Quinta-Feira, 28 de Abril de 2011
Paulo Kliass
Em um enfrentamento de médio prazo, as forças políticas e os defensores de idéias e propostas necessitam estabelecer estratégias de como se relacionar com os adversários e com o público a ser convencido. Não basta apenas ter as melhores proposições e tampouco apenas ser sustentado pela comprovação de que as mesmas são, de fato, as mais adequadas a uma determinada realidade.
Mais do que isso, é necessário que a maioria das pessoas estejam convencidas de tal coisa. A questão fica ainda mais complicada quando se trata de temas de maior densidade técnica, em terrenos escorregadios, onde poucos se sentem com capacidade e conhecimento para compreender e debater os fenômenos em foco.
E aqui entram em cena mecanismos fundamentais para a criação de consensos no interior da sociedade. Infelizmente, ao longo desse processo, pouco importa se são consensos forjados pelo apego emocional ou de pouca sustentabilidade racional. Do ponto de vista da lógica dos defensores das propostas em disputa, o que vale é o resultado final do embate. Quem ganhou, quem perdeu.
O conceito de hegemonia pode nos ajudar a entender melhor o quadro atual. Tendo suas origens numa acepção próxima da geopolítica nos tempos da Grécia Antiga, a noção foi recuperada para o mundo contemporâneo pelo pensador italiano Antonio Gramsci. E passou a ser utilizada no campo das ciências humanas em geral. Pode ser vista como supremacia, influência preponderante, autoridade soberana, liderança ou predominância. No campo das disputas políticas e ideológicas, então, revela-se com propriedade para se avaliar as forças e as potencialidades das idéias.
Os tempos em que vivemos são de forte indefinição. Seja no plano internacional e dos grandes projetos de construção de alternativas de sociedades. Seja no plano regional e da construção de blocos geopolíticos com suas características particulares. Seja no plano nacional e na definição de um modelo de desenvolvimento inclusivo e equitativo.
Essa indefinição é ainda mais evidente quando se trata de discutir as alternativas de política econômica para um país que ainda não integra o grupo dos chamados “industrializados e desenvolvidos”, em especial em um momento que se sucede à crise financeira internacional de 2008. E aqui chegamos ao Brasil, 2011.
O surgimento da crise a partir da seqüência de quebra de instituições financeiras no mercado norte-americano. A incapacidade do governo daquele país, dos europeus e demais países industrializados em encontrar soluções, a partir do ideário até então vigente no circuito econômico do establishment. A necessidade - criada pelas condições objetivas do desespero da crise - de recorrer a instrumentos teóricos e de ação de políticas públicas até ontem considerados heréticos e irresponsáveis. A superação dos ditames do Consenso de Washington, sem passar sequer pelo necessário processo de autocrítica dos elementos que lhe davam sustentação teórica. O salto do mais puro estilo do neoliberalismo para uma postura de natureza filo-keynesiana. A facilidade com que passaram a ser aceitas determinadas idéias, como as de que nem sempre o mercado apresenta as soluções mais eficientes e que a ação do Estado pode ser necessária - sim ! - para corrigir distorções de natureza social e econômica.
Os paradigmas mudaram muito rapidamente nos espaços de tomada de decisão, mas as cabeças das pessoas que ali estão ainda foram formadas no antigo pensamento hegemônico da escola superada pela força da realidade. Dessa forma, assistimos a uma disputa de projetos e idéias no interior das organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por exemplo. Assistimos a longas polêmicas no interior das universidades e dos centros de pesquisa.
Assistimos a intensos debates entre antigos e novos economistas a respeito dos rumos e das alternativas de política econômica. Porém, o tempo de sedimentação das novas formas de encarar o fenômeno econômico é lento, é o da velocidade da mudança das idéias. E o tempo da tomada de decisão das autoridades públicas é o do aqui-e-agora, a urgência do imediatismo necessário para conduzir o País em seu cotidiano.
