CartaCapital, 14/10/16
Deutsche Bank com pés de barro
Por Jill Treanor
Líderes empresariais da Alemanha decidiram apoiar o Deutsche Bank depois de uma semana turbulenta no mercado. As ações do maior banco do país
foram arrastadas para seus níveis mais baixos em 30 anos, diante do
risco da aplicação de uma multa de 14 bilhões de dólares por autoridades
dos Estados Unidos em consequência de operações com títulos garantidos
por hipotecas de má qualidade na crise de 2008.
Em meio a preocupações de que as dificuldades do Deutsche
Bank possam provocar o caos no mundo, investidores e políticos
acompanham as tentativas do executivo-chefe do banco, John Cryan, de
fechar um acordo relativo ao escândalo de dez anos de transações
irregulares.
O executivo britânico, à frente do Deutsche desde meados
de 2015, pretendia encontrar-se com banqueiros e políticos na reunião
anual do Fundo Monetário Internacional, iniciada na terça-feira 4, nos
Estados Unidos, para a celebrar o pacto.
Durante o fim de semana, líderes
empresariais deram declarações a jornais alemães em apoio aos esforços
de Cryan para reverter a situação do Deutsche Bank, um esteio da
economia nacional. Com um patrimônio de 1,8 trilhão de euros, tem quase a
metade do tamanho da economia alemã,
mas por causa de sua queda na Bolsa está avaliado pelos investidores em
apenas 16 bilhões de euros. O FMI o descreveu como o banco mais
importante do mundo, do ponto de vista sistêmico.
O ministro da Economia alemão, Sigmar
Gabriel, disse que executivos do banco colocaram em risco um grande
número de empregos: “Milhares serão demitidos. Agora eles pagarão pela
loucura praticada por diretores irresponsáveis”.
As ações do
banco se recuperaram na sexta-feira 30, depois
de uma reportagem da agência de notícias AFP anunciar que o acordo
totalizaria 5,4 bilhões de dólares, em vez dos 14 bilhões previstos. No
mês passado, a queda das ações ganhou força após notícias,
insistentemente negadas, de que o banco solicitara auxílio à chanceler
alemã, Angela Merkel.
Em uma carta enviada aos 100 mil funcionários da
instituição, Cryan atacou as “forças do mercado” que tentam
desestabilizá-la. A mensagem foi encaminhada depois de a agência
Bloomberg relatar que dez fundos hedge decidiram reduzir seus negócios com o banco.
No domingo 2, Jürgen Hambrecht, presidente da indústria química Basf, disse ao jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung:
“A indústria alemã precisa de um banco alemão que nos acompanhe mundo
afora”. “O Deutsche Bank tem uma grande tradição, uma base sólida e
também um grande futuro. Estou convencido disso”, afirmou o
executivo-chefe da empresa automobilística Daimler, Dieter Zetsche.
Peter Ramsauer, presidente da Comissão
Econômica do Parlamento alemão, também falou sobre as “características
de guerra econômica” na abordagem americana. As eleições presidenciais
nos EUA, no próximo mês, são vistas como um possível prazo para se
chegar a um acordo com o Departamento de Justiça, que firmou pactos com
vários bancos americanos, inclusive o Goldman Sachs.
O Financial Times informou que o
Credit Suisse e o Barclays poderiam fazer parte do acordo. O Banco Real
da Escócia, socorrido financeiramente pelas autoridades, advertiu que
poderá precisar de um acordo com o Departamento de Justiça em torno de 9
bilhões de libras.
Segundo Ross McEwan, o executivo-chefe da
instituição, as negociações para um pacto com o Departamento de Justiça
não haviam começado, apesar de o banco, com 73% do controle pulverizado
entre pequenos acionistas, ter pago 846 milhões de libras à
Administração Nacional de Cooperativas de Crédito por conta do
escândalo.
Os problemas do Deutsche Bank não se limitam aos Estados
Unidos. Enfrentará uma investigação de suas atividades na Rússia, e
vários funcionários e ex-funcionários foram acusados em Milão de ligação
com o Banca Monte dei Paschi di Siena SpA, o terceiro maior da Itália,
numa conspiração para falsificar contas e manipular o mercado.
A mídia explora
as contradições do governo alemão no socorro às instituições
financeiras. “É claro que a chanceler Merkel não quer dar ao Deutsche
Bank ajuda estatal. Ela não pode sustentar isso do ponto de vista da
política externa, porque Berlim assume uma linha dura no resgate aos
bancos italianos”, relatou a agência Reuters, em citação do jornal Frankfurter Allgemeine.
O chefe da Autoridade Federal de Supervisão Financeira da
Alemanha, Felix Hufeld, pediu aos cidadãos para não entrarem em pânico.
“Apelo para não se deixarem arrastar para o tipo de espiral descendente
de percepção negativa. Nem toda reação nervosa do mercado é baseada em
fatos objetivos”, disse ao periódico de Frankfurt, sem citar diretamente
o próprio Deutsche.
O banco participou da ascensão da Alemanha à condição de potência econômica,
ao financiar sua indústria no século XIX e contribuir com a recuperação
após a Segunda Guerra Mundial. Ele enfrentou os gigantes de Wall Street
na economia globalizada do pós-Guerra e sobreviveu à crise bancária de 2008 sem pedir resgate.
Em uma indicação do prestígio da instituição, Merkel
organizou naquele ano uma festa especial comemorativa dos 60 anos do
então diretor Josef Ackermann, com um jantar de aspargos frescos e bife à milanesa em sua chancelaria.
Agora, quando o banco completa 146 anos, surgem perguntas
sobre como se reinventará em um cenário financeiro sob abalos sísmicos
em consequência da mudança regulatória e de temores de uma recessão
econômica global.
Segundo Jörg Rocholl, presidente da Escola de
Administração e Tecnologia de Berlim, “não há outro país em que um banco
tenha um papel tão central como o Deutsche Bank na Alemanha”.
Christopher Wheeler, analista de bancos na Atlantic
Equities, disse que o Deutsche se assemelha ao Barclays do Reino Unidos,
um banco de investimentos e importante credor para grandes empresas.
Agora tenta se livrar do Postbank, seu braço de varejo, adquirido em
2010, em meio a dúvidas sobre como vai gerar receitas no futuro.
As tentativas de desmembrar o
Postbank mostram-se perturbadoras, e um relatório divulgado na
quarta-feira 28 sugeriu que o Deutsche teria de reduzir o valor da
empresa em um terço, para 2,8 bilhões de euros, antes de prosseguir nas
negociações.
Acrescentam-se preocupações sobre a conta potencial de
litígios e multas. Analistas do Morgan Stanley previram mais 3,9 bilhões
de euros em custos entre 2016 e 2017. “Talvez essas pendências não se
resolvam até 2017”, disseram analistas. Eles citam “disputas não
resolvidas que o mercado luta para encerrar, fraca geração de capital e
necessidade de ações para levantar capital”.
O ministro das Finanças, Wolfgang
Schäuble, provavelmente exultou diante da serenidade da mídia alemã na
cobertura dos problemas do Deutsche, mas certamente irritou-se com esse
terrível comentário na primeira página do Frankfurter Allgemeine Zeitung:
“O que se pode pensar sobre um banco que tem de prometer a seus
clientes e investidores que é capaz de devolver seus depósitos e
aplicações? Quão sólida é uma instituição que perdeu um terço do seu
valor em ações em um mês, e a metade dele durante um ano? Não são mais
os clientes de alguns bancos gregos que estão fazendo perguntas tão
duras, mas os clientes do Deutsche Bank”.
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