sábado, 29 de outubro de 2016

Economia, o debate inexistente






Jornal GGN, 23/10/16


Economia, o debate inexistente

 

Por André Araújo

 

A definição da política econômica de um grande País, o maior dos emergentes do mundo ocidental, deve ser obtida través de um AMPLO CONSENSO entre as forças políticas e econômicas do País e com o assessoramento das melhores cabeças que seja possível congregar em torno de um Conselho onde se faz a soma de conhecimentos.

Quem é que traçou esse plano espantoso de SÓ ajuste na despesa em plena e profunda recessão sem qualquer medida compensatória para reativar a economia?

Um plano desses não passa pela aprovação política em PAÍS ALGUM, é um plano insano que vai APROFUNDAR A RECESSÃO, como já está se vendo.

Nos Estados Unidos, com sua ampla experiência histórica de crises econômicas, foram ONZE até a de 2008, o Presidente é quem traça a macro política econômica, não é o Banco Central, que tem um papel tático mas não estratégico na macro política econômica.

O Presidente dos Estados Unidos tem um CONSELHO ECONÔMICO na Casa Branca (Council of Economic Advisers), um órgão de cúpula, que o assessora fora e acima do Federal Reserve e da Secretaria do Tesouro. Seu Presidente Jason Furman e a Vice-Presidente Sandra Black são economistas de políticas públicas, não ligados ao sistema financeiro e sua tarefa é apontar caminhos de longo prazo para o conjunto da economia.
Furman tem o titulo de Economista-Chefe do Presidente, seu nome e de sua Vice tem que ser aprovados pelo Senado depois de indicados pelo Presidente. O Conselho funciona como um Estado Maior do Presidente com visão ao mesmo tempo política e econômica.

Não há “panelinha” de economistas de mercado, há uma indicação geral da direção , o Presidente não fica “vendido” a uma só cartilha de um só pequeno grupo.

A direção da política econômica é coisa séria demais para vir da cabeça de um  grupinho que tem sua própria agenda e ninguém nele da economia produtiva.

Na semana passada a dupla de comentaristas de economia do Jornal das Dez da Globonews, Sardenberg e João Borges, dirigidos pelo âncora Donny Di Nuccio, em coro afinado, disseram que já havia claros sinas de recuperação da economia no horizonte. Na ultima terça-feira, dia 18, com cara murcha disseram os mesmos dois com o mesmo âncora que os últimos dados do comércio apontavam para baixo pelo 17º mês consecutivo, nenhuma melhora e só piora do comércio.

Na mesma matéria quadro sobre 100 mil lojas que fecharam no País em um ano e vídeos de ruas inteiras do Rio com lojas fechadas. Dados anteriores da pesquisa em domicílios, mais precisa do que a pesquisa de desemprego nas 5 metrópoles, indica 16,4 milhões de desempregados (matéria de editorial do ESTADÃO), bem mais que os 12 milhões até então apontados pela pesquisa apenas nas 6 metrópoles.

Do contraste desses dois contextos anunciados pelos mesmos personagens deduz-se que na primeira mensagem "há claros sinais de melhora" havia apenas palpite e não análise. São pagos para dar palpites ou é orientação ideológica da emissora?  Economia não é futebol, não admite palpites, se não podem ou não sabem o que falar melhor não manchar seus currículos com palpite infeliz, sem relação com a realidade.

Dados fundamentais são escamoteados por toda a mídia tradicional. Notinha inexpressiva no ESTADÃO indica que o BANCO CENTRAL requisita do Tesouro verba para cobrir seu prejuízo de R$ 218 BILHÕES no 1º semestre de 2016, gerado pela venda de proteção cambial, qual seja para segurar a natural valorização do dólar, valorizar artificialmente o Real e com isso "trazer a inflação para o centro da meta", objetivo contrario à saída da recessão.

Porque esse dado crucial sequer é mencionado? Se o BC gastou R$ 218 bilhões em um semestre, mantida a trajetória seriam R$ 436 bilhões em 2016 mais R$ 600 bilhões de juros da dívida pública, seriam mais de R$1 trilhão de custos financeiros gastos pelo Tesouro em nome de uma política econômica psicodélica, uma conta verdadeira  de gastos em um ano, quantia que deixa pálidas as discussões sobre o corte de gastos das demais despesas.