E aqui entra a estratégia inteligente do financismo. Ao perceber que não está consolidada ainda uma estratégia alternativa ao modelo neoliberal, os interesses derrotados pela própria História – que alguns até afirmaram que havia terminado... – passaram a uma postura mais defensiva, aguardando os momentos mais adequados para se manifestar e buscar o caminho da volta por cima. Como não dá, por enquanto, para questionar abertamente as novas orientações do FMI a respeito da necessidade de controle de capitais, os representantes do capital financeiro passaram a minar e desacreditar tais propostas por meio de seu acesso aos grandes meios de comunicação. Como não dá para criticar ostensivamente a volta da presença do Estado na esfera econômica a partir do aprofundamento da crise, os representantes do capital financeiro passam a destilar – pontualmente - seu veneno contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos grandes jornais. Como tornou-se impossível continuar proclamando a panacéia da “solução de mercado” - o suposto livre jogo das forças de oferta e demanda – para todos os problemas da economia, os representantes do capital financeiro viram-se obrigados a aprimorar suas capacidades para criticar todo e qualquer desvio como sendo intrínseco da ausência da famosa “liberdade de empreender”. Em suma, uma conduta em que buscam desqualificar o adversário, mesmo sabendo que não têm alternativas a oferecer no curto prazo, a não ser a preservação de seus postos e um envergonhado retorno a um tempo passado, que à maioria não interessa.
Ou seja, nesse período de disputa hegemônica por novas idéias e novos modelos, os órgãos da grande imprensa são o palco privilegiado para o capital financeiro resistir às mudanças e oferecer todas as suas baterias para desacreditar as alternativas que vão sendo construídas pouco a pouco. Os grandes jornais e órgãos de comunicação criam uma verdadeira blindagem a interpretações alternativas para o fenômeno econômico. Os comentaristas analistas e especialistas ouvidos são quase sempre os mesmos, repetindo em monocórdio as mesmas interpretações e apresentando as mesmas sugestões.
Eles próprios constroem o cenário sobre o qual pretendem atuar, oferecendo a sua própria solução. E a imprensa se encarrega de reproduzir tal quadro, repetindo os pressupostos ad nauseam e criando um falso clima de consenso na sociedade. É a tal busca da supremacia na marra, a construção da hegemonia com características de artificialidade.
Esse processo é bem visível no debate atual das alternativas de política econômica em disputa no interior da equipe da Presidenta Dilma. A toda e qualquer tentativa de apresentar um mecanismo diferente da elevação da taxa de juros para conter a demanda, o financismo sai a campo para desmontar a possibilidade. A tática mais utilizada é a criação de um clima de catastrofismo nos dias que antecedem às reuniões do COPOM, de maneira a pressionar pela elevação da SELIC. Os jornais contribuem também ao municiar os leitores com informações alarmistas a respeito do risco da inflação escapar do controle. Gritam que a inflação está saindo da meta de 4,5% ao ano, mas nada mencionam a respeito do intervalo aceitável até 6,5%. Expõem as previsões para os índices de inflação, mas não analisam a sua composição para verificar o quanto a taxa de juros é ineficiente para reduzi-los.
Quando setores do governo reconhecem os prejuízos que nossa sociedade e nossa economia estão sofrendo com a teimosia de manter a política de “liberdade cambial”, o financismo vem para as manchetes denunciar os riscos da intervenção pública no mercado de moedas estrangeiras. De acordo com as opiniões dos analistas sempre de plantão, o ideal seria aguardar pacientemente o “dia do equilíbrio final”, quando então a oferta e a demanda deverão se igualar no mercado de divisas em nossas terras. A respeito dos riscos e dos custos sociais embutidos nessa hipótese – desindustrialização, risco nas contas externas - quase ninguém é chamado a se manifestar nas páginas de economia de nossos periódicos.
Quando os representantes do capital financeiro vêm a público exigir em alto e bom tom a redução dos gastos públicos, não há uma única linha escrita observando que um dos maiores itens de despesa orçamentária dá-se justamente com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E que esse tipo de gasto estéril só aumenta ao longo do ano, a cada decisão do COPOM em aumentar a taxa de juros. E que, ao contrário, os gastos na área especial apresentam uma taxa alta de retorno social e econômico, inclusive via pagamento de tributos. Mas eles insistem na direção oposta: o governo deve cortar os gastos na própria carne, mas que não ouse tocar no filet mignon das despesas financeiras!
