GRÉCIA: A AUTÓPSIA DE UMA ÉPOCA
Neste final de semana, governos europeus, Alemanha e França no comando, decidem quantos frascos de soro serão liberados para mitigar a agonia econômica da Grécia. Em troca, os ‘duros' exigem que o enfermo tome a extrema unção ortodoxa na forma de um testamento que aliena cerca de 50 bilhões de euros em ativos públicos a serem privatizados - leia-se, repassados aos credores. De quebra, incluem uma segunda rodada de esfoliação com novos aumentos de impostos, maiores reduções da despesa nas áreas da saúde, educação e demais serviços ‘acessórios' à grande maioria da sociedade que já descobriu o caminho das ruas.
Na falta de representações partidárias dos seus interesses -os ‘"socialistas" conduzem o ajuste'- a população ressuscita a ágora nas praças da capital. Relato do Guardian: "Na praça Syntagma, em Atenas, os paralelos com a ágora clássica são notáveis. Os aspirantes a orador recebem uma senha e são convocados ao palanque caso ela seja sorteada ... Nos debates semanais, economistas, advogados e filósofos políticos convidados apresentam idéias sobre como enfrentar a crise...Opiniões de desempregados e de acadêmicos têm tempo igual, são discutidas com o mesmo vigor e terminam submetidas a votação".
Hoje, porém, a verdadeira força da Grécia reside no fato de ser o último tampão de um incêndio devastador que ameaça a periferia da União Européia. Se o calote grego for oficializado, a Espanha cai em seguida, contaminada pela fuga em massa de credores que já exigem juros de 5,66%, nível mais alto em 11 anos, para emprestar ao Tesouro espanhol. A Espanha representa 14% do PIB europeu. Uma corrida bancária aí teria desdobramentos imponderáveis. É sobre essa fina camada de gelo que os credores privados e públicos decidem neste fim de semana o que fazer com a septicemia financeira da Grécia.
A vontade dos duros é extrair os órgãos ainda aproveitáveis e deixar o corpo sucumbir. É isso que desejam os credores privados que resistem ao apelo da Alemanha para colocar mais recursos na sobrevida do país. Não vamos deixar a zona euro cair numa catástrofe", garante Olli Rehn, comissário europeu da economia. Para isso será preciso domar a natureza própria das finanças desreguladas, ontologicamente incompatível com a mediação entre a ganância imediatista e os interesse de longo prazo da sociedade.
Não por acaso, quem exerce essa mediação no capitalismo - planejamento é a palavra - é o poder de Estado. O mesmo que foi manietado pela supremacia da lógica financeira nos últimos anos. Nesse sentido, a crise grega é, também, a autopsia de uma época.
São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2011
Quando a rua assusta a banca
VINICIUS TORRES FREIRE
A GRÉCIA SE segura com um dedo na corda bamba. A situação é periclitante a ponto de o FMI ter se resignado a emprestar um dinheirinho de emergência para o governo grego fechar as contas do mês de julho. Sem o dinheirinho, a Grécia quebra já.
Nos programas de TVs de finanças, nos blogs, nas trocas de e-mails, muita gente falava ontem em "momento Lehman" da Grécia. Trata-se de referência, claro, ao bancão de investimentos americano que foi à breca em meados de setembro de 2008, arrastando de vez o planeta para a crise financeira e para a Grande Recessão de 2008-2010. O problema agora é que a União Europeia e o FMI começam a correr o risco de serem emparedados pelo impasse político e social grego.
O que acontece se o governo grego socialista se desmanchar, sem conseguir votar mais um imenso arrocho social e econômico, como prometeu a fim de receber nova transfusão de dinheiro? O que acontece se o tumulto nas ruas derivar para uma insurreição, de modo a desencorajar qualquer nova coalizão de governo a prosseguir nas "medidas de ajuste" (recessão e achatamento da renda por cinco anos, pelo menos)?
União Europeia e FMI virariam as costas? Deixariam a Grécia dar o calote, quebrar bancos gregos, avariar seriamente alguns bancos franceses e alemães, alem de causar pelo menos algumas semanas de pânico no mercado? Pior ainda, no caso de desordem grega terminal, com abandono do euro, o que seria da moeda europeia e do custo da dívida de Irlanda, Portugal, Espanha, Itália?
Volte-se ao assunto "insurreição". Pode parecer exagero agora. Mas foi uma insurreição, tumulto grave e mortes na rua, que deu cabo do programa de arrocho e da dolarização na Argentina, em 2001 (programa que justamente tentava achatar gastos públicos e salários a fim de salvar sua adesão ao dólar).
O FMI está liberando uma parcela do empréstimo acertado em 2010, embora o governo grego não tenha conseguido cumprir sua parte no acordo, parte no resto praticamente impossível de cumprir. Nos anos 1980, o Brasil quebrado descumpria espertamente os acordos, mas, para ver novo dinheiro, pelo menos assinava novas "cartas de intenções", ou remendos delas. Sim, a Grécia fica na União Europeia da moeda única e, apesar do tamanho, pode causar estrago muito maior que o Brasil dos anos finais da ditadura militar. Ainda assim.
Ressalte-se o tamanho da encrenca. Os socialistas gregos não se entendem. O tumulto está na rua. A União Europeia não chega a um acordo sobre como ampliar e estender o pacote de empréstimos à Grécia, pois querem que os credores privados entrem com algum tutu no programa (o que porém pode configurar calote se a "ajuda privada" for compulsória). Os irlandeses começam a sugerir que os credores privados paguem parte da conta da salvação da banca irlandesa.
O novo pacote grego pode ficar para agosto, setembro. Os gregos e os "mercados" vão viver de um susto e uma corrida.
São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2011
Britânicos temem efeito "contágio" do exemplo grego
DE LONDRES
Enquanto assistem de longe à crise grega, os britânicos temem que a onda de greves atinja o país. Sindicatos de professores, servidores públicos e condutores de trens já aprovaram paralisações, que devem ocorrer dia 30.
Se tiverem êxito, farão o país lembrar das paralisações dos anos 1980 contra as medidas liberalizantes de Margaret Thatcher.
As razões dos protestos ecoam as de outros países europeus: corte ou congelamento de salários, redução de aposentadorias, aumento de impostos -para reduzir o déficit público.
Ontem, a economia britânica teve nova má notícia. As vendas no comércio caíram 1,4% em maio. Temendo desemprego, as pessoas deixam de comprar. A oposição pediu a redução do IVA (imposto sobre o consumo) para aquecer a economia.
O governo usa o exemplo grego para manter a política de austeridade.
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