domingo, 30 de outubro de 2016

A Corporação (The Corporation)



‘A Corporação (The Corporation)’ e as Relações Internacionais



Por Dalliana Vilar




O filme ‘A Corporação’, baseado no livro homônimo do autor e roteirista Joel Bakan, apresenta ao seu público-alvo – os cidadãos do mundo – a real face desse espécime de instituição e do mundo empresarial como um todo. A partir da análise da natureza, evolução, impacto e possível futuro da moderna corporação, o filme – verdadeira aula de Economia, Direito, História, Relações Internacionais e Cidadania – nos apresenta a corporação como uma pessoa e, pois, dotada dos chamados direitos da personalidade, os quais serão detalhados a posteriori. Entretanto, Joel Bakan, como fidedigno psicólogo, percebe a instituição como um indivíduo psicopata e, aos poucos, através da análise da legislação e de casos específicos, demonstra-nos isso.


A Corporação (The Corporation). Direção: Joel Bakan. Produção: Joel Bakan, Jennifer Abbott e Marck Achbar. Intérpretes: Noam Chomsky, Steve Wilson, Jane Akre, Noami Klein, Michael Moore, Vandana Shiva, 2003, 1 DVD (144 min), widescreen, color. Sítio virtual oficial: www.thecorporation.com.


Conforme narrado no documentário, há 150 anos, a corporação era uma instituição insignificante, mas hoje é onipresente e dominante tal qual o foram a Igreja, a Monarquia ou o Partido Comunista. Isso constatado, é preciso entender: sob um rígido controle legal no início, o que permitiu à corporação atual obter tanto poder sobre nós? O que é uma corporação? Como surgiu?

A corporação, de acordo com um dos entrevistados, surgiu na Era Industrial, iniciada em 1712 com a bomba a vapor de Thomas Newcumen, construída para aumentar a produtividade numa mina de carvão. As guerras desembocadas e a Revolução Industrial impulsionaram intensamente a mesma, pois as ferrovias se expandiam e muitas terras públicas eram concedidas aos empreendedores – ou seja, terras públicas eram tornadas privadas numa nova política de Cercamento, semelhante a que ocorrera no início da Era Moderna (séculos XIV, XV, XVI) na Inglaterra de Tudor.

No início, eram grupos licenciados pelo Estado para a realização de determinada tarefa. Eram, pois, claramente regulados pelo mesmo, o qual determinava, a saber, por quanto tempo operariam, o valor do capital envolvido etc. O que faziam ou operavam ficava bem especificado e não podiam ir além do estabelecido: não podiam possuir outras corporações, seus acionistas podiam ser responsabilizados por danos causados a outrem e assim por diante. Estava arraigada na lei e na cultura a noção das corporações como uma criação do povo e para o povo – leia-se: para servir ao bem público.

Essas restrições historicamente impostas foram sendo banidas ao longo do tempo pelo corpo advocatício. Esse processo foi iniciado, nos EUA, com a 14º Emenda, decretada ao fim da Guerra Civil – Guerra de Secessão de 1861 – a fim de garantir direitos iguais aos afro-descendentes, a qual dizia: “Nenhum Estado pode tirar de qualquer pessoa a vida, a liberdade e a propriedade sem um processo jurídico adequado”. Neste sentido, a dita emenda, criada para proteger ex-escravos recentemente libertados, tornou-se instrumento de poder das corporações a partir de uma decisão da Suprema Corte norte-americana, que, dentro de suas funções, alegou esse direito constitucionalmente válido por entender as corporações como pessoa. E o que isto significa?

Coeteris paribus, pessoas jurídicas são entidades a quem a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem, capazes de ser sujeitos de direitos e deveres na ordem civil. Nas palavras de Maria Helena Diniz, pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações (DINIZ, 2008, p. 206.), constituindo requisitos para seu reconhecimento: organização de pessoas ou bens; licitude dos propósitos ou fins – isto é, que trabalhem com objeto reconhecido pelo Direito –; e capacidade jurídica reconhecida pela norma. De forma a se tutelar para estas pessoas, pois, os ditos direitos da personalidade, os quais, segundo a mesma autora, são direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, sua integridade física, sua integridade intelectual e sua integridade moral (idem, 117-134). São os mesmos, salvo determinação legal, intransmissíveis, irrenunciáveis e não podem ser limitados por vontade própria (NCC, art. 11.), aplicando-se a proteção aos mesmos direitos às pessoas jurídicas, no que couber (NCC, art. 52.).