Em suma, os representantes do capital cumprem bem com a sua tarefa de criticar marginalmente as decisões do governo sempre que forem contrários aos seus interesses. E encontram nos órgãos de imprensa um eficiente mecanismo de ressonância, com a intenção de criar o falso clima de hegemonia construída na opinião pública.
Um detalhe que não pode passar desapercebido, porém, é que contam com a boa vontade justamente dos responsáveis pelo governo nessa sua empreitada, uma vez que não se encontram vozes suficientes para criticar de forma efetiva as viúvas do neoliberalismo. Tudo indica que o temor das ameaças do capital financeiro ainda é muito presente. E isso contribui para tornar ainda mais lenta a desconstrução ideológica da ordem antiga e mais difícil a construção de um novo modelo a ser aceito na sociedade.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
A estratégia inteligente do financismo
Paulo Kliass
Em um enfrentamento de médio prazo, as forças políticas e os defensores de idéias e propostas necessitam estabelecer estratégias de como se relacionar com os adversários e com o público a ser convencido. Não basta apenas ter as melhores proposições e tampouco apenas ser sustentado pela comprovação de que as mesmas são, de fato, as mais adequadas a uma determinada realidade.
Mais do que isso, é necessário que a maioria das pessoas estejam convencidas de tal coisa. A questão fica ainda mais complicada quando se trata de temas de maior densidade técnica, em terrenos escorregadios, onde poucos se sentem com capacidade e conhecimento para compreender e debater os fenômenos em foco.
E aqui entram em cena mecanismos fundamentais para a criação de consensos no interior da sociedade. Infelizmente, ao longo desse processo, pouco importa se são consensos forjados pelo apego emocional ou de pouca sustentabilidade racional. Do ponto de vista da lógica dos defensores das propostas em disputa, o que vale é o resultado final do embate. Quem ganhou, quem perdeu.
O conceito de hegemonia pode nos ajudar a entender melhor o quadro atual. Tendo suas origens numa acepção próxima da geopolítica nos tempos da Grécia Antiga, a noção foi recuperada para o mundo contemporâneo pelo pensador italiano Antonio Gramsci. E passou a ser utilizada no campo das ciências humanas em geral. Pode ser vista como supremacia, influência preponderante, autoridade soberana, liderança ou predominância. No campo das disputas políticas e ideológicas, então, revela-se com propriedade para se avaliar as forças e as potencialidades das idéias.
Os tempos em que vivemos são de forte indefinição. Seja no plano internacional e dos grandes projetos de construção de alternativas de sociedades. Seja no plano regional e da construção de blocos geopolíticos com suas características particulares. Seja no plano nacional e na definição de um modelo de desenvolvimento inclusivo e equitativo.
Essa indefinição é ainda mais evidente quando se trata de discutir as alternativas de política econômica para um país que ainda não integra o grupo dos chamados “industrializados e desenvolvidos”, em especial em um momento que se sucede à crise financeira internacional de 2008. E aqui chegamos ao Brasil, 2011.
O surgimento da crise a partir da seqüência de quebra de instituições financeiras no mercado norte-americano. A incapacidade do governo daquele país, dos europeus e demais países industrializados em encontrar soluções, a partir do ideário até então vigente no circuito econômico do establishment. A necessidade - criada pelas condições objetivas do desespero da crise - de recorrer a instrumentos teóricos e de ação de políticas públicas até ontem considerados heréticos e irresponsáveis. A superação dos ditames do Consenso de Washington, sem passar sequer pelo necessário processo de autocrítica dos elementos que lhe davam sustentação teórica. O salto do mais puro estilo do neoliberalismo para uma postura de natureza filo-keynesiana. A facilidade com que passaram a ser aceitas determinadas idéias, como as de que nem sempre o mercado apresenta as soluções mais eficientes e que a ação do Estado pode ser necessária - sim ! - para corrigir distorções de natureza social e econômica.
Os paradigmas mudaram muito rapidamente nos espaços de tomada de decisão, mas as cabeças das pessoas que ali estão ainda foram formadas no antigo pensamento hegemônico da escola superada pela força da realidade. Dessa forma, assistimos a uma disputa de projetos e idéias no interior das organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por exemplo. Assistimos a longas polêmicas no interior das universidades e dos centros de pesquisa.
