Auditorias acusam bancos de fraudar execuções de hipotecas nos EUA
Shahien Nasiripour (*) - Huffington Post
Um conjunto de informações confidenciais de auditorias federais acusam cinco dos maiores bancos dos Estados Unidos de fraudar os contribuintes no processo de execuções de hipotecas de casas compradas com empréstimos, disseram ao The Huffington Post quatro funcionários informados sobre as conclusões das investigações.
As cinco investigações foram conduzidas separadamente pelo inspetor geral do Departamento de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (HUD) e examinaram o Bank of America, JPMorgan Chase, Wells Fargo, Citigroup e Ally Financeiro, disseram as fontes.
As auditorias, realizadas entre fevereiro e março deste ano, acusam as cinco empresas de violar a False Claims Act, uma lei da época da Guerra Civil, criada como uma arma contra as empresas que burlam o governo. O escritório de ouvidoria interna do HUD encaminhou as suas conclusões ao Ministério da Justiça, que deve agora decidir se apresentará acusações contra as referidas empresas.
As auditorias federais representam as últimas consequências da crise imobiliária nos EUA que se seguiu ao fim de uma bolha imobiliária de longa duração. Em meio a relatos feitos no ano passado de que grandes instituições de crédito aceleraram indevidamente a execução de hipotecas, sem reunir a documentação adequada, os órgãos federais decidiram realizar suas próprias investigações.
Os relatórios resultantes dessas investigações consideram como verdadeiras as acusações feitas às empresas, disseram as fontes do Huffington Post. Funcionários do governo estão agora usando esses documentos nas negociações em curso com as empresas de hipotecas para forçá-las a pagar multas em função dessas denúncias de irregularidades nas execuções hipotecárias.
As auditorias concluíram que os bancos efetivamente enganaram os contribuintes apresentando alegações falsas à Federal Housing Administration (FHA): eles entraram com pedidos de reembolso federal em casas hipotecadas que foram vendidas por um valor inferior ao do saldo dos empréstimos pendentes usando documentos irregulares para isso.
Duas das empresas, incluindo o Bank of America, se recusaram a cooperar com as investigações, de acordo com as mesmas fontes. A auditoria do Bank of America considerou que a empresa – detentora da maior carteira de empréstimos à habitação - não corrigiu as práticas irregulares, mesmo após a imposição de uma moratória, em outubro passado. Naquela época, o banco disse que estava retomando as execuções, garantindo que os problemas anteriores tinham sido resolvidos.
Segundo as mesmas fontes, a investigação sobre o Wells Fargo concluiu que gerentes da empresa, o quarto maior banco americano em ativos, infringiram leis civis. O inspetor geral da HUD entrevistou um par de escriturários públicos da Carolina do Sul que admitiram "problemas" com assinaturas em papeis de execução hipotecária para Wells Fargo.
As investigações batem com outros levantamentos realizados por órgãos estaduais e federais, que também examinaram processos de execução de hipotecas em meio a relatos generalizados de irregularidades que teriam sido cometidas por essas empresas, envolvendo um número desconhecido de proprietários estadunidenses.
A FHA investigou, em maio passado, se os bancos trataram adequadamente mutuários em dificuldades para pagar ou cujas casas, que tinham empréstimos segurados pela agência, foram apreendidas.
Uma unidade do Departamento de Justiça está examinando documentos judiciais suspeitos apresentados em processos de falência. Vários estados, incluindo Illinois, estão vasculhando processos de execução para avaliar a extensão das irregularidades, incluindo despejos ilegais de moradores.
Representantes do HUD e seu inspetor geral se recusaram a comentar o caso.
Nas auditorias internas, os funcionários estaduais estão armados com uma arma nova e poderosa: multas punitivas para os bancos acusados de irregularidades.
Uma coalizão reunindo procuradores-gerais de todos os 50 estados, supervisores bancários, HUD, Departamento do Tesouro, Departamento de Justiça e a Comissão Federal de Comércio mantem conversações com as cinco maiores empresas para tratar das acusações de execuções hipotecárias ilegais e outras práticas irregulares.
“Esses processos podem ter infectado milhões de execuções hipotecárias", disse Sheila Bair, presidente da Federal Deposit Insurance Corporation (agência reguladora bancária), a um painel do Senado na quinta-feira da semana passada.
As cinco gigantes que, em conjunto, são responsáveis por três em cada cinco empréstimos à habitação, ofereceram pagar US $ 5 bilhões para criar um fundo destinado a ajudar os mutuários em dificuldades e compensar os problemas citados nas denúncias.
