quarta-feira, 4 de maio de 2011

A semente do medo

http://pimentacomdende.com/wp-content/o-grito.jpg

Jornal do Brasil, 04/05/2011

A semente do medo

 

Por Mauro Santayana

 

Os Estados Unidos celebram a morte de bin Laden, e um ex-embaixador brasileiro considerou-a “espetacular”. É melhor ver a morte de qualquer homem, bom ou mau, como a morte de parte de nós mesmos. Como no belo poema em prosa de Donne, any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.  A morte de qualquer homem me diminui, disse o poeta, porque sou parte da Humanidade, e, por isso, não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por você. Todos nós morremos um pouco, quando as Torres Gêmeas vieram abaixo, e todos nós morremos quase diariamente com os que tombam e tombaram, na Palestina, no Iraque, no Afeganistão, na Costa do Marfim, no Realengo, em Eldorado dos Carajás, na Candelária e nas favelas brasileiras.

Os americanos comemoram nas ruas a morte de bin Laden, enquanto nos países muçulmanos outros oram pelo homem que consideram mártir. Como parte da Humanidade, talvez não nos conviesse  a euforia pela execução sumária de bin Laden, nem a consternação por sua morte. Os atentados de Nova Iorque –  de resto, nunca assumidos de forma cabal pelo saudita – foram  crime brutal contra a Humanidade, bem como todos os atos de terrorismo, ao longo das duas últimas décadas. Mas a vingança exercida pelos comandos norte-americanos não pode ser aplaudida. Foi um ato de guerra, cometido contra a soberania do Paquistão, desde que ao governo de Islamabad não foi solicitada autorização prévia para a operação – segundo informou o diretor da CIA, Leon Panetta.

Isso nos leva a outra leitura de John Donne: não pergunte que povo foi atingido pela intervenção militar norte-americana. Todos nós fomos atingidos, não só por essa operação bélica e pela agressão à Líbia, mas também, no passado, pela intromissão, política, militar, econômica, das elites que controlam o governo de Washington, desde a guerra de anexação de territórios soberanos do México, movida pelo presidente Polk, em 1846. O México perdeu a metade de seu território, e os Estados Unidos ganharam mais de um quarto do que já ocupavam no norte do hemisfério. Essa vitória excitou a voracidade imperialista dos Estados Unidos, mais tarde explícita no fundamentalismo do “Destino Manifesto”.

Devemos ser cautelosos quando procuramos entender o momento atual. Comentaristas internacionais, sob o calor destas horas, tentam pensar nas conseqüências imediatas, e há os que discutem se o homem morto em Abbottab (o nome da cidade é  homenagem ao general James Abbott, que serviu nas forças de ocupação da Índia no século 19) é mesmo bin Laden – que começou a sua vida de combatente como aliado dos norte-americanos  contra os soviéticos, no Afeganistão dos anos 80. Tenha sido ele, ou não, importa pouco. Osama  era apenas um símbolo, na clandestinidade imposta pelas circunstâncias. O que importa, e muito, é o que virá a ocorrer não nos próximos dias, que serão de pausa e perplexidade, mas nos próximos meses e anos.

O perigo maior, e desdenhado, é o de que o conflito atual, iniciado com a ocupação da Palestina por Israel, se transforme realmente em  guerra declarada entre os países capitalistas ocidentais, que se identificam como cristãos, e os muçulmanos. Quem definiu a agressão como cruzada foi Bush, ao afirmar que Deus o havia convocado a matar Saddam. E conforme o livro clássico de Essad Bey, todos os movimentos no Oriente Médio, entre eles a ocupação judaica da Palestina, se fazem na busca da posse de seu petróleo. No passado, o saqueio se fazia em nome da “civilização” e, hoje, se faz também em nome da “modernidade”.

No fundo do regozijo,  há  sementes de medo. Esse medo é muito mais poderoso do que foi o saudita, de 54 anos e, segundo informações não desmentidas, a um tempo amigo e sócio dos Bush nos negócios de petróleo.

