Jornal GGN, 30/10/16
Minha aula de ocupação
Minha aula de ocupação
Por Giselle Mathias
Nesta semana fui procurada por uma pessoa, muito preocupada, para que eu ajudasse alunos que desejavam ocupar sua escola no Distrito Federal contra a PEC do Teto e pela Educação.
Sou advogada e naquele momento acontecia uma reunião entre os alunos, a direção da escola, a representante da Secretaria de Educação, pais e professores. E os estudantes resolveram se fazer representar não só por seus pais, mas também por mim, uma advogada que ainda acredita na Justiça – apesar do Judiciário.
Na reunião observei que a diretora e os representantes da Secretaria de Educação tentavam exercer sua autoridade de Estado de forma abusiva, com muitas informações falaciosas e de maneira dissimulada para induzir os alunos e pais a não exercerem o direito de manifestação e resistência a atos arbitrários do Estado. Tanto os pais quanto os alunos de alguma forma ainda mantinham algum respeito reverencial para com essas autoridades. Por isso, ainda acreditavam na possibilidade de diálogo com os representantes do Estado, que neste caso são os responsáveis diretos pela educação de nossos jovens.
Vejo com gravidade esta situação, porque a autoridade, usando da crença dos pais e alunos na possibilidade do diálogo, tentou enganá-los, na certeza de que esses desconheciam, como boa parte da população, seus direitos fundamentais. Direitos Básicos que deveriam ser ensinados nas escolas, mas são devidamente escondidos e esquecidos, para que não sejam reclamados e, assim, essas pseudo-autoridades possam impor suas “verdades” sem oposição.
Assim começou a minha participação na ocupação de uma escola no DF: como advogada.
Passei os últimos três dias em auxílio jurídico direto aos alunos da ocupação, orientando nas reuniões, nos acordos e documentos escritos, nos direitos que possuem e em suas obrigações legais enquanto durar a ocupação. Mas, acima de tudo isso, vi e vivenciei experiência únicas.
Vi, chocada, uma gestão que permite que a escola permaneça três meses sem um professor de Português, um semestre sem filosofia, que tem um laboratório de informática inutilizado e que não permite que professores deem aulas práticas nos amplos espaços da escola.
Vi, infelizmente, alguns “educadores” incitando alunos contra alunos, maldizendo o movimento estudantil da ocupação e proferindo discurso de ódio contra o pensamento divergente. Esses mesmos professores há não tanto tempo pediam o apoio dos estudantes para suas greves por melhoria salarial. No entanto, hoje os vi negar o mesmo apoio, recebido então.
Vi ameaças da direção da escola aos poucos professores que a enfrentaram e decidiram continuar, voluntariamente, a exercer seu nobre ofício de ensinar e darem aulas aos alunos que lá estiveram para assistir.
Vi adultos que deveriam educar mentindo, enganando e maldizendo adolescentes. Apenas porque sua autoridade fora contestada.
Vi professores que não sabem a distinção entre política e partidos políticos maldizerem-na, como se essa fosse o grande mal da sociedade – e não a ignorância e a falta de conhecimento da mesma. Tudo numa tentativa vil de colocar estudantes uns contra os outros.
Mas também vi esses mesmos alunos contestando essas autoridades, pensando, elaborando suas ideias e tornando-se protagonistas de suas histórias.
Pude admirar estudantes que, apesar de estarem em campos divergentes, se sentaram para dialogar e buscar um consenso. Praticavam um entendimento político democrático – o que nos é negado por esses que tomaram o poder e hoje disputam o butim, entregando o país aos interesses estrangeiros e minando o futuro desta nação.
Constatei que esses jovens, sejam pró ou contra a ocupação, não são manipuláveis. Estão sedentos de informação e não querem se tornar zumbis teleguiados por uma mídia parcial e engajada. Mídia essa, aliás, que muitas vezes conduzem seus pais, professores, parentes e vizinhos.
Todos esses jovens desejam o mesmo. Divergem apenas no método. Mas dialogam, buscam o debate. Querem entender para se posicionar. Exercem algo divino: a tolerância... o reconhecimento do outro e o respeito à sua existência.
Vi, de um lado, o ser humano na busca do seu direito natural ao exercício da vontade e ao desenvolvimento de suas potencialidades. E, de outro, a reação das “autoridades”para inibir essa ação e matar esse desejo de ser humano, demasiadamente humano.
Vi o florecer do super-humano, livre de amarras, de preconceitos e de um respeito profundo à humanidade quando esses jovens começaram a dialogar e tentar compor, com suas diferenças, uma linda forma de convivência. Sem o ódio, as “leis” ou as “regras” impostas por aqueles que já foram cooptados por este sistema de desnaturação da humanidade.
Em todos esses dias de muita tensão, muito diálogo, de idas e vindas, de falsas ameaças e de muitas tentativas de conciliação, eu fui aluna. Aluna desses jovens professores que, apesar de permanecerem nas redes sociais, não estão mais sentados no sofá ou atrás da tela de um computador. Estão lutando pelo país deles, pelo nosso país, pelo Brasil da oportunidade, do investimento na educação e do incentivo ao desenvolvimento de todos.
Quero agradecer a todos esses estudantes, pró e contra a ocupação do CEMSO (Centro de Ensino Médio Setor Oeste/DF), que se tornaram meus jovens professores nesses últimos dias.
Agradeço, principalmente, por terem reavivado em mim o sentido de ser advogada, de lutar por justiça e do porquê de eu ter decidido fazer o curso de Direito. Vocês reavivaram em mim o espírito que se perde nos corredores dos tribunais e na burocracia e lentidão do sistema judicial.
Muito obrigada aos meus jovens professores de DEMOCRACIA, CIDADANIA e HUMANIDADE.
Giselle Flügel Mathias Barreto, advogada, especialista em Direito Público, membro da Frente Brasil de Juristas do Distrito Federal pela Democracia e membro do movimento feminista #partidA
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