Ao mesmo tempo, o BANCO ITAU, comandante virtual da atual orientação econômica do Governo já que dois personagens a ele ligados são os pais da atual política econômica, declara alto e bom som que tem excesso de capital no valor de R$ 60 BILHÕES, excesso em relação aos índices de Basileia que já são ultra conservadores. Como se formou esse excesso de capital? Com os mais altos juros do planeta cobrados dos clientes,  que só tem aumentado nos bancos em plena recessão, quando a reação natural em quadro de recessão é a redução das taxas na ponta do cliente.

O coro dos comentaristas na grande mídia repete como sapos na beira do lago o mesmo cantar. Não há NENHUM debate, nenhum contraditório, nenhuma observação mais profunda, os comentários são RASOS, TOSCOS, REPETITIVOS.  Os que se apresentam como comentaristas não contestam em momento algum a aberração de se perseguir META DE INFLAÇÃO em plena recessão, modelo aberrante mesmo para economistas ortodoxos de orientação conservadora.

O mal maior é a RECESSÃO e não a inflação. Política econômica é ESCOLHA de prioridades, geralmente não é possível atirar em dois alvos simultaneamente mesmo porque muitas vezes são alvos conflitantes. A INFLAÇÃO cada vez mais baixa é FUNDAMENTAL para as apostas do mercado financeiro mas não é tão importante para a ECONOMIA PRODUTIVA, a que pode tirar o Pais da recessão. Hoje o mercado financeiro é DESLIGADO da economia produtiva, ao mesmo tempo que a recessão se aprofunda, a bolsa sobe e o dólar cai, apenas dólar,  bolsa e apostas em derivativos (juros e índices)  ocupam o escasso mundo mental dos comentaristas.

Nunca ouvi um comentarista carimbado de rádio, tv e jornal fazer análises a partir da observação in loco de lojas dos bairros de classe média, áreas de comércio popular, salões de cabeleireiros, indústrias de bens de capital, NADA. Só falam com meia dúzia de papagaios do mercado financeiro e daí tiram toda a base de seus comentários.

É impressionante a fragilidade intelectual desses comentaristas, não conhecem economia, não conhecem a história econômica e a história do pensamento econômico, repetem os bordões da "turma" dos economistas de mercado sem notas de rodapé, papagaios de economês tosco, constituído de chavões, platitudes e bordões.

O controle dos gastos não é política de emergência, é sistema permanente. Há que se ter um gatilho que puxe o crescimento por uma nova demanda e esta só pode vir do investimento público, o qual pode ser financiado pela expansão monetária. Se der alguma inflação este é um custo a ser tolerado para o País sair do mal maior da recessão, é uma questão de prioridades.

A receita é da economia clássica, que se administra por ciclos de expansão e contração.

A recessão requer expansão monetária, a economia super aquecida requer contração monetária que pode ser feita por vários modos e não só pela alta de juros.

Uma das ferramentas de contração é o aumento dos compulsórios dos bancos, outro é a limitação dos prazos e condições de empréstimos, ambas ferramentas baixam os lucros dos bancos enquanto a alta dos juros é o único instrumento contracionista que aumenta o lucro dos bancos e é o único usado pelo BC desde o Plano de Estabilização Monetaria de 1994. Porque não usam instrumentos administrativos como contenção dos empréstimos ou restrição de prazos? Porque são ruins para os bancos, ora.

Ao contrário das políticas  dos grandes ciclos econômicos do Brasil, a atual política não tem grife, não se sabe de onde veio. O Ministro da Fazenda não é formulador de política econômica, não tem formação para isso, será o presidente do BC? Provavelmente é mas não assume e não assina, a política é então órfã, não tem pai e nem mãe. Tudo faz crer que vem da cabeça do economista Samuel Pessoa com colaboração de Mansueto Almeida, mas onde está a autoria publicamente assumida?

É fundamental para sua imposição, operação e sucesso que a política econômica tenha responsável, isso em qualquer País, não pode ser anônima.

Todos conheciam a política econômica de Roberto Campos, a de Delfim Neto e a de Mario Henrique Simonsen, eram políticas com paternidades e responsabilidades claras, refletiam um conjunto de ideias desses grandes personagens, Campos mais ortodoxo, Delfim mais heterodoxo, Simonsen um expoente da escola clássica.

Mas de quem é a atual política econômica?