Assistimos a intensos debates entre antigos e novos economistas a respeito dos rumos e das alternativas de política econômica. Porém, o tempo de sedimentação das novas formas de encarar o fenômeno econômico é lento, é o da velocidade da mudança das idéias. E o tempo da tomada de decisão das autoridades públicas é o do aqui-e-agora, a urgência do imediatismo necessário para conduzir o País em seu cotidiano.
E aqui entra a estratégia inteligente do financismo. Ao perceber que não está consolidada ainda uma estratégia alternativa ao modelo neoliberal, os interesses derrotados pela própria História – que alguns até afirmaram que havia terminado... – passaram a uma postura mais defensiva, aguardando os momentos mais adequados para se manifestar e buscar o caminho da volta por cima. Como não dá, por enquanto, para questionar abertamente as novas orientações do FMI a respeito da necessidade de controle de capitais, os representantes do capital financeiro passaram a minar e desacreditar tais propostas por meio de seu acesso aos grandes meios de comunicação. Como não dá para criticar ostensivamente a volta da presença do Estado na esfera econômica a partir do aprofundamento da crise, os representantes do capital financeiro passam a destilar – pontualmente - seu veneno contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos grandes jornais. Como tornou-se impossível continuar proclamando a panacéia da “solução de mercado” - o suposto livre jogo das forças de oferta e demanda – para todos os problemas da economia, os representantes do capital financeiro viram-se obrigados a aprimorar suas capacidades para criticar todo e qualquer desvio como sendo intrínseco da ausência da famosa “liberdade de empreender”. Em suma, uma conduta em que buscam desqualificar o adversário, mesmo sabendo que não têm alternativas a oferecer no curto prazo, a não ser a preservação de seus postos e um envergonhado retorno a um tempo passado, que à maioria não interessa.
Ou seja, nesse período de disputa hegemônica por novas idéias e novos modelos, os órgãos da grande imprensa são o palco privilegiado para o capital financeiro resistir às mudanças e oferecer todas as suas baterias para desacreditar as alternativas que vão sendo construídas pouco a pouco. Os grandes jornais e órgãos de comunicação criam uma verdadeira blindagem a interpretações alternativas para o fenômeno econômico. Os comentaristas analistas e especialistas ouvidos são quase sempre os mesmos, repetindo em monocórdio as mesmas interpretações e apresentando as mesmas sugestões.
Eles próprios constroem o cenário sobre o qual pretendem atuar, oferecendo a sua própria solução. E a imprensa se encarrega de reproduzir tal quadro, repetindo os pressupostos ad nauseam e criando um falso clima de consenso na sociedade. É a tal busca da supremacia na marra, a construção da hegemonia com características de artificialidade.
Esse processo é bem visível no debate atual das alternativas de política econômica em disputa no interior da equipe da Presidenta Dilma. A toda e qualquer tentativa de apresentar um mecanismo diferente da elevação da taxa de juros para conter a demanda, o financismo sai a campo para desmontar a possibilidade. A tática mais utilizada é a criação de um clima de catastrofismo nos dias que antecedem às reuniões do COPOM, de maneira a pressionar pela elevação da SELIC. Os jornais contribuem também ao municiar os leitores com informações alarmistas a respeito do risco da inflação escapar do controle. Gritam que a inflação está saindo da meta de 4,5% ao ano, mas nada mencionam a respeito do intervalo aceitável até 6,5%. Expõem as previsões para os índices de inflação, mas não analisam a sua composição para verificar o quanto a taxa de juros é ineficiente para reduzi-los.
Quando setores do governo reconhecem os prejuízos que nossa sociedade e nossa economia estão sofrendo com a teimosia de manter a política de “liberdade cambial”, o financismo vem para as manchetes denunciar os riscos da intervenção pública no mercado de moedas estrangeiras. De acordo com as opiniões dos analistas sempre de plantão, o ideal seria aguardar pacientemente o “dia do equilíbrio final”, quando então a oferta e a demanda deverão se igualar no mercado de divisas em nossas terras. A respeito dos riscos e dos custos sociais embutidos nessa hipótese – desindustrialização, risco nas contas externas - quase ninguém é chamado a se manifestar nas páginas de economia de nossos periódicos.
