domingo, 12 de junho de 2011

Quando a raposa toma conta do galinheiro

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http://vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=2&id_noticia=156260

 

11 de Junho de 2011

O mistério da dívida que cresce sozinha

 

Por José Carlos Ruy
Colaborou Verônica Bercht

Uma escandalosa transferência de recursos dos cofres públicos para os bolsos dos especuladores financeiros está em curso no país. Ela é promovida pelos gigantescos aumentos de juros ditados pelo mecanismo de combate à inflação, imposto ao Brasil pelo FMI na crise de 1998/1999 e mantido em vigor até hoje. A economista Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora do portal Auditoria Cidadã da Dívida e assessora da CPI da Dívida Pública da Câmara dos Deputados (2009-2010) escreveu recentemente um artigo (Le Monde Diplomatique Brasil, junho de 2011) onde explica, com base em dados do orçamento da União para 2010, a extorsão que está na base da política macroeconômica ainda em vigor.

A inflação é controlada por dois mecanismos que, juntos, satisfazem os interesses dos especuladores e estrangulam o desenvolvimento do país. Um deles é regido pela Circular 2868/1999 do Banco Central, que estabelece o Regime de Metas de Inflação, um mecanismo de controle de preços que obriga o governo a aumentar os juros toda vez que a taxa de inflação corrente ultrapassar a taxa de inflação prevista para o ano. Ela está baseada na teoria conservadora de que a inflação existe quando o povo consome e que os juros são um freio para ela pois, ao “desaquecer” a economia, freiam o crescimento econômico, baixando os salários e, em consequência, diminuindo o dinheiro que o povo tem para gastar.

O outro mecanismo de combate à inflação está baseado no controle do volume de moeda em circulação. Esse controle é feito pelo Banco Central através das “chamadas ‘operações de mercado aberto´”, por meio das quais aquela instituição entrega títulos da dívida pública às instituições financeiras em troca do excesso de moeda nacional ou estrangeira informado pelos bancos. Quando o volume de dinheiro em circulação é alto, a teoria econômica diz haver ameaça de inflação, que o governo combate adotando medidas para “enxugar” o mercado vendendo títulos da dívida pública para os donos desse dinheiro excedente. Isto é, toma o dinheiro emprestado e paga juros por ele.

No caso brasileiro atual esse volume excedente de dinheiro é provocado pela entrada de dólares no país, basicamente na forma de investimentos especulativos. Como os dólares não podem circular no Brasil, só há duas portas de entrada para a riqueza representada por eles. Uma é a entrada de mercadorias e serviços importados que podem ser pagos com eles. A outra é sua aplicação em títulos do governo – os dólares ficam com o Banco Central, que entrega um título a seu proprietário e paga juros por ele. Estas trocas são chamadas, no jargão financeiro, de “operações de mercado aberto”.

Atualmente, os conservadores, ligados às instituições financeiras e aos que especulam com títulos da dívida pública, dizem que a inflação brasileira é de “demanda”; isto é, teria mais gente querendo comprar do que a quantidade de mercadorias disponível, e isso provocaria uma espécie de leilão que faz aumentar o preço das mercadorias. Justificam o emprego da alta dos juros contra a inflação pois, ao travar a produção e empobrecer o povo, ela diminui a procura por mercadorias fazendo, esperam eles, a inflação cair. Fattorelli contesta esta forma de pensar, afirmando que a atual inflação brasileira tem outra causa: ela seria provocada pelo aumento dos preços dos alimentos e pelos preços administrados (combustíveis, energia elétrica, telefonia, transporte público, serviços bancários etc.), que independem da relação entre oferta e procura dentro do país.

E também, poderia acrescentar, em consequência da enxurrada de dólares despejados pelo governo dos EUA no mercado internacional para resolver seus próprios problemas econômicos, com muitos efeitos perversos sobre o comportamento dos preços. Ao serem aplicados especulativamente em países como o Brasil, onde os juros são altos, uma dessas conseqüências negativas é obrigar o governo a retirar do mercado o excesso de dólares sendo desta maneira um dos fatores que alimentam o processo inflacionário.

