terça-feira, 25 de outubro de 2016

Carmen Lúcia, uma Ministra sem noção

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Jornal GGN, 25/10/16



Carmen Lúcia, uma Ministra sem noção

 

Por Luis Nassif




A Ministra Carmen Lúcia é fruto direto da espetacularização da Justiça que ocorreu a partir da AP 470. O jornalismo de celebridades abriu uma porta para Ministros com menor potencial analítico. De repente, se deram conta de que poderiam ganhar protagonismo explorando frases de efeito, mas, principalmente, obedecendo ao roteiro preconizado pelos grupos de mídia.

E, como o palanque da mídia não obedece a rituais, a procedimentos, a limites impostos pela própria Constituição, com suas declarações e decisões Carmen Lúcia vem extrapolando de forma temerária as atribuições do STF (Supremo Tribunal Federal), mostrando um amplo desconhecimento sobre as relações entre poderes.

Ontem assumiu a posição de líder corporativa, atacando o presidente do Senado por críticas dirigidas a um juiz de primeira instância, mostrando – ela própria – um populismo e uma falta de decoro indesculpável nas relações com outro poder da República.

Agora, pretende colocar o STF no centro de uma política de segurança interna, inclusive com a convocação do Estado Maior das Forças Armadas, Ministérios da Justiça e da Defesa, para definir sabe-se lá o quê.

Sua falta de noção não tem limites. E o palco aberto pela mídia permite-lhe toda sorte de abusos verbais.
Carmen Lúcia, assim como Ayres Brito, surfou nas asas do lulismo. Depois, abjurou. Nada demais se abjurasse em relação ao partido, não às suas crenças pessoais. Mas, de defensora de direitos humanos, foi se tornando, cada vez mais, uma avalista dos discursos de ódio e defensora da política mais temida pelos especialistas em direitos humanos: a militarização da segurança pública.

Dos blogs de esgoto, assimilou o chavão de que a única forma de censura é a do politicamente correto. Como se expressões como "negro bandido", "feminista sapatona", "viadinho" representassem o exercício da liberdade de expressão.

Ou então, o uso inexcedível da palavra canalha:

- Nós, brasileiros, precisamos assumir a ousadia que os canalhas têm

Assim como Ayres Brito, Carmen Lúcia vale-se do paradoxo do exibicionismo da simplicidade. Lembra o ex-ponta esquerda da seleção, Dirceuzinho: “Eu tenho uma humildade fora de série”.

Na sua posse, a descolada Carmen Lúcia aboliu os rituais e, com a simplicidade dos muito humildes, convocou um dos popstars brasileiros, Caetano Veloso, para cantar o Hino Nacional.

Se diz contra o uso da palavra “Corte” ou do tratamento de “Excelência” porque dotada de uma humildade fora de série. E tem especial predileção em recorrer à sabedoria caipira, banalizando uma das mais antigas e interessantes culturas do país.

Certa vez, o embaixador Walther Moreira Salles reagiu quando a imprensa começou a tratar determinado político depreciativamente como caipira:

- Caipira é o sujeito que, a partir do seu canto, consegue entender o mundo. Ele não é caipira: é apenas provinciano.

Julgando o caso de um juiz que abrigou um advogado em sua casa, Carmen Lúcia saiu-se com essa pérola:
- Não me digam que porque é no interior, que não tem lugar para morar. Tem em todo lugar. Quem leva alguém para dentro de casa há de saber, a minha mãe, como a mãe de todos aqui, deve ter dito a mesma coisa: diga-me com quem andas que te direis quem és.

Mãe é mãe. Ou então, confundindo ética pessoal com o conhecimento da ética:

- Não quero que alguém se forme em ética depois. Eu quero que quem concorra [nos concursos] tenha condições éticas.

Não explicou de que forma o candidato iria apresentar as “condições éticas”. Provavelmente através de atestado médico.

Ou então, esse primor do lirismo macabro, que superou o próprio Nelson Cavaquinho:

- Quando me encontrarem morta, ninguém vai me ver de braços cruzados, diante do que tem sido a minha luta para que a gente tenha um Brasil justo.

A frase mais célebre, que nem o Conselheiro Acácio conseguiria superar:

- Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça. A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja.

 

A comandante e seus subordinados

Nos postos de comando que exerceu, deixou mágoas em muitos funcionários por seu estilo brusco, autoritário, muito diferente da imagem pública da doce professorinha mineira.

Na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em pelo menos duas ocasiões cometeu erros graves e tentou jogar nas costas dos funcionários.

Um dos episódios foi na divulgação dos filmetes de educação eleitoral. A agência de publicidade preparou 14 prospects de filmetes. Carmen deveria aprovar a proposta, antes que fossem confeccionados. Demorou e só liberou 9.