Quando os representantes do capital financeiro vêm a público exigir em alto e bom tom a redução dos gastos públicos, não há uma única linha escrita observando que um dos maiores itens de despesa orçamentária dá-se justamente com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E que esse tipo de gasto estéril só aumenta ao longo do ano, a cada decisão do COPOM em aumentar a taxa de juros. E que, ao contrário, os gastos na área especial apresentam uma taxa alta de retorno social e econômico, inclusive via pagamento de tributos. Mas eles insistem na direção oposta: o governo deve cortar os gastos na própria carne, mas que não ouse tocar no filet mignon das despesas financeiras!
Em suma, os representantes do capital cumprem bem com a sua tarefa de criticar marginalmente as decisões do governo sempre que forem contrários aos seus interesses. E encontram nos órgãos de imprensa um eficiente mecanismo de ressonância, com a intenção de criar o falso clima de hegemonia construída na opinião pública.
Um detalhe que não pode passar desapercebido, porém, é que contam com a boa vontade justamente dos responsáveis pelo governo nessa sua empreitada, uma vez que não se encontram vozes suficientes para criticar de forma efetiva as viúvas do neoliberalismo. Tudo indica que o temor das ameaças do capital financeiro ainda é muito presente. E isso contribui para tornar ainda mais lenta a desconstrução ideológica da ordem antiga e mais difícil a construção de um novo modelo a ser aceito na sociedade.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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Combate à inflação
Amir Khair (*)Desde o último quadrimestre do ano passado a inflação foi crescendo e passou a ser o foco das críticas ao governo e, particularmente ao Banco Central (BC), por parte do mercado financeiro, que defendia o aumento da Selic para combater a escalada inflacionária. Como ela não foi elevada até o final do ano, as críticas foram subindo de tom e argumentava-se que a razão disso era política, para não prejudicar a candidata à presidência Dilma Rousseff.
Mesmo após a vitória eleitoral, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 08/12, a decisão de não elevar a Selic, foi:“Nesse contexto, avaliando a conjuntura macroeconômica e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 10,75% a.a., sem viés. Diante de um cenário prospectivo menos favorável do que o observado na última reunião, mas tendo em vista que, devido às condições de crédito e liquidez, o Banco Central introduziu recentemente medidas macroprudenciais, prevaleceu o entendimento entre os membros do Comitê de que será necessário tempo adicional para melhor aferir os efeitos dessas iniciativas sobre as condições monetárias. Nesse sentido, o Comitê entendeu não ser oportuno reavaliar a estratégia de política monetária nesta reunião e irá acompanhar atentamente a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária.”
Foi a primeira vez que ocorreu a novidade de usar as medidas macroprudenciais, lançadas em 6/dez, em vez da elevação da Selic, que foi o que comandou a política monetária de FHC e Lula. Essa decisão pode ter sido influenciada pelo desejo da presidente recém eleita de baixar as taxas de juros no Brasil.
Ocorre que num mundo globalizado o processo inflacionário atinge a todos. Desde dez/2008 os juros básicos nos Estados Unidos estão próximos a zero e o Banco Central americano (Fed) no auge da crise, recomprou US$ 1,7 trilhões em títulos privados para ativar o crédito e o consumo. Como até ago/2010 a economia quase não reagiu, o Fed decidiu recomprar esses títulos e mais US$ 600 bilhões até junho deste ano.
Em consequência dessa forte injeção de liquidez, a partir de setembro do ano passado, ocorreu forte subida nos preços dos alimentos e commodities. Isso elevou a inflação em todos os países, especialmente nos emergentes, onde os alimentos têm peso significativo na composição da inflação. Segundo o FMI, cresceram cerca de 30% nos últimos seis meses de 2010. Como a nova injeção dos US$ 600 bilhões só vai terminar em junho deste ano é provável que continuem subindo os preços dos alimentos e commodities para preservar seus valores em dólares.
Este processo nos atingiu duramente e gerou intensa discussão sobre que políticas se deveriam adotar para brecar a inflação.
Posições em debate
Duas posições estão em debate. Uma, liderada pelo mercado financeiro, atribui importância maior ao que considera haver um excesso de demanda na economia e defende a elevação da Selic, deixar o câmbio flutuar, para reduzir os preços dos produtos importados (âncora cambial), e conter o crescimento econômico através de forte contração fiscal para a redução da demanda.
A outra, na qual me incluo, atribui peso maior à inflação importada, que já preocupa todos os países, a redução da Selic para a contração fiscal por reduzir as despesas com juros do governo, o uso de medidas macroprudenciais para elevar o valor das prestações nas compras, e o controle cambial para não prejudicar a competitividade das empresas e não elevar o rombo das contas externas.
Fatores externos
É bom recordar que em junho, julho e agosto do ano passado a inflação foi zero, devido à queda de 1,89% no preço dos alimentos. No último quadrimestre de 2010 o IPCA atingiu a média mensal de 0,66%, os alimentos 1,63% e os demais itens 0,37%. Caso os alimentos tivessem acompanhado a inflação média dos demais itens, a inflação anualizada seria de 4,54%, portanto, no centro da meta prevista para este ano.
É interessante comparar a inflação média mensal do 3º quadrimestre com a do último quadrimestre de 2010 das commodities (que inclui alguns alimentos) e sua repercussão sobre os preços no atacado e destes, com defasagem, para o varejo. Conforme quadro à esquerda (publicado acima), na coluna “4º quadrim”, a média mensal de inflação das commodities foi de 3,82% (petróleo e derivados: 4,00%, matérias rimas: 2,96%, carnes: 1,88 e grãos, oleaginosas e frutas: 4,98%). O quadro à direita na coluna “4º quadrim”, mostra o impacto das commodities sobre os preços por atacado IPA (1,24%) e os índices gerais de preço (IGP-DI: 1,02% e IGP-M: 1,07%), onde o preço por atacado tem peso de 60% e sobre a inflação ao consumidor (INPC, IPC e IPCA) no entorno de 0,7%, ainda não suficientemente contaminada.
A contaminação sobre a inflação ao consumo ocorreu de forma mais intensa neste início de ano, quando o IPCA médio do primeiro trimestre atingiu 0,81% contra 0,66% do último quadrimestre de 2010.
O mercado financeiro, interessado em elevar a Selic, desconsiderou isso e vem pressionando o Banco Central (BC) para novas elevações, usando para isso o boletim Focus – sua principal arma - com previsões de inflação cada vez maiores a cada semana de publicação deste boletim, cujos dados são do mercado financeiro!
Está surtindo efeito essa pressão, pois o Copom, temendo as críticas de que perdeu o controle da inflação, voltou a elevar a Selic pela terceira vez neste ano e deverá continuar a elevá-la conforme divulgado dia 27/4 na sua última ata: “O Copom entende, de forma unânime que, diante das incertezas quanto ao grau de persistência das pressões inflacionárias recentes, e da complexidade que envolve hoje o ambiente internacional, o ajuste total da taxa básica de juros deve ser, a partir desta reunião, suficientemente prolongado.” O grotesco é que a Selic já é o triplo (!) do país que vem em segundo lugar no ranking das mais altas taxas básicas de juros, a Turquia.
Limites de atuação
Diante desses fatos surge a questão: o que fazer para conter essa escalada inflacionária.
Em primeiro lugar é reconhecer o que não depende de ação do governo. É o caso da inflação proveniente do exterior nas commodities e alimentos. Só são passíveis de intervenção, com a continuação da valorização do real, que já atingiu níveis preocupantes para a indústria e sangrou as contas externas.
Também não depende de ações do governo, a inflação dos preços administrados, que pesam 30% na composição do IPCA. Eles são insensíveis às condições de oferta e de demanda porque são estabelecidos por contrato, por órgão público ou agências reguladoras: serviços telefônicos, derivados de petróleo (gasolina, gás de cozinha, óleo para motores), eletricidade, planos de saúde, taxa de água e esgoto, IPVA, IPTU e tarifas de transporte público. Só em pequena parte pode atuar o governo federal, como no caso dos combustíveis. No momento o governo resiste em elevar o preço da gasolina, mas a última ata do Copom considera que haverá aumento de 2,2% neste ano.