A identificação da corporação como um indivíduo separado do indivíduo real pode ser identificada já na lei romana quando se cria uma entidade artificial e se lhe dão direitos de pessoas. Mas isso começa a se desenvolver mais na Inglaterra do século XVII e avança até meados do século XX, nos EUA e na Inglaterra. Surge essa questão como meio de não serem os acionistas responsabilizados por perdas decorrentes, criando-se o conceito de Responsabilidade Limitada, segundo a qual os acionistas só respondem pelo valor que investiram.

De tal forma que, delegando às corporações o título de pessoa, a Justiça norte-americana libertou-as da tutela estatal, permitindo às mesmas garantirem seus supostos direitos, até mesmo, em detrimento das demais pessoas, as pessoas naturais. Caso dos malefícios causados pelos produtos da empresa Monsanto ao leite das vacas e, em consequência, aos consumidores do mesmo. Caso dos malefícios causados pelo Agente Laranja da mesma empresa aos soldados americanos e aos cidadãos vietnamitas durante o tempo em que foi usado – Guerra do Vietnã de 1958 a 1975. Caso do imenso desgaste social causado na sofrida Bolívia com a privatização da água, inclusive das águas pluviais, pela The Bechtel Corporation de São Francisco, cujos interesses eram garantidos pelo governo, inclusive mediante repreensão brutal aos populares que lutavam pelo mais natural direito humano de acesso aos bens básicos. Caso ainda da vinculação dessas instituições – como visto no documentário: Coca-cola; General Motors; Ford; J. P. Morgan; Dupont; Goodyear e IBM, dentre outras – com governos totalitários, destacando-se a Alemanha Nazista e a Itália Fascista.


Assim, é imprescindível frisar, a partir dos exemplos anteriores e dos vindouros, a tendência das corporações a externalizarem o máximo possível de custos, o que acaba por determinar a constatação de sua psicopatia.

Moldada, legalmente para tal, toda empresa deve zelar pelos interesses financeiros de seus donos, sua preocupação única é com seus acionistas e faturar o máximo possível num trimestre é seu sumo objetivo. A corporação é uma pessoa, pois a lei a reconhece como tal e lhe confere personalidade, dizendo que a mesma sempre tem de agir em interesse próprio. Esse é o imperativo legal das corporações (ibidem). Esta estrutura legal básica acaba por equiparar a corporação a um psicopata, através dos caracteres seguintes:

1.  Descaso pelos sentimentos alheios;

2.  Incapacidade de manter relações duradouras;

3.  Descaso pela segurança alheia;

4.  Insinceridade: repetidas mentiras e trapaças para obter lucro;

4.  Incapacidade de sentir culpa; e

5.  Incapacidade de seguir as normas sociais de conduta dentro da lei (ibidem).

De volta aos fatos históricos, é válido destacar aqui, enquanto analistas das Relações Internacionais, a interessante e intrínseca conexão entre a ascensão do fascismo na Europa e a consciência dos extremistas sobre o poder corporativo, vista a percepção de que o mesmo cresceu no citado continente com ajuda das grandes corporações. Os investimentos na Itália e na Alemanha subiram expressivamente quando, respectivamente, os estadistas Mussolini e Hitler assumiram o poder no contexto da Grande Depressão de 1929. O despotismo pode ser assaz benéfico para garantir mercados estrangeiros e buscar lucros, além de impor controle aos trabalhadores – mantendo os salários ao nível de subsistência mediante quebra da unidade operária e do poder sindical com veemente repressão aos esquerdistas radicais.

A tentativa de golpe fascista, na dita pátria da democracia e da liberdade humana, envolveu o condecorado General Smedley Darlington Butler, o qual ajudou a pacificar o México para petrolíferas americanas, o Haiti e Cuba para o National City Bank, a Nicarágua para a Brown Brothers Brokerage, a República Dominicana para interesses açucareiros, Honduras para companhias de frutas e China para a Standard Oil – demonstrado aqui o imenso poder das corporações sobre as unidades estatais e, pois, sobre as relações internacionais. Seus serviços foram buscados nos anos 30 por grandes corporações americanas – entre elas: a J. P. Morgan, a Dupont e a Goodyear – quando o presidente Roosevelt atuava a fim de atenuar a miséria da Depressão através de obras públicas e da imposição de normas mais rígidas sobre as atividades corporativas nos planos de sua nova política: o New Deal – de inspiração eminentemente Keynesiana. Nesse sentido, em 1934 esse grupo de conspiradores propôs ao general que ele liderasse uma organização de veteranos composta por 500 mil homens para intimidar o governo e assumir suas funções. Revelada a trama pelo próprio militar, o golpe foi frustrado e Butler absolvido.

