Montbläat 380
A PROCURADORA E A EMPREGADA
Ruth de Aquino (*)
Era uma noite de segunda-feira. Há um mês, a procuradora do Trabalho Ana Luiza Fabero fechou um ônibus, entrou na contramão numa rua de Ipanema, no Rio de Janeiro, atropelou e imprensou numa árvore a empregada doméstica Lucimar Andrade Ribeiro, de 27 anos. Não socorreu a vítima, não soprou no bafômetro. Apesar da clara embriaguez, não foi indiciada nem multada. Riu para as câmeras. Ilesa, ela está em licença médica. A empregada, com costelas quebradas e dentes afundados, voltou a fazer faxina.
Na hora do atropelamento, Ana Luiza tinha uma garrafa de vinho dentro da bolsa. Em vez de sair do carro, acelerava cada vez mais, imprensando Lucimar. Uma testemunha precisou abrir o carro para que Ana Luiza saísse, trôpega, como mostrou o vídeo de um cinegrafista amador. Rindo, Ana Luiza disse, para justificar a barbeiragem: “Tenho 10 graus de miopia, não enxergo nada”. E, sem noção, tentou tirar os óculos do rosto de um rapaz.
A doutora fez caras e bocas na delegacia do Leblon. Fez ginástica também, curvando e erguendo a coluna. Dali, saiu livre e cambaleante para sua casa, usando um privilégio previsto em lei: um procurador não pode ser indiciado em inquérito policial. Não precisa depor. Não pode ser preso em flagrante delito. Não tem de pagar fiança. A mesma lei exige, porém, de procuradores um “comportamento exemplar” na vida.
Se Ana Luiza dirigia bêbada, precisa ser afastada. Se estava sóbria, também, pela falta de decoro. Foi aberta uma investigação disciplinar e penal contra ela em Brasília, no Ministério Público Federal. Levará cerca de 120 dias. Enquanto seus colegas juízes a julgam, Ana Luiza Fabero está em “férias premiadas” no verão carioca. Ela não respondeu a vários e-mails e a assessoria de imprensa da Procuradoria informou que o procurador-chefe não falaria nada sobre o assunto porque “o processo está em Brasília”.
Lucimar está traumatizada, com medo de se expor, porque a atropeladora tem poder. Não procurou um advogado. Nasceu na Paraíba e acha que nunca vai ganhar uma ação contra uma procuradora do Trabalho. Lucimar recebe R$ 700 por mês, trabalha em casa de família, tem um filho de 6 anos e é casada com Aurélio Ferreira dos Santos, porteiro, de 28 anos. Aurélio me contou como Lucimar vive desde 10 de janeiro, quando foi atropelada na calçada ao sair do trabalho: “Minha mulher anda na rua completamente assustada e traumatizada. Estou tentando ver um psicólogo, porque ela não dorme direito, acorda toda hora com dor. É difícil até para ela comer, porque os dentes entraram, a boca afundou. Estamos pagando tudo do nosso bolso, particular mesmo, porque no hospital público tem muita fila”.
A atropelada, traumatizada, nem procurou advogado. Acha que nunca ganharia uma ação contra a doutora Lucimar, quebrou duas costelas, o joelho ficou bastante machucado, o rosto ficou “todo deformado e inchado”, segundo o marido. Ela tirou uma licença médica de dez dias, mas foi insuficiente. Recomeçou a trabalhar há duas semanas, ainda com muitas dores.
O encontro entre a procuradora e a empregada é uma fábula de nossa sociedade desigual. A história sumiu logo da imprensa. As enchentes de janeiro na serra fluminense fizeram submergir esse caso particular e escabroso. Um mês seria tempo suficiente para Ana Luiza Fabero ao menos telefonar para a moça que atropelou, desculpando-se e oferecendo ajuda. Nada. Além de falta de juízo, ela demonstrou frieza e egoísmo. Vive na certeza da impunidade.