Excluindo a inflação importada e os preços administrados sobram cerca de 30% de componentes sobre os quais o governo pode agir para tentar segurar a inflação, o que evidencia as limitações das autoridades para um combate amplo à inflação. Tendo isso presente, é importante considerar os principais fatores que estão influenciando a inflação.
Fatores que influenciam a inflação
Elevam a inflação especialmente os preços de alimentos, commodities e, em parte, o petróleo, que repercute a inflação importada, os preços dos serviços (que não sofrem concorrência externa), a indexação de alguns contratos que se baseiam na inflação ocorrida no passado, e dificuldades para a contratação de mão de obra devido ao desemprego ter atingido níveis considerados baixos. Olhando para 2012 há a elevação do salário mínimo, que por lei deverá subir entre 13% e 14% injetando recursos que irão aumentar o consumo das famílias da base da pirâmide social e, consequentemente, a demanda.
Reduz a inflação a safra recorde prevista de produtos agrícolas, um abrandamento do consumo das famílias devido à perda inflacionária de seus rendimentos, o maior comprometimento de sua renda disponível em função de compras feitas no passado, especialmente com prestações de imóveis, automóveis e eletrodomésticos e a valorização do real reduzindo os preços dos produtos importados, o que serve para a contenção dos reajustes dos preços internos.
Vale destacar, também, as perspectivas da oferta e da procura. No ano passado, a Formação Bruta de Capital Fixo, que representa os investimentos na economia, cresceu 21,8% e o consumo 6,1%. Esse crescimento dos investimentos acima do consumo já vem ocorrendo há tempos. Nos últimos sete anos (2004 a 2010) em termos médios anuais os investimentos cresceram 7,0% e o consumo 4,4%. Isso significa que a capacidade de produção vem crescendo acima do consumo, o que é um bom sinal para as perspectivas inflacionárias. Fora isso, o governo através de medidas macroprudenciais encareceu o crédito, especialmente para compras superiores a 24 meses, enxugou cerca de R$ 80 bilhões em depósitos compulsórios dos bancos e cortou R$ 50 bilhões do orçamento.
Para surpresa de muitos, pelas Contas Nacionais, que registram a evolução do PIB, os gastos do governo vêm crescendo em níveis abaixo do crescimento do PIB em todos os anos, à exceção de 2009, quando evoluíram 3,9% para conter a queda do PIB que chegou a 0,6%. Na média anual entre 2003 a 2010, o PIB cresceu 4,0%, o consumo das famílias 4,4%, os investimentos 6,7% e os gastos do governo 3,2%. Em 2010 os gastos do governo cresceram 3,3% e o PIB 7,5%.
Combate eficaz
Conforme tratado em artigo anterior o máximo de redução de despesas do governo federal tem baixo efeito sobre a demanda, pois: a) pelas Contas Nacionais os gastos do governo são 21% da demanda, dos quais 57% são de Estados e Municípios; b) dos 43% do governo federal, apenas 20%, inclusos aí os investimentos, são passíveis de gestão devido às amarrações legais do orçamento e; c) caso se consiga reduzir 20% via gestão, se teria uma redução de apenas 0,36% (!) da demanda (21% x 43% x 20% x 20%).
Diante deste quadro, caso se atribua à demanda (consumo das famílias, gastos do governo e investimentos) o crescimento da inflação, o mais acertado seria reduzir o ritmo de crescimento do consumo das famílias, já que os investimentos constituem o alimento para o crescimento da oferta futura, ou seja, o antídoto da inflação, e a possível redução de gastos do governo é pequena. Mas caso fosse o caso de atenuar o crescimento do consumo, o melhor caminho seria encarecer o crédito, especialmente para compras com prazos mais longos. Isso tem a vantagem de elevar as prestações e, principalmente, proteger o consumidor de riscos de inadimplência. O governo fez isso a partir de 6/dez com as medidas macroprudenciais, com bons resultados. Se necessário pode elevar mais ainda o valor das prestações para prazos inferiores a 24 meses. Basta querer.
