O chocolate estragado de João Doria
Por Paulo Moreira Leite
Ao dizer a jornalista Monica Bergamo que pretende levar chocolates
para Lula na prisão da Lava Jato, o novo prefeito de São Paulo, João
Doria, produziu um desastre político.
Demonstrou um exibicionismo que repete o comportamento absurdo
do Ministro da Justiça, Alexandre Moraes, que antecipou a prisão de
Antonio Palocci.
Também apresentou um traço atrasado de formação política. Sua ironia risonha reproduz, com três séculos de atraso, o barbarismo da população que no século XVIII comparecia a cenas de execução e tortura de prisioneiros, em praça pública, para pedir mais sangue ao carrasco. Em nossa época, esse comportamento integra os mais condenáveis movimentos políticos, anteriores a aceitação da convenção dos direitos humanos, base universal da resistência a todas as formas tirânicas de governo.
No Brasil, país onde a separação entre poderes é cláusula pétrea da Constituição, não cabe a um prefeito especular sobre decisões - de gravidade reconhecida - que estão nas mãos da Justiça, que deve examinar cada acusação e cada denúncia com isenção e serenidade.
Pela sua postura, Doria só contribuiu para jogar água no moinho de quem critica a Lava Jato como uma operação seletiva, que não se empenha em apurar denuncias contra colegas de seu partido, o PSDB, com o mesmo cuidado dispensado ao Partido dos Trabalhadores.
É curioso notar que o novo prefeito tenha se manifestado num momento em que a Lava Jato encontra-se em situação particular. Reportagem de Bela Megale, na Folha de S. Paulo, revela que a Polícia Federal está cogitando suspender as delações premiadas. O argumento é que elas criam uma “sensação de impunidade” junto a população, na medida em que facilitam a soltura de criminosos depois que os acordos são fechados.
A diferença entre a Lava Jato e as demais investigações sobre corrupção política, inclusive a AP 470, consiste na prisão preventiva, primeiro passo para as delações premiadas.
É ali, no silêncio terrível de uma cela, que a operação negocia uma garantia constitucional – a liberdade, direito de toda pessoa que não tenha sido condenada – em troca de informações. Foi dessa forma que nasceram as delações premiadas, 66 até agora. O sujeito não aguenta a solidão, a incerteza sobre seu futuro, pressão da família, a dor no olhar dos filhos, a vergonha evidente no rosto de tantas pessoas queridas – e fala.
É bizantino perguntar se estamos falando de tortura. Claro que é – como sabe toda pessoa que conhece rudimentos de psicologia. Emoção machuca, e muito. O medo produz marcas doloridas, traumas incuráveis – ainda que sejam invisíveis.
Na época superada da evolução humana em que o castigo físico de crianças eram tolerado e autorizado, castigadas e punidas com severidade, uma das alternativas às punições tradicionais – as terríveis surras de cinto, as chineladas – era o quarto escuro, trancado à chave. Que nome dar a isso?
Também apresentou um traço atrasado de formação política. Sua ironia risonha reproduz, com três séculos de atraso, o barbarismo da população que no século XVIII comparecia a cenas de execução e tortura de prisioneiros, em praça pública, para pedir mais sangue ao carrasco. Em nossa época, esse comportamento integra os mais condenáveis movimentos políticos, anteriores a aceitação da convenção dos direitos humanos, base universal da resistência a todas as formas tirânicas de governo.
No Brasil, país onde a separação entre poderes é cláusula pétrea da Constituição, não cabe a um prefeito especular sobre decisões - de gravidade reconhecida - que estão nas mãos da Justiça, que deve examinar cada acusação e cada denúncia com isenção e serenidade.
Pela sua postura, Doria só contribuiu para jogar água no moinho de quem critica a Lava Jato como uma operação seletiva, que não se empenha em apurar denuncias contra colegas de seu partido, o PSDB, com o mesmo cuidado dispensado ao Partido dos Trabalhadores.
É curioso notar que o novo prefeito tenha se manifestado num momento em que a Lava Jato encontra-se em situação particular. Reportagem de Bela Megale, na Folha de S. Paulo, revela que a Polícia Federal está cogitando suspender as delações premiadas. O argumento é que elas criam uma “sensação de impunidade” junto a população, na medida em que facilitam a soltura de criminosos depois que os acordos são fechados.
