São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011
A praça Tahrir já não tem limites
CLÓVIS ROSSI
A REVOLTA NO mundo árabe/muçulmano disseminou-se de tal forma que a revista "The Economist", usualmente sóbria, não hesitou em colocar na roda até mesmo a Arábia Saudita, o bastião da ordem na região que se poderia chamar de Oriente Médio ampliado.
A revista elaborou um "índice de vulnerabilidade" e, de 1 a 10, cravou 7,3 como chances de que o país seja atingido pela onda de rebeliões, mais até do que a Líbia (6,7), que foi alcançada antes que o índice chegasse às bancas.
Não por acaso, o jornal preferido dos intelectuais palestinos, "Al-Ayyam", publica uma análise muito mais abrangente do que qualquer índice. Hassan Khader vai ao ponto de prever o início do fim do que se poderia batizar de "Ordem Saudita", imposta a partir dos choques do petróleo dos anos 70.
Como é essa "ordem"? Responde Khader: "Crentes contra infiéis, sunitas contra xiitas, muçulmanos contra cristãos. Tudo era engolido por uma luta entre absolutos religiosos emparedados no passado, que não deixava lugar para os partidos políticos, para os sindicatos ou outros engajamentos. No lugar deles, havia a figura do kamikaze, que se impunha como a última etapa da política rumo às esferas celestes".
Agora, prossegue o analista, a revolução tunisiana e a egípcia "fizeram a política descer de novo à Terra". Reconvertidos em cidadãos, os vassalos dizem "basta ao soberano, não porque ele seja pouco crente nem porque vendeu a Palestina, mas porque ele não lhes assegurou nem o pão nem a liberdade".
Essa mesma característica de fim de uma época é ressaltada por James Le Sueuer, professor de história da Universidade de Nebraska, em artigo para a "Foreign Affairs".
Mas Le Sueuer prefere ver nos eventos que se desdobram no mundo árabe/muçulmano o fim do que ele chama de "síndrome da desordem da era pós-colonial".
Significa que os autocratas do mundo árabe aderiam a uma filosofia de governo fora de moda, "de acordo com a qual o autoritarismo é a única cura para desafios políticos internos ou externos".
Também o filósofo argelino radicado na França Sami Naïr, em artigo para "El País", trata de uma nova ordem, caracterizada pela entrada em cena da juventude.
"Esta geração não pertence a nenhuma tradição, nacionalista árabe ou religiosa. Sua cultura política não é herdada do passado e, sim, provém mecanicamente da insuportável contradição entre a liberdade negada na vida cotidiana e a liberdade extrema de que os jovens desfrutam na internet, no Facebook, no twitter, nos SMS etc."
O que todos estão querendo dizer, no fundo, é que as categorias analíticas geralmente utilizadas para tratar do Oriente Médio tendem a ficar obsoletas, como sempre ocorre no momento em que uma dada era está morrendo e outra tenta nascer, a fórceps.
Afinal, os gritos por mudança atingem países pró-ocidentais (Egito, Bahrein), países de forte nacionalismo árabe (Líbia), de predomínio religioso e anti-Ocidente (Irã), razoavelmente laicos (Tunísia) - e têm sido, invariavelmente, contra os governantes locais, não contra potências estrangeiras.
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ONDA DE REVOLTAS
Ditadores reprimem atos com violência
Mazen Mahdi/Efe |
DE SÃO PAULO
Dia sagrado no mundo árabe, a sexta-feira teve protestos violentos em diversos cantos do Oriente Médio, gerando receio de problemas para o fluxo de petróleo.
No emirado do Bahrein, no golfo Pérsico, o Exército abriu fogo contra manifestantes na praça da Pérola, centro da capital, Manama, deixando ao menos 60 feridos. Os protestos são comandados pela maioria xiita, alinhada com o Irã, o que levou preocupação aos EUA, que baseiam ali sua frota para a região.
A desestabilização do Bahrein também leva ao temor de que a turbulência atinja a vizinha Arábia Saudita, segundo produtor mundial de petróleo.
Na Líbia, relatos dão conta de até 50 mortos em protestos contra o ditador Muammar Gaddafi. No Iêmen, houve três mortos, um deles numa explosão de granada. Também ocorreram atos na Jordânia e no Djibuti, pequeno membro da Liga Árabe na costa africana.
Mais um barco com refugiados da Tunísia chegou à ilha de Lampedusa, na Itália.
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ANÁLISE Governos lutam para reagir à onda de protestos na região
NEIL MCFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES"
Do norte da África ao golfo Pérsico, os governos parecem estar vacilando quanto à melhor maneira de reagir a protestos em geral pacíficos que se espalham erraticamente como lava irrompendo de um vulcão e sem que haja um fim previsível.
Os protestos engolfaram meia dúzia de países do Oriente Médio na última quarta-feira, com dezenas de milhares de pessoas saindo às ruas no Bahrein, no Iêmen, no Egito e no Irã.
Mesmo na fortemente policiada Líbia, bolsões de dissensão emergiram na praça principal de Benghazi, com o povo apelando pelo final dos 41 anos de domínio de Muammar Gaddafi. O Iraque, acostumado a conflitos sectários, se viu diante de uma novidade: protestos ferozes na cidade de Kut, no leste, contra o desemprego, os problemas no abastecimento de eletricidade e a corrupção do governo.
A inquietação foi inspirada em parte por queixas específicas de cada país, mas muitos manifestantes exibem a confiança recém-descoberta depois dos acontecimentos no Egito e Tunísia. Por um lado, cada protesto foi inspirado por grupo distinto de questões nacionais: pobreza extremada e desemprego, diferenças étnicas e religiosas, governo por minoria, corrupção ou questões de status econômico.
Mas também há a sensação onipresente de que o sistema compartilhado de mau governo por um partido, família ou grupo de oficiais das Forças Armadas, com apoio de serviços secretos brutais, está a ponto de desabar.
Uma nova geração notificou às autoridades que o contrato social imposto nas décadas posteriores à independência e à Segunda Guerra Mundial já não vigora. A maior parte dos governantes vive há muito isolada do povo e cercada por um grupo estreito de assessores e de dirigentes de forças de segurança, diz Sawsan al-Shaer, colunista do Bahrein.
E por isso acredita na interpretação de que os protestos são obra de apenas uns poucos jovens, que terminarão por se cansar de gritar.
A crescente população da região de cerca de 5.000 km que se estende de Teerã a Tânger, no Marrocos, mudou demais, acreditam os analistas, para que os velhos sistemas continuem a funcionar.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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IRÃ
Teerã passa 2 navios de guerra no canal de Suez
O Egito aceitou ontem que dois navios de guerra do iranianos passassem pelo canal de Suez, mesmo após Israel ter dito que a travessia seria uma "provocação". Segundo um diplomata iraniano, uma fragata e um navio com suprimentos estão indo para a Síria. Acredita-se que é a primeira vez desde a Revolução de 1979 que navios de guerra do Irã tentam passar por Suez, que liga o mar Vermelho ao mar Mediterrâneo.
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