“Somos um país de senhoritos, não carregamos nem mala”, diz o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro Fé em Deus e pé na tábua. DaMatta associa a violência no trânsito brasileiro a nossa desigualdade. Usamos o carro como instrumento de poder e dominação social, um símbolo do “sabe com quem você está falando?”. “Dirigir um carro é na verdade uma concessão especial, porque a rua é do pedestre”, diz DaMatta. Mas nós desrespeitamos o espaço público. “No caso da procuradora e da empregada, juntamos uma pessoa anônima com uma impunível”, afirma. O Estado é usado para fortalecer o personalismo, a leniência e para isentar as pessoas de responsabilidade física. Em sociedades como a nossa, onde uns poucos têm muitos direitos e a grande massa muitos deveres, Lucimar nem sabe que pode e deve lutar.
(*) Jornalista, publicado originalmente na revista Época
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Coisas estranhas
O Juiz João Carlos de Souza Correa deu voz de prisão a uma agente de trânsito ao ser parado numa biltz da operação Lei Seca. O Juiz estava sóbrio, mas dirigia um carro sem placas e não estava com a carteira de motorista. Ao ver a nota fiscal do carro, a agente Luciana Correa constatou que o carro havia sido comprado há mais de 15 dias e lembrou ao juiz que ele não poderia estar circulando sem placa e deveria ser rebocado.
O juiz respondeu que não conhecia a lei. A agente então perguntou: “O senhor é
juiz e alega desconhecer a lei?” Foi então que o “magistrado” deu voz de prisão à policial por desacato.
Três coisas:
Primeira: O desacato. Não houve desacato, mas uma pergunta pertinente e
o juiz extrapolou, já que um princípio jurídico afirma que o desconhecimento da lei não justifica o malfeito e isso se vale para mim e você deve valer muito mais para quem tem a missão de aplicar a lei.
Segunda. O desacato é uma figura que só existe em países como o nosso, onde vigora a regra do “você sabe com que está falando?”. Nos EUA, xinga-se um policial ou uma autoridade e desde que não se encoste a mão pode-se insultar à vontade. Desacato é não obedecer a uma ordem justificada (judicial, por exemplo), não tem nada a ver com chamar a atenção da “autoridade” (um direito).
Terceira: O que estranho ainda mais é a possibilidade de comprar um carro novo e circular durante 15 dias sem qualquer placa. Antigamente pelo menos punham um papel nos vidros para identificar o veículo enquanto a placa não era colocada. Com a impunidade vigente entre nós, o que acontecerá se um carro sem placas atropelar alguém? Como identificá-lo?
PS – O tal juiz já foi objeto de investigação do Conselho Nacional de Justiça devido a sentenças polêmicas sobre disputas fundiárias em Búzios, onde trabalha. Hummmm...
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São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Desembargador do TO encomenda rito de magia negra contra colegas
DE SÃO PAULO - O desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal de Justiça do Tocantins, encomendou um ritual de magia negra contra colegas e ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A informação consta em um relatório do ministro do STJ João Otávio de Noronha, relator de um caso sobre venda de sentenças no Estado.
Em um e-mail interceptado pela Polícia Federal, Póvoa pede a uma pessoa, identificada como Reinaldo, que "cerque" quatro desembargadores do Tocantins e cinco ministros do STJ que atuavam no caso.
No e-mail, Póvoa diz que os desembargadores podem "estar armando contra".
Na mensagem, o desembargador cita o nome completo e data de nascimento de todos os envolvidos. "Se houver alguma despesa, pode fazer, pois é muito importante eu "fechar o corpo'", diz o texto.
Quem cita a expressão "magia negra" é o próprio relatório do ministro do STJ. O documento não diz quando a mensagem foi enviada.
O delegado da PF Ronaldo Guilherme Campos diz que o e-mail mostra que o magistrado sabia da investigação.
Póvoa está temporariamente afastado desde dezembro. Ele é suspeito de participar de um esquema de venda de sentenças e manipulação na autorização de pagamentos de precatórios, em valores que chegavam a R$ 100 milhões.
Ele proibiu a veiculação de notícias em veículos de comunicação durante as eleições.
Póvoa disse que não comentaria o caso porque a ação corre em segredo de Justiça.
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