Ninguém sabe e ninguém assume, essa é uma de suas muitas fraquezas.


 http://www.vermelho.org.br/noticia/288963-1





Portal Vermelho, 29.out.16


Em 13 anos, Brasil transferiu R$ 3 trilhões ao sistema financeiro



Por Joana Rozowykwiat*



Entrevista do economista Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal:

De acordo com relatório do Tesouro Nacional, pela primeira vez na história, a dívida pública federal superou o simbólico marco de R$ 3 trilhões. Só entre agosto e setembro, houve um aumento de 3,1%, e o montante passou de R$ 2,955 trilhões para R$ 3,046. Qual o impacto desses números?

Se analisados os últimos doze meses, o estoque da dívida pública federal cresceu pouco mais de 10%. Saiu de cerca de R$ 2,7 trilhões para o atual patamar. Kliass destaca que, no mesmo período, o Brasil pagou algo em torno de R$ 400 bilhões em juros.

O valor é cerca de 13 vezes maior que o previsto no Orçamento de 2017 para o Programa Bolsa Família (R$ 29,7 bilhões) e quase 12 vezes acima dos investimentos em Educação (R$ 33,7 bilhões).

O pior dos mundos

Segundo os cálculos de Kliass, de 2003 até hoje – com uma taxa básica de juros em 14%, que mantém o país campeão de juros reais no mundo -, o Brasil transferiu ao sistema financeiro o equivalente a R$ 3 trilhões em valores atualizados. Mesmo assim, o estoque da dívida só fez crescer. Saiu de R$ 965,8 bilhões em dezembro de 2003 para agora ultrapassar os R$ 3 trilhões.

“É um absurdo. Ou seja, você tem um crescimento muito grande do estoque da dívida, apesar de todo o esforço que foi feito, em termos de política econômica, por mais de 20 anos, no sentido de promover a chamada geração de superávit primário”, critica Kliass.

Um governo registra superávit primário quando, ao final de um período, o valor que gasta é menor que aquilo que arrecada. Nesse cálculo, contudo, só são computadas as despesas primárias – aquelas com saúde, educação, previdência, pessoal, novos investimentos etc. Os gastos de natureza financeira não entram nesta conta. Em outras palavras, como o superávit primário não computa as despesas financeiras, ele representa a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública.

O cenário atual “é o pior dos mundos”, avalia o economista, ao apontar que, por mais que o Brasil tenha seguido a cartilha do financismo – comprimindo despesas que beneficiariam a maioria da população para assegurar recursos do orçamento para o pagamento de juros -, a dívida continua a crescer. “Fazer a política do ‘bom mocismo’ não resolve. Porque a taxa de juros é muito alta”, concluiu.

Você cumpre o seu dever de casa aos olhos do sistema financeiro, faz um baita de um esforço fiscal, o país inteiro sofre por isso, tudo com o discurso de que isso é para reduzir o endividamento, mas, nesses últimos 13 anos, o país pagou R$ 3 trilhões em juros e ainda aumentou o estoque de endividamento, comprometendo a política econômica agora. Isso é uma loucura”, afirmou.

A combinação da perseguição ao superávit com elevadas taxas de juros – que fazem a dívida se ampliar por mais que se dispendam recursos para administrá-la – beneficia muito poucos, em detrimento da maior parte da população. Ganham basicamente as instituições do sistema financeiro nacionais e internacionais e setores do topo da pirâmide econômica e social, que têm parcela de seus ativos mobiliários na forma de dívida pública.

Como exemplo, Kliass mencionou que, em plena recessão no país, a unidade brasileira do Banco Santander voltou a representar a maior contribuição individual para o lucro do grupo internacional. “Serve para mostrar como o regime financeiro do Brasil é generoso com o sistema financeiro. No fim, você cria um mecanismo em que a elite termina sempre se beneficiando desse tipo de regime”.

Em economia, um país não é igual a uma família

Ele destaca que, diferentemente do que tenta fazer crer o discurso hegemônico, a dívida pública, em si, não é um problema. Pelo contrário, ela é um elemento importante que o governo tem para fazer política econômica.

A dívida pública é um instrumento utilizado por governos para financiar parte de seus gastos que não são cobertos pela arrecadação de impostos. Assim, o Tesouro Nacional oferece títulos da dívida pública ao mercado e passa a dever às instituições que adquiriram aqueles papéis, pagando sobre eles juros.

