resultado dos desdobramentos políticos em Wisconsin mas seja lá qual forem eles, não se pode desprezar o poder da multidão, e esta tem crescido exponencialmente neste estado.

*Cássio Muniz é Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e Doutorando pela Universidade de Wisconsin-Milwaukee. Contato: muniz@uwm.edu

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