domingo, 27 de fevereiro de 2011

Minha casa é uma pintura

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São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

Galeria de grafites a céu aberto conta história de favelas no Rio dos tempos de quilombo aos dias de hoje

FELIPE CARUSO
DO RIO

As fachadas dos barracos dos morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, entre Copacabana e Ipanema, zona sul do Rio, viraram telas.
Do grafite, fez-se a linguagem para contar a história das favelas desde os tempos de quilombo, passando pelos imigrantes até os dias atuais, de comunidade pacificada, com 10 mil moradores.
A ideia de criar essa galeria de arte a céu aberto veio da ONG Museu de Favela.
A prática do presidente, Carlos Esquivel, 32, o Acme, grafiteiro nascido e criado no Pavão, uniu-se ao estudo da diretora de patrimônio da ONG, a jornalista e moradora do Cantagalo Rita de Cássia Pinto, que pesquisava a história das favelas, para criar o "Circuito das Casas-Telas".
Com recursos do Ministério da Cultura, 15 artistas de Rio, Paraíba, Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul e França pintaram 26 casas-telas.
O roteiro de 2.050 passos revela os quase 400 grafites de Acme e de seus amigos espalhados pelas favelas.
Por ser nas ruas, as casas-telas estão expostas à ação do tempo e das pessoas. As obras já têm riscos, rasuras e até relógios da Light.
"Isso é a evolução da arte. Os grafites interagem com a comunidade", diz Acme.
As visitas foram abertas neste mês e são feitas por agendamento no telefone 0/xx/21/2267-6374.


CONTO DE NATAL

Moradora não queria tragédia

DO RIO

A casa-tela devia retratar o deslizamento do Natal de 1984 no Pavão-Pavãozinho, quando um temporal fez a caixa d'água desabar, destruindo barracos e matando dezenas de pessoas.
Na via aberta pelo deslizamento, foi construído um plano inclinado.
A moradora, porém, não queria a tristeza da tragédia eternizada em sua fachada. Por isso, na imagem grafitada, uma família feliz está reunida na ceia de Natal, enquanto o elevador do plano inclinado sobe à janela.

ANACRONISMO

Moradora preferiu rosto de Brizola ao de Getúlio Vargas

DO RIO

Na casa-tela que retrata o início dos anos 1940, há a imagem de um lavrador com uma enxada sobre os ombros e um buquê de flores na mão, pedindo uma mulher em casamento.
Mais à frente, um homem cobra um cruzeiro de um idoso para subir as escadarias com os galões de água.
Ao dobrar a esquina surge o rosto de Leonel Brizola, que à época articulava a fundação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) no Rio Grande do Sul.
O anacronismo é porque a moradora não queria em sua fachada o rosto de outro gaúcho: Getúlio Vargas, que presidia o Estado Novo e fez as primeiras obras no morro.
"Brizola botou as escadas, as primeiras torneiras, visitava a comunidade e protegia o povo. Isso eles não esquecem", diz o grafiteiro Acme.

IMPROVISO

Religiosos reclamam, e mãe de santo se torna sambista

DO RIO

A escolha das casas que serviriam de tela seguiu dois critérios: o roteiro histórico e a vontade do morador. A moradora não viu problemas em pintar uma mãe de santo na fachada, representando a influência do candomblé na comunidade.
Quando o grafiteiro francês começou a pintar a personagem, mesmo sem entender português, percebeu reclamações sobre o trabalho.
A menos de 50 metros de uma igreja pentecostal, a casa virou alvo de reclamações de católicos, evangélicos e outros religiosos que passavam pelo local.
"As pessoas gostam de são Jorge, mas não entendem que é tudo uma mesma cultura", diz o grafiteiro Acme.
O desenho precisou ser substituído pela imagem de um sambista improvisado no meio do roteiro.

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