---------- 
São Paulo, quarta-feira, 04 de maio de 2011

Em Abbottabad, paquistanesas observam a casa em que Osama Bin Laden vivia e foi morto por tropa de elite dos EUA

Em Abbottabad, paquistanesas observam a casa em que Osama Bin Laden vivia e foi morto por tropa de elite dos EUA

O FIM DA CAÇADA

Bin Laden estava desarmado, dizem EUA

Casa Branca muda versão inicial e diz que líder terrorista não reagiu com tiros ao ataque que o matou, domingo

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O governo dos EUA mudou sua versão sobre a morte de Osama bin Laden, mentor do 11 de Setembro, dizendo que ele estava desarmado na ação no Paquistão e que não usou mulheres como escudo humano. Os primeiros relatos diziam que o terrorista havia sido baleado depois de atirar contra agentes norte-americanos. Sem dar detalhes, a Casa Branca reafirmou, porém, que Bin Laden "ofereceu resistência".
Anonimato cerca equipe que atuou no Paquistão

DE SÃO PAULO

O caráter altamente secreto que cerca a unidade da Marinha americana ST6 (sigla em inglês para Time Seis dos Seals) pode fazer com que a identidade do homem que atirou em Osama bin Laden não seja revelada.
O primeiro indício disso é que o prefeito de Virgínia Beach - cidade dos EUA que abriga um quartel dos Seals - tentou organizar uma multidão para dar boas-vindas ao grupo que matou Bin Laden, mas não conseguiu.
Segundo o jornal americano "Washington Post", ele não foi nem capaz de descobrir os nomes dos militares.
Segundo especialistas, o atirador deve ser um homem - mulheres não são aceitas no Seal - com idade entre 26 e 33 anos.
Ele passou pelo treinamento básico da Marinha e depois se submeteu ao teste para entrar no Seal -que inclui ser capaz de correr nove quilômetros e nadar um quilômetro, sem descansar.
Depois, teve dois anos e meio de cursos que incluem paraquedismo, mergulho e detonação de alvos submersos e táticas de guerra irregular. Dos 1.000 candidatos que fazem o curso anualmente, só 200 são aprovados.
No quartel general da coalizão aliada em Cabul, o atirador não precisa usar o uniforme como os outros 100 mil militares. Possivelmente ele é visto de óculos escuros, em roupas ao estilo afegão, talvez até usando barba ou um lenço palestino -embora sempre equipado com armas como as de filme de ação, segundo o jornal "El Pais".
A ST6 é classificada como "altamente secreta" pelo governo dos EUA. Ela opera junto com a CIA e seus integrantes são oficialmente proibidos de comentar sobre sua existência.
A equipe seis é a mais importante das dez unidades dos Seals (sigla em inglês para mar, ar e terra), um grupo de 2.500 militares de elite treinados para missões navais, aéreas e terrestres.

INTERVENÇÕES
A atmosfera de segredo que envolve os Seals se explica por suas missões.
Um ano após sua criação, em 1962, foram enviados ao Vietnã para assassinar autoridades do Exército vietcongue. Em 1983, participaram da invasão americana de Granada, no Caribe, criticada pela ONU por violar diversas leis internacionais.
No Panamá, em 1986, ajudaram a derrubar o ditador Manuel Noriega e em 2001 caçaram talebans pelas montanhas de Tora Bora, no Afeganistão.
Em 2004 teriam ajudado a depor o então presidente do Haiti Jean-Bertrand Aristide - o que levou ao envio ao país da missão de paz da ONU chefiada militarmente pelo Brasil. Eles tiraram o presidente de seu palácio para "protegê-lo" de rebeldes que ameaçavam a capital. Aristide diz até hoje que foi sequestrado.

----------


.....
São Paulo, terça-feira, 03 de maio de 2011

Ação para eliminar Bin Laden começou a ser armada em 2007

France Presse
Bin Laden em uma caverna na região de Jalalabad, no Afeganistão, em foto de 1988

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

A versão do governo americano sobre a morte do terrorista saudita Osama bin Laden -a única disponível até agora- dá conta de que a operação, que culminou anteontem (horário de Brasília) com um ataque noturno de tropas especiais em helicópteros à mansão do saudita no Paquistão, começou a surgir no ano de 2007.
Agentes da CIA (agência de inteligência dos EUA) descobriram a identidade de um mensageiro de Bin Laden interrogando detentos da prisão americana de Guantánamo, em Cuba.