Quando o TCU cobrou a não veiculação dos 15 filmes, quis jogar o funcionário na fogueira. Recuou apenas quando se deu conta de que ele estava bem documentado sobre os motivos da não veiculação dos 6 filmetes.

Outro episódio grave foi na entrega dos CPFs dos eleitores para a Serasa Experian. A autorização partiu de Carmen Lúcia. Quando o escândalo estourou, jogou a responsabilidade sobre uma funcionária do TSE.

 

A gerente confusa

Embora aprecie usar palavras-chave do gerencialismo – como transparência, eficiência, racionalidade - Carmen Lúcia deixou inúmeras dúvidas sobre sua capacidade na organização de processos.

No TSE, os juízes conversavam antes e os processos onde havia consenso eram apresentados e votados em bloco. Deixava-se para o plenário apenas aqueles nos quais os advogados solicitassem sustentação oral ou que não houvesse consenso entre os juízes.

Quando assumiu a presidência, Carmen Lúcia passou a colocar todos os processos em votação individual, com sessões que se estendiam muitas vezes até às 22 horas.

Mais que isso, ordenou a separação em grupos distintos os agravos regimentais e os recursos especiais. O agravo é feito justamente no âmbito de um recurso especial que não foi recebido. Se o agravo for bem-sucedido, passa-se ao julgamento do recurso especial. Portanto, ambos - o recurso especial e o agravo - fazem parte de um mesmo processo. Separando ambos, provocou-se uma barafunda nos processos, mostrando falta de visão na organização do trabalho interno.

Defensora da celeridade da Justiça, suas gavetas guardam há anos processos complexos, que exigiriam um bom nível de discernimento.

Sua falta de discernimento ficou patente em uma ação que buscava reservas de vagas para deficientes na Polícia Federal. Uma ação individual pela vaga acabou transitando em julgado. Quando a ordem chegou para a PF, os delegados vieram em peso falar com Carmen Lúcia. Já tinha passado a fase de recurso. Mesmo assim, ela proferiu uma decisão de esclarecimento, figura esta que não existe no Código de Processo Civil. Numa sentença surreal, disse que a PF deveria fazer reserva, mas poderia dizer de antemão qual deficiência seria aceita ou não.

O Ministério Público Federal entrou com recurso mostrando as contradições da sentença, mas ela indeferiu alegando que a decisão já tinha transitado em julgado.

Hoje em dia, quem defende cotas na PF usa a sentença de Carmen Lúcia. E quem não aceita, usa também, mostrando sua dificuldade em decidir sobre temas complexos.

Em vez de clarear, confundiu mais ainda.

Defensora da celeridade nos julgamentos, desde 21 de abril 2013 dorme nas gavetas de Carmen Lúcia a ADIN 4234 (http://migre.me/vkVNY), que trata da questão da patente pipeline. Foi proposta pelo então Procurador Geral da República Antônio Fernando de Souza, atendendo a uma representação da Federação Nacional dos Farmacêuticos, em cima das decisões da Rodada Uruguai da OMC (Organização Mundial do Comércio) e da Lei de Patentes.

Dispõe sobre a questão das patentes, o que seria novidade, o que seria domínio público e quais seriam passíveis de retroatividade. Dependendo da decisão, terá grande impacto no custo dos medicamentos.
Como é tema complexo, que não se resolve com uma frase de efeito, dorme em gaveta esplêndida, enquanto Carmen Lúcia se preocupa em reorganizar a segurança pública.


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Jornal GGN, 25/10/16



As declarações polêmicas de Cármen Lúcia no passado



Por Patrícia Faermann


Apesar de espaço nas manchetes e capas de jornais surgirem somente agora, quando ocupa a Presidência do do Supremo Tribunal Federal (STF), os deslizes manifestados pela ministra Cármen Lúcia não são novidades ou frutos do protagonismo que absorve na cadeira da última instância. Isso porque no passado, quando questionada, já mostrava falta de cuidado com manifestações pessoais, não condizentes com a postura que o posto impõe. 

Como de costume e da mesma forma que neste ano, a ministra participou de um evento organizado pela Associação Nacional de Editores de Revista (ANER) em 2014. Na ocasião, além de contestar a perguntas gerais feitas pelos jornalistas, também respondeu, ao final, a questionamentos do Jornal GGN.

De manifestações contrárias ao "politicamente correto", a gafes pessoais e outros posicionamentos além da linha que competia à representante do Supremo ali presente, Cármen Lúcia revelava que a espontaneidade de suas respostas, sem cautelas ou maiores cuidados, hoje destacada pela imprensa, já era característica pessoal. 