De forma equivocada, a atual gestão do presidente Michel Temer – mas não apenas ela – costuma comparar as finanças públicas àquelas de uma dona de casa. Busca, assim, demonizar o endividamento, como se ele fosse levar o país à bancarrota. O paralelo, contudo, não se aplica.

“A dívida pública não tem a ver com você ir ao banco ou pedir empréstimos a um amigo, é algo muito diferente”, ponderou Kliass. Ele explicou que governos de países seguem outra lógica. Diferentemente de uma família que pode não ter como pagar seus débitos, os estados soberanos podem fazer uso de alguns instrumentos, como a rolagem da dívida. Ou seja, podem emitir novos títulos como garantia de que aquela dívida será paga mais à frente.

Além disso, os Estados nacionais são capazes de imprimir mais dinheiro ou fazer uso de reservas internacionais, por exemplo, o que faz com que seja bem mais difícil um país quebrar.

Paulo Kliass resgata uma famosa frase do ex-ministro Delfim Netto, para quem “dívida não se paga, se rola”. Tanto é assim, completa o economista, que não há Estados que decidiram simplesmente zerar sua dívida. “O que você tem é o controle do grau de endividamento, pode ter momentos em que você recolhe dívida ou aumenta, mas a dívida pública de qualquer estado soberano sempre existe”.

A dívida brasileira não é grande

Se o problema não é a dívida em si, mas o nível desse endividamento, em que pé está a situação brasileira? A comparação com outros países indica que a ideia de que o país encontra-se em apuros devido à situação fiscal não passa de um mito. No Brasil, a dívida pública líquida (descontadas as reservas) está em torno de 40% do Produto Interno Bruto. Já a dívida bruta equivale a 66,2% do PIB, segundo dados do Banco Central de 2015.

Embora existam alguns países com dívidas menores que a brasileira, caso de Argentina e Chile, vários outros países, mesmo aqueles mais desenvolvidos, possuem endividamento substancialmente maior, como é o caso dos Estados Unidos (104%), do Japão (230%), da Zona do Euro (90% em média) e do Canadá (92%).

A situação do Brasil não é tão grave. Ninguém está aí achando que o Japão, por exemplo, vai quebrar. E o Brasil está num nível de endividamento bem abaixo. Estamos em situação até confortável. O que vivemos agora é conjunturalmente uma crise fiscal, isso ninguém nega. Mas não significa que a economia e a sociedade brasileiras não tenham um potencial de cumprir com essas obrigações assim que houver a recuperação da atividade econômica”, avaliou Kliass.

Além de, na comparação com outros países, o Brasil ter um endividamento até baixo, a dívida brasileira, hoje, é majoritariamente em moeda brasileira, o que afasta muitos riscos. No ano 2000, 20% da dívida brasileira era em moeda estrangeira. Em 2015, esse percentual caiu para 6%.

“Desde o Plano Real e, principalmente, com o boom das commodities, a retomada da boa performance exportadora, os saldos superavitários no balanço de pagamentos, houve um processo crescente de internalização da dívida externa, embora o sistema do endividamento continue parecido, porque há agentes externos que compram títulos da dívida brasileira”, apontou Kliass. Outro elemento que dá segurança ao Brasil é o fato de que hoje o país possui cerca de R$370 bilhões em reservas internacionais.

Catastrofismo a serviço da elite

Segundo o economista, o “catastrofismo” criado em torno da dívida brasileira é utilizado para gerar “pânico” e justificar a implementação de políticas de ajuste e de privatizações, que beneficiam os mesmos de sempre: rentistas e uma elite empresarial.

“Há uma tentativa de dizer que, se você não fizer o ajuste fiscal nesse ano ou, pior, como propõe a PEC 241, nos próximos 20 anos, o país quebra num cenário próximo. Não é nada disso. O país não vai quebrar. Usa-se isso para promover privatização, para reduzir o papel do Estado na economia, retirar direitos sociais, reduzir o custo do trabalho. Mas, do ponto de vista objetivo, a comparação com outros países não autoriza nenhum grau de pânico e catástrofe”, observou.

Para ele, a situação momentânea das contas do país exige cuidados, mas o remédio adequado seria exatamente o oposto do receitado pelo governo Temer. Em meio à crise, a gestão tem optado por cortar gastos, o que tem aprofundado a recessão e provocado ainda maior queda na arrecadação, em um verdadeiro ciclo vicioso.

