Onde estão a Prefeitura e o Governo de São Paulo que não intervêm pra preservar o interesse público?
Foto: AE
O Belas Artes em 1961, quando ainda se chamava Ritz
São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
ilustrada em cima da hora
Sem acordo sobre aluguel, Belas Artes fecha na próxima semana
GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Cine Belas Artes vai de fato fechar suas portas até o fim da próxima semana, segundo a administração do cinema paulistano, que fica na esquina da avenida Paulista com a avenida Consolação.
Flávio Maluf, proprietário do imóvel onde a sala funciona, não aceitou uma segunda proposta de aluguel do diretor André Sturm. Na segunda-feira, o locatário ofereceu R$ 85 mil mensais como última tentativa de negociação. Para Maluf, o valor de mercado é de R$ 150 mil por mês.
Segundo Sturm, a última sessão está programada para quinta, dia 24. Uma mostra está sendo pensada para a despedida.
Abalado com a notícia, o diretor apenas reiterou a perda do endereço onde o Belas Artes funciona desde 1943. "Não aceitaram a proposta, querem o cinema de volta, então vamos ter mesmo que fechar", disse.
A notícia, no entanto, ainda não colocou um ponto final na mobilização pública iniciada em janeiro, logo após os proprietário pedirem, por notificação judicial, a devolução do edifício.
Segundo a assessoria da Secretaria Municipal de Cultura, o fechamento das seis salas, que recebem até 28 mil pessoas por mês, não tem efeito sobre o processo de tombamento do edifício, iniciado em 18 de janeiro.
A análise prossegue no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental. O prazo final é abril.
"O fechamento é uma perda social e política irreparável para a cidade de São Paulo", disse o urbanista Nabil Bonduki, que organizou debate sobre o Belas Artes na noite de ontem.
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Foto: Paulo Gadioli
São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
NABIL BONDUKI
A mobilização que a notícia do fechamento do Belas Artes gerou fala por si só: o cinema é um patrimônio da cidade de São Paulo.
Seu desaparecimento seria a perda de um pedaço de nossas vidas e criará uma lacuna que São Paulo, tão desprovida de memória e de lugares significativos, não pode deixar acontecer. Milhares de paulistanos estão contra esse crime porque se sentem ligados ao local, uma referência cultural e urbana.
Não se trata de preservar a arquitetura do edifício, mas seu uso, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem protegidos.
A noção de patrimônio mudou muito desde que o Estado Novo, por meio do decreto-lei nº 25/1937, criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e instituiu o tombamento. Na época, prevaleceu uma visão restrita, voltada para os bens com valor arquitetônico e artístico, chamada de "patrimônio de pedra e cal".
Nessa concepção, os critérios utilizados para a seleção dos bens a serem protegidos eram os de caráter estético-estilísticos, excepcionalidade e autenticidade, valorizando a arquitetura tradicional luso-brasileira, geralmente edifícios isolados, produzida no período colonial.
O foco era a criação de uma identidade para fortalecer a construção do Estado nacional.
A partir dos anos 1970, essa noção de patrimônio se alargou para abranger sítios urbanos, manifestações de outros períodos e origens culturais e para valorizar os espaços representativos da vida social e dos hábitos cotidianos da população. Em certas situações, esses podem ser mais relevantes que monumentos de valor arquitetônico.
Valorizando o contexto urbano e edifícios utilizados pela população, essa visão reserva à comunidade um papel ativo na identificação do patrimônio. O tombamento do cine Belas Artes está respaldado no Plano Diretor Estratégico (PDE), do qual fui relator e redator do substitutivo na Câmara Municipal de São Paulo (lei nº 13.540/ 2002). O PDE incorporou integralmente essa visão contemporânea de patrimônio.
Uma das diretrizes do seu capítulo de política de patrimônio histórico e cultural é "a preservação da identidade dos bairros, valorizando as características de sua história, sociedade e cultura" (artigo 89, inciso III); uma das ações propostas é a de "incentivar a participação e a gestão da comunidade na pesquisa, identificação, preservação e promoção do patrimônio histórico, cultural, ambiental e arqueológico" (artigo 90, inciso VII).
De modo coerente com o PDE, parcela relevante da comunidade paulistana identificou um bem que faz parte da identidade de um bairro, que é característico da história e da cultura da cidade, e se mobiliza para garantir sua preservação.
Não é uma questão nova: em 2003, ocorreu uma grande comoção, que impediu o fechamento do Belas Artes e do antigo Cinearte (atual cine Livraria Cultura). Como parte daquela luta, propus uma lei que permite aos cinemas de rua o pagamento do IPTU e do ISS com ingressos, a serem utilizados pela prefeitura em programas de inclusão cultural.
Aprovada a lei e passado o sufoco, erramos ao não propor proteção legal permanente para os cinemas.
Agora, não temos tempo a perder; em poucos dias, o Belas Artes poderá ser uma ruína. A Associação Paulista de Cineastas já pediu o tombamento, pedido que eu reforço por meio deste artigo.
O Departamento de Patrimônio Histórico deve elaborar um parecer técnico e o Compresp (conselho municipal do patrimônio histórico) deve convocar reunião extraordinária, antes do final de janeiro, para aprovar o tombamento e não deixar que essa nova catástrofe ocorra em São Paulo.
NABIL BONDUKI é arquiteto, professor de planejamento urbano na FAU-USP e primeiro suplente de vereador da bancada do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo. Foi vereador de São Paulo pelo PT (2001-2004) e relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal.
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