Contra o politicamente correto
Se no encontro da ANER deste ano, ela abordou que o "politicamente correto" contraria as "liberdades em geral" e significaria "censuras estabelecidas", há dois anos, Cármen foi mais direta:

"Na década passada introduziram essa coisa, que eu tenho pavor, que se chama ‘politicamente correto’. Com todo respeito pelos que acham que é bom, eu acho que essa ideia de pensamento único é não ser livre."

"Todo mundo não é igual. A intolerância tem gerado uma frustração, essa frustração gera a ira, a ira se transforma em fúria e está indo para a praça pública", raciocinou, completando: "Na minha juventude, nós estávamos aceitando tudo, desde que fosse a favor da liberdade, é proibido proibir, e a gente queria um Brasil livre. Eu continuo querendo o Brasil livre, até porque eu não consigo viver sem isso."

Heranças da ditadura
Se hoje, a ministra dá conta de que pretende redefinir a Segurança Pública, convocando as Forças Armadas, Ministérios da Justiça e da Defesa, apesar de relembrar que se formou em Direito em plena ditadura do regime militar, em 1977, chegando a escolher pelo Direito Constitucional cinco anos depois, como ela mesmo descreveu, "a especialidade mais complicada para o período", Cármen Lúcia guarda resquícios do conservadorismo da época.

Isso porque durante aquele workshop de 2014, defendeu em diversos momentos o que ela aprendeu de Educação Moral e Cívica, disciplina sustentada pelos ditadores para estabelecer valores na sociedade adequados ao ideal de segurança nacional.

Mas, contraditoriamente para ela, a "censura" do "politicamente correto" nos meios de comunicação e imprensa e a falta de liberdade no Brasil neste sentido e também em votações e direitos dos cidadãos ocorre por "falta de educação cívica". "Como é que nós chegamos a isso? Falta educação cívica. Nós brigamos para poder escolher os representantes do diretório acadêmico, não podia, tinha o decreto 477 que proibia".

"Os meus alunos reclamam que na campanha para os candidatos do diretório os colegas não querem votar. Gente, eu voto até para síndico do condomínio. Eu saio de Brasília e vou a BH, e xingo, olho as contas, e falo, e reclamo. Porque foi muito difícil chegar a isso aqui", completou, em certa contradição.

Gafes
Em clara demonstração de não medir os limites de suas declarações, Carmen Lúcia relatou naquele workshop um episódio de autoritarismo, em tom de piada:

"Outro dia eu falei com um juiz do trabalho, que disse: ministra, mas a senhora não acha... Primeiro, eu não acho, eu voto, eu decido. Ele disse: eu estava falando para florear, para a senhora não ficar de mandona. Não, meu filho, eu obedeci a Madre Superior, minha mãe, meu pai, namorado, professor, agora eu mando. Adoro mandar. Eu mandei, cumpra."

E continuou: "Mulheres, depois que passa dos 50, a gente gosta mesmo é do sim senhora, não é do eu te amo. Se tiver o eu te amo junto, aí isso é um Deus. Sim senhora e eu te amo, aí é realização total".

Seleção ao STF
Ao comentar ao GGN sobre o atual processo de escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia afirmou que não consegue "pensar num modelo melhor do que o que se tem no Brasil".

Para ela, é positivo todo o processo que ocorre atualmente: "o Senado sabatina, indicou, cortou o cordão umbilical. Não, por acaso, quando você chega ao Supremo, eles mandam escolher qual é o nome que você vai adotar. Aqui, você não é Carminha, Carmen Rocha. Vai ter um nome que o jurisdicional vai conhecer", comentou.

Criticado por organizações e entidades por não possibilitar a participação da sociedade, a atual seleção também mantém o status de que os próprios indicados pelo presidente da República não podem ser "desconhecidos", devendo carregar certa popularidade. "Para se ter uma ideia da seriedade que se leva a isso, não significa que seja o que o povo quer, nem sequer o que a comunidade jurídica acharia melhor", defendeu.

Independentemente da forma como é feita e partido da indicação do presidente da República, Cármen Lúcia defendeu a isenção dos juízes, fazendo um paralelo polêmico: "eu tenho que deixar meu fígado no congelador lá de casa, antes de ir para o tribunal. E eu não posso ter de prestar contas a um ou outro eleitor, pela singela circunstância de que o dia em que o juiz prestar contas a alguém, a injustiça é certa".

E apelando para relatos pessoais: "Estou brigando a minha vida inteira, exercendo um cargo público muito difícil, porque só – ainda mais com o meu temperamento – quem está lá é que sabe a dificuldade, o sofrimento que é, noites e noites sem dormir, ‘será que eu fiz certo mesmo, era isso?’".

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