Para combater este tipo de inflação – denominada inflação de preços –”, diz ela, “o remédio adequado é o efetivo controle de tais preços, o que poderia ser feito pelo governo sem grandes dificuldades, já que estamos falando justamente de preços administrados, que em tese devem ser geridos pelo poder público”. O controle da Petrobrás sobre o preço dos combustíveis é um exemplo deste uso dos preços administrados para manter a inflação sob controle. Ocorre que, depois do vendaval de privatizações promovido sobretudo por Fernando Henrique Cardoso na década de 1990, estes serviços estão privatizados e as empresas monopolistas que os controlam querem lucros cada vez mais altos, obtidos com o aumento das tarifas. E provocando assim, um choque inflacionário direto.

Em 2009-2010 a Câmara dos Deputados realizou uma CPI para investigar a Dívida Pública e ela apurou, diz a autora, que a forma usada pelo Banco Central para fixar as taxas de juros está longe de ser científica e envolver cálculos, por exemplo. Ela é feita – como o próprio Banco Central informou à CPI – através de consultas a “analistas independentes”, não tão independentes como a expressão sugere mas ligados principalmente aos bancos e instituições financeiras. Ligados aos especuladores que se beneficiam com a alta dos juros.  “A CPI requereu ao Banco Central os nomes dos participantes dessas reuniões e a resposta permitiu confirmar o que já se esperava: a imensa maioria deles (95%) faz parte do setor financeiro, ou seja, são representantes dos bancos, fundos de investimento ou consultores de mercado. São justamente os maiores interessados nas elevadas taxas de juros, que lhes proporcionam elevados lucros, configurando evidente conflito de interesses”, escreveu ela.

É com base nas informações interessadas destes agentes dos especuladores que o Banco Central decide se é necessário tirar dinheiro de circulação e aumentar a taxa de juros para combater a inflação. É a raposa tomando conta do galinheiro: aqueles “analistas independentes” são aquilo que a mídia apelida de “mercado”. Eles são representantes dos credores da dívida pública, ou seja, daqueles que adquirem os títulos que o governo usa para retirar dinheiro da circulação, títulos que se valorizam com o aumento dos juros e aumentam os lucros daqueles especuladores. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, em abril de 2010 estavam divididos assim: os fundos de pensão eram donos de 16% da dívida pública; os fundos de investimento, 21%; as empresas não financeiras, 8%; os bancos nacionais e estrangeiros 55%.

Aqueles mesmos “analistas independentes” ligados a estas instituições são os que, na outra ponta, difundem pela mídia análises alarmistas sobre o desempenho da economia brasileira, fomentando o medo que justifica uma política econômica conservadora, baseada em altos juros e no enriquecimento cada vez maior daqueles que se beneficiam com eles.



O gráfico acima, elaborado a partir de dados coletados pela Auditoria Cidadã da Dívida, são eloquentes. Em 2010, o orçamento da União foi de 1,414 trilhões de reais e 45% dele referiam-se aos juros, amortizações e refinanciamentos da dívida, chegando ao total de 635 bilhões de reais. As demais despesas do governo ficavam espremidas na outra parcela do orçamento: 9,2% para transferências a Estados e Municípios; 22,12% para a Previdência Social e 23,71% do orçamento para todos os outros gastos do governo, entre eles Saúde, Educação, Defesa Nacional etc. A capacidade de investimento do governo para fomentar o crescimento da economia fica evidentemente prejudicada, também, pela política de juros altos em vigor.

É uma armadilha financeira que, como uma dívida feita com um agiota, não para de crescer e vai tornando-se cada vez mais impagável. O governo não desembolsa todo ano o total dos juros devidos, mas paga apenas uma parte deles (em 2010 foram cerca de 150 bilhões de reais), refinanciando o restante. Em consequência, a parte não paga é capitalizada e engorda ainda mais a dívida pública, cujo total em 2010 foi de 2,2 trilhões de reais (superando o próprio orçamento da União) e fazendo crescer ainda mais a fatia do orçamento que representa os juros devidos aos especuladores. Por exemplo, o aumento de 0,25% na taxa Selic decidido na última quarta feira (dia 8) significa, numa tacada, um aumento de 5,5 bilhões de reais que o Tesouro Nacional passa a entregar aos especuladores da dívida pública, a título de juros. É uma despesa sem licitação e que corresponde, por exemplo, à parcela destinada para Ciência e Tecnologia no orçamento federal de 2010, ou a mais de quatro vezes o orçamento destinado à Cultura no ano passado.