O que deveria ter é uma política pública anticíclica. Ao invés de cortar, esse é um momento em que se deveria estar gastando para atenuar os efeitos da crise, reduzir o tempo da crise e, no próximo ciclo de crescimento, tudo isso acaba sendo resolvido com a própria dinâmica da economia. Ninguém pode achar que o Brasil vai passar de hoje até os finais do tempo da história numa recessão”, colocou.

O último dos moicanos

De acordo com Kliass, o Brasil é um dos últimos países a seguir à risca a receita da austeridade no mundo. “O próprio Banco Mundial, o FMI, países europeus, Estados Unidos, Canadá, Japão, todos eles, de alguma maneira, passaram por cima disso. Porque perceberam que você precisa ter – principalmente em momentos de recessão – o protagonismo do setor público para superar a crise”.

Ele citou como exemplo o resgate dos bancos e da indústria automobilística, bancado pelos Estados Unidos, em meio à crise de 2008. “Tinha aquilo do ‘grande demais para falir’, a ideia de que não poderia deixar quebrar porque a sociedade toda iria perder, e é verdade”, destacou.

Não existe essa história de demonizar o setor público, isso o mundo capitalista já superou, e mais ainda essa coisa do superávit primário. Com essa ideia de privilegiar de maneira exacerbada o setor financeiro, você acaba penalizando setores não só nessa clivagem dos ricos contra os pobres ou do capital contra o trabalho. Mesmo dentro dos setores das classes dominantes, você faz uma diferença muito grande entre o setor produtivo e o financismo”, analisou.

Kliass lembrou que, durante os governos Lula, era comum ver o então vice-presidente José de Alencar, empresário do setor têxtil, criticar a política monetária de Henrique Meirelles, que era presidente do Banco Central e agora comanda a Fazenda.

“Para o setor produtivo, não interessa juros elevados dessa maneira. O que acaba acontecendo é que os empresários terminam indo buscar os caminhos dos lobbies para obter recursos públicos a taxas subsidiadas e sem oferecer contrapartidas. Mas é isso. Somos os últimos dos moicanos. Ninguém mais no mundo faz o que estamos fazendo”, concluiu.

PEC 241 para perpetuar privilégios

Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional 241 – que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos primários por 20 anos – é mais um passo na contramão. Kliass destaca que a nova regra fiscal que o governo Temer tenta aprovar introduz na Constituição a ideia da busca do superávit primário.

Isso porque, pelo projeto do governo, o limite ao crescimento das despesas não se aplicará aos gastos com juros, mas apenas àqueles em áreas como saúde, educação, previdência e assistência social.

A malandragem da PEC é exatamente essa. Só ataca as despesas primárias, continua dando o tratamento da bondade e do privilégio para a despesa financeira. A PEC introduz no texto constitucional e perpetua isso. É um baita engessamento”, criticou o economista.

De acordo com ele, o governo está propondo impor perdas à saúde, à educação, aos salários dos servidores, aos novos investimentos, por exemplo, sob o argumento de que não pode gastar mais do que arrecada. Mas, ao mesmo tempo, não fala em restringir o que vai para o ralo dos juros da dívida, algo em torno de 9% do PIB.

Eles dizem: ‘ah, mas não posso mexer nos contratos’. Está bem. Mas e os contratos sociais em que você está mexendo? Aí pode? É a mesma coisa”, defendeu. Para ele, impor limites às despesas de natureza financeira não significa dar calote nos credores, mas rolar a dívida, por exemplo.

A PEC só favorece, portanto, rentistas e setores da iniciativa privada. Isso porque, na prática, a nova regra fiscal reduz a capacidade do Estado de prestar serviços públicos à população, que terá que recorrer à iniciativa privada – engordando, assim, o bolso de uma elite.

“Você está apresentando à sociedade um quadro em que as pessoas vão continuar tendo que estudar, ir ao médico, se aposentar, mas infelizmente o Estado não poderá mais fazer, o governante não poderá mais fazer porque a Constituição proíbe. Então vai ter que recorrer ao sistema privado. E aí você tem explicitamente a privatização dos serviços públicos. Ou, se quiser pensar do ponto de vista de funcionários, não vai poder fazer concurso ou realizar reajuste, então vai terceirizar as funções públicas – um outro mecanismo de privatização”, previu.

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