A diferença entre a Lava Jato e as demais investigações sobre corrupção política, inclusive a AP 470, consiste na prisão preventiva, primeiro passo para as delações premiadas.
É ali, no silêncio terrível de uma cela, que a operação negocia uma garantia constitucional – a liberdade, direito de toda pessoa que não tenha sido condenada – em troca de informações. Foi dessa forma que nasceram as delações premiadas, 66 até agora. O sujeito não aguenta a solidão, a incerteza sobre seu futuro, pressão da família, a dor no olhar dos filhos, a vergonha evidente no rosto de tantas pessoas queridas – e fala.
É bizantino perguntar se estamos falando de tortura. Claro que é – como sabe toda pessoa que conhece rudimentos de psicologia. Emoção machuca, e muito. O medo produz marcas doloridas, traumas incuráveis – ainda que sejam invisíveis.
Na época superada da evolução humana em que o castigo físico de crianças eram tolerado e autorizado, castigadas e punidas com severidade, uma das alternativas às punições tradicionais – as terríveis surras de cinto, as chineladas – era o quarto escuro, trancado à chave. Que nome dar a isso?
Não foi assim, conforme seu relato que, numa cela sem luz, que o senador Delcídio do Amaral, começou a falar?
Cronologicamente, essa preocupação com a "sensação de impunidade" surgiu depois que se revelou que, na mesma representação da Polícia Federal que trouxe os diálogos e mensagens que levaram a Antônio Palocci à carceragem da PF em Curitiba, onde é mantido na prisão por tempo indeterminado, pode-se encontrar uma exaustiva quantidade de indícios comprometedores sobre a cúpula do PSDB paulista, no período dos governos de José Serra, adversário interno de João Dória, e Geraldo Alckmin, seu maior aliado.
Mergulhados em tratativas da Odebrecht, uma das principais responsáveis pelo metrô paulista, vários personagens chamam a atenção pelos apelidos, pelo volume dos recursos recebidos, pelo desembaraço. Da mesma forma que a Polícia Federal acredita ter identificado Palocci nos indícios que apontam para um certo “Italiano”, temos ali, nas tratativas sobre o PSDB, caminho que podem levar a um certo “Santo”, ao “Careca”, e outros personagens tratados por apelidos, em negociações que envolvem, basicamente, duas linhas do metrô de São Paulo. A conversa diz respeito a reajustes e pagamentos clandestinos.
Pergunto: vamos saber quem são? O que disseram? Um dia eles vão aparecer na TV, algemados, mão nas costas, com aquele ar de quem não está entendendo mais nada?
Vamos saber quem reage com frieza, quem se apavora? Podemos sentir pena, raiva? Seremos tentados, discretamente, a visitar as famílias?
Dificilmente. Por que? Desde o mensalão PSDB-MG é errado imaginar um tratamento igual para crimes semelhantes e até idênticos. José Serra e Aécio Neves já foram citados em delações premiadas da OAS e da Ocbrecht. "Citado não é investigado," lembrou João Dória, na mesma entrevista. Tecnicamente, a distinção é correta.
Mas o errado é não investigar.
Por minhas convicções democráticas, sou contrário ao uso da prisão preventiva como método de investigação. Acho que ela é um recurso extremo, que equivale a antecipar a pena antes da condenação, implicando em tolher direitos fundamentais de toda pessoa. Não pode ser instrumento para se forçar uma delação premiada, que só tem valor quando voluntária e espontânea.
A “sensação de impunidade” vem daí, quando é possível concluir que há um tratamento diferenciado entre suspeitos do mesmo crime. Dias antes da prisão de Guido Mantega na porta de um hospital, a Justiça se mostrava incapaz de entregar uma notificação a Pimenta da Veiga, ex-ministro de FHC, pela falta de um endereço correto. Em 2003, Pimenta recebeu quatro cheques de Marcos Valério em sua conta bancária e até agora a Justiça não lhe deu uma sentença por isso.
Embora a repórter Julia Duailibi já tenha exposto o espírito anti Lula e anti petista da equipe de delegados que dirige a Lava Jato, numa agressividade que não permite dúvidas, estamos falando de algo maior do que uma opinião política.
É uma espécie de tabu, uma força invencível, um limite cultural, imposto e internalizado na formação de todos os brasileiros por uma hierarquia social sólida como poucas no mundo. Estamos falando de uma engrenagem em perpétuo movimento para se reproduzir através de gerações e preservar privilégios e vantagens acumuladas ao longo da história – como se viu no domingo, num massacre de classe através de uma disputa eleitoral, no mais recente lance de um esforço para recompor a velha ordem levemente arranhada na última década e meia. O objetivo é mostrar que ninguém, em especial os mais pobres, aqueles que têm menos direitos, pode esquecer quem é que manda de verdade, ao contrário do que muitas pessoas puderam imaginar depois que um certo líder metalúrgico entrou no Planalto pela porta da frente.
Cronologicamente, essa preocupação com a "sensação de impunidade" surgiu depois que se revelou que, na mesma representação da Polícia Federal que trouxe os diálogos e mensagens que levaram a Antônio Palocci à carceragem da PF em Curitiba, onde é mantido na prisão por tempo indeterminado, pode-se encontrar uma exaustiva quantidade de indícios comprometedores sobre a cúpula do PSDB paulista, no período dos governos de José Serra, adversário interno de João Dória, e Geraldo Alckmin, seu maior aliado.
Mergulhados em tratativas da Odebrecht, uma das principais responsáveis pelo metrô paulista, vários personagens chamam a atenção pelos apelidos, pelo volume dos recursos recebidos, pelo desembaraço. Da mesma forma que a Polícia Federal acredita ter identificado Palocci nos indícios que apontam para um certo “Italiano”, temos ali, nas tratativas sobre o PSDB, caminho que podem levar a um certo “Santo”, ao “Careca”, e outros personagens tratados por apelidos, em negociações que envolvem, basicamente, duas linhas do metrô de São Paulo. A conversa diz respeito a reajustes e pagamentos clandestinos.
Pergunto: vamos saber quem são? O que disseram? Um dia eles vão aparecer na TV, algemados, mão nas costas, com aquele ar de quem não está entendendo mais nada?
Vamos saber quem reage com frieza, quem se apavora? Podemos sentir pena, raiva? Seremos tentados, discretamente, a visitar as famílias?
Dificilmente. Por que? Desde o mensalão PSDB-MG é errado imaginar um tratamento igual para crimes semelhantes e até idênticos. José Serra e Aécio Neves já foram citados em delações premiadas da OAS e da Ocbrecht. "Citado não é investigado," lembrou João Dória, na mesma entrevista. Tecnicamente, a distinção é correta.
Mas o errado é não investigar.
Por minhas convicções democráticas, sou contrário ao uso da prisão preventiva como método de investigação. Acho que ela é um recurso extremo, que equivale a antecipar a pena antes da condenação, implicando em tolher direitos fundamentais de toda pessoa. Não pode ser instrumento para se forçar uma delação premiada, que só tem valor quando voluntária e espontânea.
A “sensação de impunidade” vem daí, quando é possível concluir que há um tratamento diferenciado entre suspeitos do mesmo crime. Dias antes da prisão de Guido Mantega na porta de um hospital, a Justiça se mostrava incapaz de entregar uma notificação a Pimenta da Veiga, ex-ministro de FHC, pela falta de um endereço correto. Em 2003, Pimenta recebeu quatro cheques de Marcos Valério em sua conta bancária e até agora a Justiça não lhe deu uma sentença por isso.
Embora a repórter Julia Duailibi já tenha exposto o espírito anti Lula e anti petista da equipe de delegados que dirige a Lava Jato, numa agressividade que não permite dúvidas, estamos falando de algo maior do que uma opinião política.
É uma espécie de tabu, uma força invencível, um limite cultural, imposto e internalizado na formação de todos os brasileiros por uma hierarquia social sólida como poucas no mundo. Estamos falando de uma engrenagem em perpétuo movimento para se reproduzir através de gerações e preservar privilégios e vantagens acumuladas ao longo da história – como se viu no domingo, num massacre de classe através de uma disputa eleitoral, no mais recente lance de um esforço para recompor a velha ordem levemente arranhada na última década e meia. O objetivo é mostrar que ninguém, em especial os mais pobres, aqueles que têm menos direitos, pode esquecer quem é que manda de verdade, ao contrário do que muitas pessoas puderam imaginar depois que um certo líder metalúrgico entrou no Planalto pela porta da frente.
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