O suspeito, que não teve o nome divulgado, era um protegido de Khalid Sheikh Mohammed, o suposto responsável pelo planejamento dos ataques do 11 de Setembro.
Em 2009, a CIA descobriu que ele vivia com um irmão e uma família na região de Abbotabad, a 115 km da capital paquistanesa, Islamabad.
O presidente Barack Obama foi avisado em agosto de 2010 de que a agência tinha uma pista quente sobre o paradeiro do saudita. A CIA achou em seguida a casa do mensageiro em Abbottabad, avaliada em US$ 1 milhão e destoante da vizinhança.
O local tinha muros de 4 m de altura, arame farpado, câmeras de vigilância e os habitantes queimavam seu lixo, para que não pudesse ser analisado por espiões.

Toda aquela estrutura não se justificava para a proteção de um simples mensageiro. A CIA passou então a acreditar que os habitantes eram parentes de Bin Laden.
Em fevereiro deste ano -pouco antes de o presidente viajar ao Brasil-, a agência estava convencida de ter encontrado o esconderijo do maior inimigo dos EUA e informou Obama.
A cúpula da segurança nacional sugeriu bombardear o local com aviões invisíveis a radares, segundo a rede americana de TV ABC News. Obama descartou a opção -queria uma prova definitiva de que o saudita estava no local.
A solução foi enviar tropas especiais. A equipe seis de agentes especiais Seal, da Marinha, começou a treinar em mansão igual à de Bin Laden, construída nos EUA a partir de fotos de satélite.
Especializada em operações de contraterrorismo, a unidade atua apenas em missões secretas no exterior, a serviço da CIA. O código usado pelas forças americanas para se referir a Bin Laden era "Gerônimo", diz a CNN.

AUTORIZAÇÃO
Obama autorizou o ataque na manhã da última sexta-feira. Por causa do mau tempo, ao menos dois helicópteros Black Hawk decolaram de uma base no Afeganistão por volta de 0h30 de ontem.
Não há versões independentes sobre o ataque à mansão. Segundo os EUA, ao chegar à casa, o primeiro helicóptero foi alvo de um disparo de lança-foguetes e teve de fazer um pouso forçado.
Liderados por espião da CIA, os Seals desembarcaram e invadiram a mansão, trocando tiros com seguranças do saudita. O mensageiro, seu irmão e um filho de Bin Laden foram mortos.
O saudita foi encurralado no último andar do edifício e morto com dois tiros.
Inicialmente, John Brennan, conselheiro de Obama, disse que ele usou uma de suas esposas como escudo humano; mais tarde, fontes da Casa Branca negaram que se tratasse da mulher de Bin Laden e que ela tenha sido utilizada como escudo.
Antes de decolar com o corpo de Bin Laden, os militares explodiram o helicóptero avariado e recolheram documentos. O cadáver foi levado para um porta-aviões.

Ao contrário do divulgado, rito islâmico foi ferido

DE SÃO PAULO

A versão de que os EUA trataram o corpo de Osama bin Laden conforme determinado pelo islã se choca com o que é recomendado e praticado por muçulmanos.
Jogar o corpo no mar é uma afronta à exigência de que o cadáver seja colocado sob a terra com a cabeça virada em direção a Meca.
A única exceção é para mortes ocorridas em navios em alto mar. Nesse caso, o corpo pode ser jogado ao mar como forma de preservar as condições sanitárias a bordo, desde que sejam feitas as devidas orações -regra que também parece ter sido desrespeitada.
Exige-se que a oração fúnebre seja feita por um clérigo, ou ao menos por um muçulmano praticante, o que não teria ocorrido segundo o relato oficial.
É ofensivo, ainda, não entregar o corpo à família.
Teólogos alertam que o sumiço do corpo alimentará teorias da conspiração.

----------

UOL, 02/05/2011 - 19h27

"Não há razão para comemorar um assassinato", diz historiadora após morte de Bin Laden

Thiago Chaves-Scarelli
Do UOL Notícias
Em São Paulo 

 
A primeira reação de grande parte da população americana diante da notícia da morte de Osama bin Laden, o rosto mais famoso do terrorismo internacional, foi sair às ruas para comemorar a derrota de seu inimigo. No entanto, a operação contra o terrorista saudita foi um assassinato sumário e como tal não deveria ser comemorado, de acordo com a análise da historiadora Maria Aparecida de Aquino.
"Há meses vem sendo preparada, junto com o governo do Paquistão, toda uma operação para chegar à casa de Osama Bin Laden. A ordem que se tinha era metralhar, a ordem era atirar. Fica difícil pensar em motivo para comemoração", pondera Aquino, professora em História Social da Universidade de São Paulo (USP).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida nesta segunda-feira (2) ao UOL Notícias.