Nesse sentido, pelo acima disposto, fica evidente que as corporações e os governos trocam ideias e trabalham em conjunto. Mais ainda: ao dizer que, no passado, o Estado se beneficiava com as atividades corporativas – as quais funcionavam sob seus limites e sua supervisão – e, portanto, conferira a ela maior autonomia com o passar dos anos, determinando uma mudança de curso – em que, hoje em dia, são essas instituições que dão maior ou menor autonomia aos Estados conforme seus interesses –, o documentário deixa mais que evidente o já supracitado poder e influência destas empresas sobre as relações internacionais. Seja sobre a ótica realista, que reconhece apenas os Estados como atores internacionais, mas percebe estes como marcados por interesses alheios. Seja sob a ótica do Neoliberalismo Institucionalista, que frisa o papel das Instituições como o Direito e as Organizações Internacionais – dentre estas, as Multinacionais – nas mencionadas relações. Seja sob a ótica da Corrente Marxista das Relações Internacionais, a qual analisa o Sistema Internacional a partir da dialética de poder entre os diferentes atores e seus respectivos interesses – dentre os quais, poderíamos acrescentar, a partir do documentário A Corporação, destacam-se os interesses das grandes corporações.



Referências bibliográficas

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. Vol 1. 25ª Ed. Saraiva, 2008.

HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 17-78.

NOVO CÓDIGO CIVIL, 2002. Vade Mecum acadêmico de direito / Anne Joyce, organização. 6. d. São Paulo: Rideel, 2008. (Coleção de leis Rideel).

A Corporação (The Corporation). Direção: Joel Bakan.​






Filme: ‘The Corporation’




Por Giuseppe Regina




As corporações eram insignificantes 150 anos atrás, todavia, hoje, elas são onipresentes e dominantes no cenário mundial. Interferem na política, cultura, economia e destinos de quase todos os países. O filme 'The Corporation' mostra a natureza, a evolução, o impacto e o prognóstico do futuro das corporações. No início, as empresas eram personificadas pelos seus donos, que eram responsabilizados por qualquer erro cometido no âmbito de suas atividades. Entretanto, no fim do século XIX, as corporações tiraram vantagem da 14ª emenda da Constituição Americana, permitindo assim que as corporações se tornassem pessoas jurídicas com limitada responsabilidade recaindo sobre os donos das mesmas. Portanto, as corporações passaram a se servir como escudos para que seus donos e gestores tomassem decisões sem terem que prestar contas, até que eclodisse a crise de confiança que abalou algumas grandes corporações ao redor do mundo, como por exemplo, a ERON, WORLDCOM, PARMALAT e etc.

O documentário afirma que as corporações se vangloriam que estão sempre criando produtos que melhoram a vidas das pessoas e por isto preenchem seu objetivo de “responsabilidade social”, mas na verdade o único objetivo de uma corporação é maximizar a riqueza dos seus acionistas, e por isto produzem lucros crescentes ao longo do tempo. Para atingir este objetivo, as corporações externalizam custos que não estão diretamente ligados a sua produção ou seu ambiente interno. Por exemplo, as montadoras de automóveis produzem milhares de carros anualmente, porém não são responsáveis por construir estradas ou alargar as existentes para evitar congestionamentos. O Estado é quem é o responsável por resolver tal impasse. Entretanto, estas mesmas corporações que diziam que melhoravam a vida das pessoas, tinham dificuldades de lidar com a qualidade de vida de seus funcionários. As corporações tomavam decisões objetivando pagar salários mais baixos, e quando isto não era possível, transferiam sua produção para países com mão de obra barata, permanecendo nestes países até quando a mão de obra ficar caro, partindo então para outro país com mão de obra barata e assim sucessivamente. Inclusive, muitas corporações já utilizaram mão de obra infantil por causa do seu baixo custo.

Segundo o filme, as corporações também tomavam de decisões que acarretava danos à saúde do ser humano ao longo do tempo. Foi a partir de 1940, que novos produtos químicos foram criados que se caracterizavam pelo baixo custo e fornecimento ilimitado. Por exemplo, foi criado o pesticida DDT que foi largamente utilizado na agricultura e na desinfecção de pessoas e lugares. Porém, depois de vários estudos ao longo do tempo, verificou-se que o pesticida DDT e outros produtos químicos causavam problemas para a saúde do ser humano e até mesmo a morte. Muitas das corporações que desenvolveram tais produtos químicos, tentaram reduzir os risco deste produtos para a saúde do ser humano, e divulgavam que tinham conseguido tal proeza, porém a maioria das corporações sabiam que ainda assim seus produtos causavam danos a saúde das pessoas que utilizavam direta ou indiretamente seus produtos.

Não só as corporações criavam produtos que faziam mal ao ser humano, mas também se descuidavam dos animais. Elas se utilizavam de animais para testar seus novos produtos, e alguns destes produtos eram aprovados para utilização ou consumo pelos seres humanos, apesar das corporações terem conhecimento de riscos a saúde do animal e um risco potencial para intoxicar seres humanos. Um exemplo disto, foi a vacina desenvolvida pela Monsanto para aumentar a produção de leite nas vacas do sul dos EUA. Apesar da empresa saber que a vacina trazia riscos para as vacas, ela omitiu este fato para os produtores e os consumidores. Consequentemente, os produtores precisavam administrar antibióticos nas vacas para que as mesmas não desenvolvessem infecções e, por conseguinte, as pessoas consumiam o antibiótico indiretamente ao beber o leite.

As corporações também afetavam negativamente o meio ambiente, denuncia o documentário. As mesmas extraem recursos da natureza, processa-os em forma de produtos e devolve para a natureza em forma de dejetos industriais, além do lixo produzido pelos consumidores destes produtos. O sistema de suporte a vida do planeta está morrendo pouco a pouco, o efeito estufa é um exemplo disto. As corporações não estão se esforçando para mudar este quadro de tragédia ambiental. Por exemplo, os EUA, por solicitação de suas corporações, não assinaram o Protocolo de Kyoto, que prevê a redução de emissão de gases tóxicos na atmosfera, e este é um problema que será deixado para as futuras gerações resolverem. As corporações sempre calculam o custo/benefício para tomar qualquer decisão, neste caso é mais barato pagar multas ou acordos do que o custo de mudar processos e/ou desenvolver novas tecnologias para prevenir esta situação.

Em determinado momento, o documentário expõe o que ele chama de “Princípios Monstruosos”, comentado que a corporação é uma instituição que segue princípios errados do ponto de vista moral e ético. Entretanto, o mesmo afirma que as corporações são formadas por profissionais que tem elevada noção de moral e ética, e por que eles não conseguem mudar esta cultura das corporações? A resposta é que estes profissionais temem serem demitidos. Portanto, estes profissionais têm que continuar a fazer o que é moralmente errado, se quiser continuar a trabalhar em determinada corporação. Um exemplo chocante foi o relato de um broker que afirma que “existem oportunidades na devastação” se referindo ao ataque de 11 de setembro às torres gêmeas, e assim que soube do acontecimento perguntou “como está nossa posição de ouro?”. Isto é consequência dos “Princípios Monstruosos” que obriga aos profissionais produzirem lucros crescentes a qualquer custo.

Entretanto, esta busca por lucros crescentes não está restrita só aos profissionais das corporações e seus donos majoritários. Com a pulverização das bolsas de valores muitas pessoas de moral e ética exemplares são donos de pequenas porções destas corporações, e todos elas querem que valor das ações cresçam e que a corporações paguem dividendos dos seus lucros. Será que os pequenos investidores vão exigir mudanças na forma das corporações fazerem negócios? Existe lucro moral? As aposentadorias privadas estão calcadas neste cenário, quem vai querer por em risco sua aposentadoria privada? Este é um paradoxo que o mundo capitalista terá que resolver. Em outra vertente, as corporações estão patenteando genes humanos, filtram informações do público, influenciam governos e insuflam guerras entre outros pecados da moral e da ética. Como lidar com estes todos estes desvios de condutas se as economias precisam dos empregos ofertados pelas mesmas e os governos precisam recolher impostos para aplicar em políticas públicas?

Em resumo, as corporações são monstruosas em sua essência para poder atingir seus objetivos de gerar riqueza a seus acionistas (tanto os majoritários como os minoritários). Além disso, as corporações vivem em um ambiente hostil a sua existência e travando disputas jurídicas de toda sorte, porque faz mal aos seres humanos, aos animais, ao meio ambiente e não é condescendente com seus empregados. Claro que as corporações são monstruosas, porém existe um relacionamento simbiótico entre a sociedade, o Estado e as corporações que nunca deixará de existir, pois cada um depende do outro para existir. Portanto, deve haver limites para as corporações e estes limites têm que ser impostos pelo Estado e pela sociedade.

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