A outra componente do consumo é a massa salarial que vem evoluindo devido às políticas que incorporaram enorme contingente de trabalhadores ao mercado de trabalho, estimulados pelas elevações do salário mínimo e de programas sociais como o Bolsa Família. Este componente deve ser preservado e estimulado, pois a geração de empregos induz o aumento da produção, dos investimentos e da economia. O importante é que o consumo evolua mais naturalmente com a massa salarial, do que pelo estímulo exagerado do crédito como ocorreu nos últimos anos.
Mas não creio que seja a demanda a responsável pela elevação da inflação. O fator externo tem feito a inflação saltar em todos os países, muitos dos quais já ultrapassaram o piso superior de suas metas de inflação. Até países como a China, onde o governo tem um controle mais rígido da economia, já atingiu 5,4% e provavelmente irá crescer ainda mais neste ano. Os Estados Unidos, ainda sob o efeito da crise, já bateu nos 2,7% e há previsões de que atinja 4,5% no final do ano. O Banco Central Europeu preocupado com a inflação na zona do euro, que caminha para 3%, já começou a elevar os juros, apesar da série crise fiscal e social em vários países da zona.
Fato é que estamos ao sabor dos humores externos da política monetária dos Estados Unidos, da crise na Europa, da indefinição do futuro do Japão face às conseqüências do terremoto e da insegurança do sistema de geração de energia nuclear, e da conflagração do norte da África e no Oriente Médio.
Enquanto não for enxugada a elevada liquidez internacional, os preços de alimentos, commodities e petróleo continuarão elevados e, com propensão a subir puxados pelo crescente consumo asiático e de outros países emergentes.
É de se destacar que, além dos riscos à segurança alimentar e energética, as altas nos preços dos alimentos, commodities e do petróleo comprometem o crescimento econômico mundial, pois reduzem a disponibilidade para o consumo de outros bens e serviços, reduzindo a arrecadação dos governos. Isso é particularmente importante no caso dos Estados Unidos, pois começam a surgir dúvidas sobre sua capacidade de pagar sua dívida de US$ 14,3 trilhões, tendo sido rebaixada sua classificação de risco pela Standard & Poor’s. Os Estados Unidos têm o maior déficit fiscal do mundo, como parcela do PIB (10,8% neste ano), e a segunda maior necessidade de financiamento, superada só pela do Japão.”
Da mesma forma que até 2008 não se encarou os riscos da crise da bolha imobiliária nos Estados Unidos, há uma tendência a minimizar a ascensão dos déficits fiscais e das dívidas nos Estados Unidos, Europa e Japão. Em 2007, antes da crise, a dívida dos países ricos era de US$ 26 trilhões ou 47% do PIB global. Atualmente é de US$ 42 trilhões, ou 61% do PIB global e a tendência é crescer ainda mais. Essa pode ser uma das principais ameaças à recuperação da economia mundial.
O cenário externo será sem dúvida o fio condutor da inflação e do câmbio no mundo, e fechar os olhos para isso, pode constituir grave erro de política econômica. Portanto, a melhor proteção contra as ameaças externas é o fortalecimento do mercado interno, especialmente pelo estímulo na renda para a base da pirâmide social e nos investimentos, e reduções de custos para as empresas. Assim, preocupam análises que para combater a escalada inflacionária pedem mais elevação da Selic, pouco se preocupam com a valorização cambial, e querem forte contração fiscal. No fundo, pregam a derrubada do crescimento econômico para reduzir a inflação.
O que poderia justificar um efeito favorável da Selic para a contenção inflacionária seria sua função de favorecer a âncora cambial, barateando as importações e ajudando a abrandar o efeito externo dos preços das commodities que importamos, mas isso tem efeitos colaterais adversos: redução da competitividade das empresas, forte elevação dos rombos nas contas externas e crescente custo de carregamento das reservas internacionais.
A consequência dessa irresponsabilidade cambial é a crescente transferência de indústrias brasileiras para o exterior, por meio de investimentos em novas fábricas ou aquisição de empresas já em operação.
É necessário separar o joio do trigo no ataque à inflação, reconhecer nossas limitações e inovar com medidas macroprudenciais o que não se consegue com os males causados pela elevada Selic. Tenho dúvidas se o governo irá enfrentar o mercado financeiro. Por enquanto se submete a ele, o que contraria um desenvolvimento sustentável com distribuição de renda.
(*) Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor
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