 Americanos comemoram em Nova York, EUA, após o presidente Barack Obama anunciar a morte do terrorista Osama bin Laden. Michael Appleton/The New York Times
 
UOL Notícias: Os americanos reagiram à notícia da morte de Bin Laden com festa e era possível ver cenas de comemoração e euforia nas ruas. Existe razão para comemorar? Essa euforia é justificável?
Maria Aparecida Aquino: Não. Se a gente admitir que existe razão para comemorações neste momento, então estaríamos admitindo que existe razão para comemorar um assassinato. Uma coisa que normalmente não se comenta é que os Estados Unidos gostam de jogar na cara de todos os outros países que eles são os guardiões da democracia do mundo, e sempre interferem nos outros países para assegurar a democracia. Entretanto, o que eles fizeram nesse caso é simplesmente um assassinato. Se houve um crime e você está atrás de uma pessoa que é teoricamente uma das responsáveis por esse crime, você tem o direito de pegar essa pessoa e submetê-la a um julgamento. Mas o que aconteceu foi simplesmente um assassinato.
Há meses vem sendo preparada, junto com o governo do Paquistão, toda uma operação para chegar à casa de Osama Bin Laden. A ordem que se tinha era metralhar, a ordem era atirar. Fica difícil pensar em motivo para comemoração.
O que podemos observar é que toda a euforia inicial nos Estados Unidos já baixou um pouco, porque eles têm um temor muito grande – e devem mesmo; pensar que a Al Qaeda se restringe a um homem só, Osama bin Laden, é uma tolice. A Al Qaeda é uma imensa organização. E é muito possível que haja retaliações. Então, em circunstância alguma teríamos motivos para comemorar, mesmo pertencendo à população americana, mesmo sendo o presidente dos Estados Unidos.
Se pessoas como nós, pessoas comuns, simplesmente coadunássemos com a ideia de comemoração, estaríamos coadunando contra todos os princípios que os próprios Estados Unidos dizem defender com tanta força.
UOL Notícias: Então é possível imaginar que os Estados Unidos poderiam ter feito uma captura sem recorrer a assassinato?
Aquino: Lógico. Eles tinham noção da localização. Planejaram a ação muito cuidadosamente. Chegaram até a casa e uma vez lá não havia condições de reação. Eles simplesmente metralharam quem estava pela frente.
UOL Notícias: Com relação ao corpo, como a senhora interpreta essa decisão dos Estados Unidos jogá-lo ao mar?
Aquino: A notícia de que eles teriam jogado o corpo ao mar é mais grave ainda, porque você não só submete o inimigo a um assassinato, como você também impede o ritual da morte.
Mesmo que não haja uma retaliação imediata, em breve essa ficha acaba caindo, mesmo entre a população, de que nem mesmo o direito à morte foi dado. Um dos maiores pilares da democracia é o habeas corpus, que em uma tradução muito simples do latim quer dizer: que se tenha direito ao corpo. Então foi negado um elemento característico do estado de Direito.
Os americanos têm direito de estar muito zangados com o que aconteceu no 11 de setembro? Sim. Têm direito de investigar quem seriam os responsáveis? Sim. Mas a forma como se faz isso pode acabar por retirar todos os direitos que nos restam.
UOL Notícias: É possível imaginar que os Estados Unidos enxerguem a morte de Bin Laden como a morte do “mal”?
Aquino: É o que eles defendem. No fundo, eles pretendem impor ao mundo inteiro uma ideia: de que estão cobertos de razão, de que a humanidade pode respirar aliviada e de que agora estamos livres do mal, já que o mal estava condensado em uma pessoa. Mas isso é uma ilusão de ótica. É como os mágicos fazem: você olha para o outro lado, não presta atenção na prestidigitação que ele está fazendo com as mãos. Não podemos cair nesta história.
Isso não significa defender o que aconteceu em 11 de setembro de 2001, que foi um ato terrível e ofendeu a humanidade. Não significa negar o direito da população americana de buscar os culpados. Mas defender a forma como isso foi feito será dar aos Estados Unidos a possibilidade de amanhã entrar em qualquer uma de nossas casas e dizer: ‘olha, imaginei que aqui houvesse um terrorista e andei metralhando’. É muito grave o que aconteceu. Ou seja, não há motivo para comemoração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário