Carta Maior, 11/10/16
Hoje é o PT. E depois do serviço concluído?
Por Maria Inês Nassif
É um erro apontar para o PT e declará-lo o
único grande derrotado da ofensiva conservadora que se utilizou da
estrutura Legislativa e Judiciária para abater o petismo, quando este
alçava pleno voo. A conspiração que resultou na deposição de uma
presidenta da República, Dilma Rousseff, teve efeitos colaterais que
atingiram de morte o sistema partidário brasileiro – e, junto, o poder
que mais o representa, o Legislativo.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.
A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia. Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.
A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia. Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.
Incrustrados no aparelho de Estado e
garantidos pelo direito à inamovibilidade, os integrantes das
corporações envolvidas no golpe de Estado acumulam um considerável
entulho institucional nas sucessivas decisões tomadas pelo STF, que
relativizam os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros e
corroboram violências do Ministério Público contra a Carta e a pessoa
humana. Com isso, tratam de “legitimar” uma perseguição contra uma única
força política e um golpe de estado que tornou-se parte dessa ofensiva.
A partir disso, ações judiciais “excepcionais” se alastraram por todo o
país.
É uma generalização da força bruta. Moro usa instrumentos ilegítimos que estão se vulgarizando na Justiça comum, com a condescendência do STF; os ministros da Suprema Corte têm seguidamente contestado decisões legislativas e imposto o seu parecer, desenhando uma Constituição nova, que não obteve a concordância dos membros do Congresso Nacional; a Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade. Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.
Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa. As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.
O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle. A única diferença entre as delações que justificaram, na maioria das vezes de forma frágil, a incriminação ou condenação de petistas, e as que atingiram peemedebistas, tucanos e políticos de outros partidos, é que houve uma decisão deliberada do MP e da Justiça de condenarem apenas as forças ligadas ao governo petista. No mesmo saco de maldades das investigações do MP e da PF sobre a Petrobrás, todavia, convivem denúncias muito mais sérias atingindo companheiros da Justiça na conspiração e no golpe do Estado. Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?
O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima. Outras se seguirão, porque o poder “excepcional” torna-se definitivo, incontestável, principalmente se as forças que o exercem monopolizam instrumentos de coerção, como os sistemas jurídico e policial. Isto é: independentemente do voto popular, um procurador acumula hoje um enorme poder de denunciar sem provas, e um juiz de condenar um inocente, porque eles podem acionar a polícia, prendê-lo, lavrar a sentença e colocá-lo na cadeia, e vai ser referendado por uma Suprema Corte que abriu tal grau de possibilidades de condenação por suposição de culpa que descartou por completo a verdade e os direitos constitucionais como pressupostos para qualquer decisão judicial.
Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade. A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?
A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB. Livre de processos judiciais por graça dos ministros do STF, que fazem vistas grossas a graves acusações contra seus integrantes – um deles é acusado inclusive de tráfico de drogas – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam e seus principais líderes fiquem a salvo, sem depender da boa vontade dos magistrados. A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, depende da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.
É uma generalização da força bruta. Moro usa instrumentos ilegítimos que estão se vulgarizando na Justiça comum, com a condescendência do STF; os ministros da Suprema Corte têm seguidamente contestado decisões legislativas e imposto o seu parecer, desenhando uma Constituição nova, que não obteve a concordância dos membros do Congresso Nacional; a Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade. Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.
Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa. As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.
O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle. A única diferença entre as delações que justificaram, na maioria das vezes de forma frágil, a incriminação ou condenação de petistas, e as que atingiram peemedebistas, tucanos e políticos de outros partidos, é que houve uma decisão deliberada do MP e da Justiça de condenarem apenas as forças ligadas ao governo petista. No mesmo saco de maldades das investigações do MP e da PF sobre a Petrobrás, todavia, convivem denúncias muito mais sérias atingindo companheiros da Justiça na conspiração e no golpe do Estado. Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?
O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima. Outras se seguirão, porque o poder “excepcional” torna-se definitivo, incontestável, principalmente se as forças que o exercem monopolizam instrumentos de coerção, como os sistemas jurídico e policial. Isto é: independentemente do voto popular, um procurador acumula hoje um enorme poder de denunciar sem provas, e um juiz de condenar um inocente, porque eles podem acionar a polícia, prendê-lo, lavrar a sentença e colocá-lo na cadeia, e vai ser referendado por uma Suprema Corte que abriu tal grau de possibilidades de condenação por suposição de culpa que descartou por completo a verdade e os direitos constitucionais como pressupostos para qualquer decisão judicial.
Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade. A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?
A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB. Livre de processos judiciais por graça dos ministros do STF, que fazem vistas grossas a graves acusações contra seus integrantes – um deles é acusado inclusive de tráfico de drogas – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam e seus principais líderes fiquem a salvo, sem depender da boa vontade dos magistrados. A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, depende da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.
Jornal GGN, 27/05/16
O Poder Judiciário e a revolução da injustiça na jurisprudência
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
No último dia do ano chegou ao meu conhecimento a pérola jurídica que abaixo transcrevo:
"O Poder Judiciário não mais pode chancelar a conduta
de profissionais que, valendo-se da capacidade postulatória, procedem ao
ajuizamento desenfreado de demandas manifestamente improcedentes e
arrecadatórias de verba honorária.”
A decisão do TJRS é perigosa. Os desembargadores gaúchos
confundiram o advogado com a parte, limitaram o direito constitucional
de ação atribuída ao cidadão e, pior, usaram o Acórdão para ofender o
advogado que tentou cumprir sua obrigação presumindo, sem qualquer
prova, que ele agiu de maneira antiética.
A banalização da injustiça é um fato corriqueiro. Nenhuma
sociedade precisaria de juízes, desembargadores e ministros de tribunais
superiores investidos com poder para dizer o Direito de maneira válida,
eficaz e obrigatória se os cidadãos conhecessem as Leis e fossem
capazes de as cumprir fielmente de maneira espontânea. O Judiciário
existe para distribuir a melhor justiça possível, ou seja, para aplicar
de maneira impessoal as Leis, para respeitar a doutrina e a
jurisprudência ao resolver os conflitos submetidos a julgamento e,
sobretudo, para dar vida aos princípios jurídicos há séculos orientam a
atividade judiciária.
Ao julgar o Mensalão petista - condenando réus porque eles
não provaram ser inocentes, empregando a versão distorcida de uma teoria
jurídica estrangeira, presumindo o crime e sua autoria porque a
literatura permite apesar da prova - o STF mostrou o desvio. Ao proferir
decisões como a que foi acima transcrita, os Tribunais de Justiça
estaduais estão apenas seguindo o mal caminho indicado pela mais elevada
Corte do país.
Nos últimos anos tem ocorrido uma verdadeira banalização da
cretinice judiciária. Obsediados pela idéia de interferir politicamente
na sociedade, de modelar as condutas dos cidadãos e dos advogados, de
evitar conflitos considerados irrelevantes ou repetitivos, de frear
supostas indústrias processuais, de punir inimigos do Estado e
instrumentalizar vinganças ideológicas e classistas os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores tem arbitrariamente
deixado de aplicar princípios como o “da mihi factum, dabo tibi ius”, “dura lex, sed lex”, “nulla poena sine culpa” e outros.
Estes princípios estão entranhados na cultura jurídica e na
legislação do nosso país. Nós os herdamos dos portugueses assim como
estes os haviam herdado dos romanos. A cada decisão absurda como a que
foi transcrita - muitas outras poderiam ser citadas, dentre as quais uma
em que, por falta de provas, o TJSP absolveu o réu da indenização
pretendida após tem impedido a parte de fazer a prova que lhe competia -
mais de dois mil anos de cultura jurídica estão sendo soterrados por
inovações que naturalizam diferenças sociais e fomentam a barbárie. A
qualidade da justiça que sai do Poder Judiciário brasileiro tem piorado
rapidamente a olhos vistos.
A primeira coisa que ocorre quando os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores tentam fazer uma
revolução é a destruição do próprio Direito. As consequências da
injustiça elevada à condição de princípio jurídico por intermédio da
"jurisimprudência" serão nefastas. À medida que o arbítrio e a ilegalidade
informam as decisões judiciárias, os pilares que separam o Estado de
Direito da barbárie generalizada vão sendo derrubados. Cada decisão
semelhante à que foi proferida pelo STF no caso do Mensalão e ao Acórdão
acima transcrita aproximam o Brasil do caos. Quando os cidadãos não
podem mais confiar na serenidade, na honestidade intelectual e na
isenção dos servidores públicos encarregados de julgar seus litígios a
autotutela se torna a regra. A guerra de todos contra todos tem sido
diariamente fomentada por decisões como as que foram comentadas.
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