São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011
Mercado passa ao largo da crise política
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Em destaque, a operadora de mesa da corretora Prosper Fernanda Raccah, que atua no mercado de compra e venda de ações
MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO
Às oito e vinte da manhã da última sexta-feira, o taxista comenta a notícia que se repetia no rádio: "Será que ele vai conseguir se explicar?" O motorista se referia ao ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, que falaria pela primeira vez sobre o aumento de seu patrimônio.
Cerca de quinze minutos depois começa uma reunião de economistas numa corretora de valores. O clima é outro. "E o Palocci?", questiona uma economista, já quase no fim da reunião.
O debate é rápido e se encerra com a impressão dos analistas de que, numa eventual queda do ministro, "a bolsa cai pontualmente e há alguma inclinação dos juros [alta projetada para a taxa, no jargão financeiro]".
Na prática, uma reação pessimista pequena e breve.
A previsão descrita é bem diferente daquela que, há quase uma década, assombrou petistas. A vantagem de Lula nas pesquisas em 2002 provocou a disparada do dólar, as bolsas despencaram e os investimentos estrangeiros revoaram.
O medo de reações negativas do mercado financeiro passou a ser mais um risco a ser calculado pelos políticos.
Desde então, dois ministros importantes perderam o cargo: José Dirceu, da Casa Civil, em 2005, e Antonio Palocci, da Fazenda, em 2006.
Em ambos os casos, o mercado tremeu. Na substituição de Palocci pelo atual titular, Guido Mantega, temeu-se uma radicalização à esquerda e perda de poder do Banco Central. No segundo mandato de Lula, o país cresceu mais e com menos inflação do que nos primeiros anos.
O comportamento das cotações, desde que a atual crise política se instalou, indica que o enfraquecimento de Palocci (ou até a sua saída) não abalam mais o mercado. Justo ele, que até há poucos meses era tido como o fiador de uma política fiscal austera do governo Dilma Rousseff. "O governo está fazendo esforço fiscal sem Palocci na Fazenda", diz o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima.
A Folha acompanhou a rotina na corretora de valores Prosper na última sexta-feira. Pela manhã, o ministro Mantega e o presidente do BC, Alexandre Tombini, davam entrevistas.
Mas o mercado reagia aos dados negativos dos EUA, que foram divulgados às 11h.
Em um minuto, 200 negócios foram fechados em apostas para a bolsa daqui a um mês, com alta de 0,31%.
Para muitos analistas, os estrangeiros estão voltando a investir mais fortemente no Brasil, já que lá fora as economias líderes patinam.
Além disso, segundo o economista-chefe da Prosper, Eduardo Velho, a inflação em queda neste momento reduz a necessidade de mais medidas do BC para conter o consumo. "Com isso, o risco doméstico caiu."
A preocupação de investidores pode aparecer se o desgaste de Palocci se estender, com novas denúncias. Até agora, a intervenção de Lula foi interpretada como benéfica para rearrumar a casa.
Outro componente que pode alterar o humor dos investidores é, em caso de sucessão, a indicação de nomes mais radicais. Mas isso ainda não está no radar.
Às quatro e meia da tarde, uma corrida começa na corretora. Tenta-se antecipar a compra de um grande lote de apostas para o Ibovespa (principal índice da Bolsa de Valores) de julho. A operação só seria feita se o preço caísse. Não aconteceu. No dia em que as atenções se concentravam em Palocci, as expectativas para a bolsa no prazo de um mês fecharam em alta.
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Que falta para qualquer nação fazem homens como Celso Furtado!
Que falta para qualquer nação fazem homens como Celso Furtado!
São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011
De CelsoFurtado@org para Palocci@com
ELIO GASPARI
SENHOR MINISTRO,
Sua geração leu meu livro "Formação Econômica do Brasil" procurando entender nosso país, pensando em mudá-lo para melhor. Não creio que meus leitores buscassem lições para enriquecer. Seria perda de tempo. Havia neles uma mistura de fé na nossa gente e até de solidariedade pela fantasia desfeita de um economista que foi do Ministério do Planejamento, em 1962, ao desterro voluntário, dois anos depois.
Escrevo-lhe para pedir que tire das costas do governo a carga de problemas que são seus, derivados daquilo que chamei, referindo-me ao Roberto Campos, de "temperamento concupiscente".
A cobiça por bens materiais é coisa natural. Quando ela se mistura com biografias públicas, é comum que surjam conflitos políticos. Vivi 84 anos, fui ministro de dois governos e embaixador na Comunidade Europeia, publiquei cerca de 50 livros, um deles com 34 edições. Nunca me faltou o necessário.
Acusaram-me de muita coisa, jamais de ter comprado um par de meias sem que pudesse tornar pública a origem dos recursos. Morri num apartamento de Copacabana, com padrão suficiente para meus hábitos, bastante inferior ao que o senhor comprou por R$ 6,6 milhões. (Jantei outro dia com os ex-ministros Roberto Campos, Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa de Bulhões. O Campos, com sua corrosiva maledicência, disse que as moradias dos comensais, somadas, não cobrem o preço da sua.)
Os discípulos dos meus colegas de jantar seguiram outro caminho. Depois que retornei ao Brasil, vi como fizeram rápidas fortunas, mas vi também como deixaram de fazê-las. O serviço público nada rendeu à minha querida Maria da Conceição Tavares ou ao Carlos Lessa.
Talvez sejamos uma espécie em extinção. Gente que gosta de relembrar e seguir a lição que ouvi do Raúl Prebisch, o grande economista argentino. Depois de presidir o Banco Central do seu país, viu que ficara "sem meio de vida". Convidado para a direção de grandes bancos, recusou: "Como podia colocar os meus conhecimentos a serviço de um se estava ao corrente dos segredos de todos?"
O senhor privatizou sua influência e justificou a própria concupiscência invertendo o dilema de Prebisch. Foi uma escolha pessoal, e Don Raúl admite que está no seu direito fazê-la. Não estatize os reflexos de sua opção patrimonial, transferindo o ônus para um governo eleito por 55 milhões de pessoas.
Do seu patrício,
Celso Furtado
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