São dados que mostram mais uma vez, como se fosse necessário, que o grande mal da economia brasileira, que impede o crescimento mais rápido do país e a conquista do bem estar para nossa população, é a especulação desenfreada com a dívida pública e a ciranda de juros cada vez mais altos que ela alimenta. Um cálculo feito pela Auditoria Cidadã da Dívida revela que, com aqueles 635 bilhões sugados pela especulação, seria possível, por exemplo, construir 20 milhões de casas populares (a 30 mil reais cada), ou contratar por um ano, 2 milhões e meio de médicos ganhando 10 mil reais ao mês; ou aumentar o salário mínimo dos atuais 545 reais para 2.660 reais.

Fattorelli indica alternativas para o controle da economia capazes de corrigir estas distorções. Alternativas para o efetivo combate à inflação existem”, diz ela, “e são muito mais eficientes: redução da taxa de juros; controle e redução dos preços administrados; reforma agrária para garantir a produção de alimentos não sujeitos à variação internacional dos preços das commodities; controle de capitais para evitar o ingresso de capitais abutres, meramente especulativos, e fugas nocivas à economia real; adoção de medidas tributárias apropriadas ao controle de preços. Para que essas medidas sejam adotadas, é necessário enfrentar o endividamento público, câncer que adoece nosso país e impede o curso da justiça”.

Há uma conclusão, neste debate, que interessa particularmente aos trabalhadores, mas também aos demais setores produtivos: ao aplicar uma política de juros elevados como a que está em vigor, o estado brasileiro funciona como um autêntico repassador de enormes volumes de riquezas, que são geradas no setor produtivo da economia, para as contas bancárias daqueles que vivem da especulação e do movimento do dinheiro, e que estão no Brasil e no exterior. É preciso reconhecer que esta espoliação não decorre de imposições técnicas da economia; ela é política, e resulta do controle de parcelas importantes do estado brasileiro pelos donos do dinheiro.

Mudar esta política depende da mudança da correlação de forças na sociedade e da capacidade dos trabalhadores e demais setores produtivos imporem seus interesses e objetivos, levando a uma queda no volume de juros e da dívida pública. Esta queda significa a redução do controle da riqueza nacional pelos especuladores, e este objetivo só pode ser alcançado com muita determinação e muita luta, na qual os trabalhadores precisam ter um papel decisivo.




EUA PATINAM  E O BRASIL TITUBEIA: JURO REAL VAI A QUASE 7% AO ANO

A nau da economia norte-americana prossegue à deriva sem que o comandante Ben Bernanke esboce qualquer reação, exceto confiar que a faísca  dos últimos revezes não seja a ponta de um gigantesco iceberg mais adiante. Há quem dúvide e os números lhe dão pertinência. O desemprego nos EUA  (taxa de 9,1%) não cede; o preço dos imóveis continua a declinar -ampliando-se o descasamento entre a dívida imobiliária o valor real do patrimônio de milhões de fanílias. Uma nuvem de incerteza trava a economia pelo canal do crédito: bancos não emprestam; famílias não compram; empresas não vendem; o comércio não  encomenda. O recado para o mundo tropical é que não adianta esperar pela ‘retomada' norte-americana para tocar a agenda do desenvolvimento. A retomada pode demorar mais do que otolerável pelos desafios a vencer.
Pior é associar a essa espera um cronograma mecanicista de altas dos juros, como reivindica o mercado financeiro e o BC volta a atendê-lo, elevando em mais 0,25% a Selic na primeira reunião de junho do comitê de política monetáriaA taxa básica de juro no páis passa a 12,25%. Nos EUA ela é de  0,25% para uma inflação que oscila em torno de 2%. Aqui, apesar do alarmismo ortodoxo, a curva de preços já trocou a pista de alta pela de baixa há seis semanas seguidas. Queda da inflação e aumento da Selic resultam num juro real de quase 7% ao ano. Não há nada equivalente no planeta. Nem há política prudencial capaz de equilibrar um organismo econômico que ofereça um ponto de fuga desse calibre, atraindo avalanches especulativas com os estrago sabidos. Entre eles o de transferir empregos e demanda para o exterior, via importações. O resto complica por gravidade tendo como  resultado uma agenda de governo cujo maior esforço é lutar contra o crescimento. A reversão dos juros, ao contrário, reduziria o apetite dos capitais especulativos e pouparia  transferências de receitas fiscais aos rentistas da dívida interna. Sobraria mais para o investimento público.

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