Esta proposta - também lançada pelo Escritório de Controladoria da Moeda, em fevereiro - foi considerada muito baixa pelas autoridades estaduais e federais. O Procurador Geral dos EUA, Tom Perrelli, que vem liderando as negociações, ameaçou mostrar as auditorias confidenciais para que os bancos entendessem que o governo não estava brincando, disse um funcionário envolvido nas negociações. Ele não está convencido de que os relatórios devem permanecer confidenciais, disseram as mesmas fontes. Através de um porta-voz, Perrelli se recusou a comentar o assunto.
A maioria dos bancos investigados diz não ter visto as auditorias, embora estejam cientes das descobertas, segundo um funcionário federal.
Algumas agências envolvidas nas negociações estão pedindo aos cinco bancos para desembolsarem até US $ 30 bilhões para “corrigirem os problemas”. Mas mesmo esse número ficaria abaixo de uma compensação legítima para práticas nocivas dos bancos, diz a recém-criada Agência Federal de Proteção Financeira ao Consumidor.
Os “atalhos” adotados na execução de hipotecas de mutuários com problemas permitiram às grandes empresas “salvarem” para si mesmas mais de US $ 20 bilhões desde a crise imobiliária que começou em 2007, segundo uma apresentação confidencial preparada por procuradores gerais e obtida pelo Huffington Post. Aqueles que lutam por multas mais altas argumentam que a crise imobiliária gerou maiores (e mais caros) problemas sociais, com o deslocamento de famílias, a queda continuada nos preços das casas e a eliminação da poupança das famílias.
O Departamento de Justiça está pensando em usar as auditorias como base para ações de execução civil e criminal, disseram as mesmas fontes. O The False Claims Act permite ao governo recuperar os danos no valor de três vezes o prejuízo causado, além de sanções acessórias.
No início do mês, o governo dos EUA decidiu processar o Deutsche Bank AG – um dos dez maiores bancos do mundo – pedindo uma indenização que pode ultrapassar US$ 1 bilhão, por causa de anos de práticas de empréstimos imprudentes e apresentação de dados fraudulentos.
Em março, o inspetor geral do HUD descobriu que mais de 49% dos empréstimos subscritos pela FHA não atendiam os requisitos da agência. Em outubro de 2010, Shaun Donovan, secretário do HUD, disse que sua investigação descobriu que vários bancos infringiram as regras da agência, ao tratar de mutuários inadimplentes.
Os resultados de todas essas investigações podem resultar ainda em medidas administrativas contra as empresas. Além disso, as ações do Estado e as acusações de fraude e de violação dos direitos dos consumidores em tribunais locais provavelmente obrigará os bancos a oferecer mais dinheiro para “resolver tudo”. Mas isso pode não ser suficiente. Procuradores gerais de vários estados, de posse do que consideram ser provas incontestáveis de fraudes, querem aprofundar a investigação.
O estado de Illinois já começou a examinar documentos possivelmente fraudulentos e a investigar o papel desempenhado por uma unidade da Lender Processing Services. Nevada e Arizona já entraram com processos contra o Bank of America. A Califórnia está interessada em abrir sua própria investigação. Delaware enviou uma intimação a Mortgage Systemas Inc., exigindo respostas para 75 perguntas. E o procurador geral de Nova York, Eric Schneiderman, também quer uma investigação completa sobre a prática de empréstimos fraudulentos, falsificação de documentos e execuções irregulares de hipotecas.
As violações já identificadas são provavelmente apenas uma pequena fração do número total de irregularidades cometidas pelos bancos, dizem especialistas, citando a pequena amostra examinada pelos reguladores. Em um relatório de abril, supervisores bancários federais disseram que "não pode fornecer uma estimativa confiável do número de execuções hipotecárias que não deveriam ter acontecido”.
Os preços das casas caíram durante o ano passado, revertendo os ganhos obtidos no início da recuperação econômica. As vendas de casas novas seguem deprimidas, de acordo com o Departamento de Comércio. Mais de um quarto dos proprietários de casas com hipotecas devem mais do que o valor de sua casa. E mais de 2 milhões de casas estão em processo de execução hipotecária.
Ao invés de punir os bancos por crimes, o governo agora está focado em ajudar os mutuários em dificuldades, na esperança de que isso possa estancar a enxurrada de execuções de hipotecas e aumentar a confiança dos consumidores, disseram funcionários envolvidos nas negociações. Os investigadores de diversos Estados querem, porém, impor pesadas multas aos bancos. Cada estado poderia usar esse dinheiro para ajudar os mutuários inadimplentes, facilitando a venda das casas, reduzindo o principal da hipoteca ou usando fundos especiais para subsidiar o aluguel de residências.
(*) Shanien Nasiripour é repórter senior na área de Economia & Negócios, do Huffington Post.
Tradução: Marco Weissheimer
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