sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Um golpe sem a menor noção das consequências



Jornal GGN, 18/11/16


A guerra entre os poderes



Por Luis Nasssif



Este será o cenário social e político daqui para frente, que servirá de pano de fundo para várias disputas políticas.

·      A crise fiscal, obrigando o governo a impor sacrifícios.
·      Os sacrifícios recaindo sobre os mais fracos e poupando os grandes marajás dos setores político, público e Jurídico.
·      Denúncias que continuarão a fluir da Lava Jato.
·      Uma política econômica entreguista que aprofundará a crise, através dos instrumentos fiscais e monetários, e a destruição da soberania nacional.

Virá uma situação de absoluta instabilidade, da qual agentes oportunistas tentarão se valer de uma forma ou outra. O que está acontecendo no Rio de hoje – revoltas populares contra os cortes fiscais, políticos presos, para acentuar mais ainda a demonização da política, é um retrato do processo que entrará em marcha por todo país.

As disputas estão ocorrendo nos seguintes ambientes...

1.     Opinião publicada.
2.     Congresso.
3.     Justiça
4.     Ministério Público Federal.
5.     Polícia Federal.
6.     Ruas.

... tendo como personagens centrais:

1.     A Rede Globo, seguida pelas empresas jornalísticas menores.
2.     O PSDB.
3.     A camarilha de Temer, tendo como liderança mais expressiva o senador Romero Jucá.
4.     Senador Renan Calheiros, principal liderança política no Senado.
5.     A presidente do STF/CNJ Carmen Lúcia, subordinada ao Ministro Gilmar Mendes.
6.     O Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
7.     O PT e as oposições em geral.

Em qualquer hipótese, a falta de qualquer projeto por parte dos vencedores brevemente os obrigará a ampliar a quebra dos direitos constitucionais.

Há uma aliança clara envolvendo o PSDB-Globo-STF-PGR. E um conjunto de circunstâncias que irá definir se, nos próximos meses, avançará o golpe no golpe.

Hoje o PSDB tem praticamente o controle do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), através da Ministra Carmen Lúcia (submetida a Gilmar Mendes) e da Lava Jato e da PGR (Procuradoria Geral da República), através de Rodrigo Janot. E domina também a Polícia Federal.

No STF, a presidenta Carmen Lúcia não disfarça mais seu alinhamento político: está totalmente subordinada a Gilmar Mendes e alinhada com a articulação do PSDB-Mídia.

Hoje em dia, a maior vergonha no Supremo são os pedidos de vista, que paralisaram 216 processos. Especialmente os pedidos de vista reiterados de Gilmar Mendes atentam contra o decoro da casa.

Na quarta-feira, quando o Ministro Ricardo Lewandowski acertadamente protestou contra a manobra de Gilmar Mendes – que pediu vista de um processo após ter votado e se dado conta de que perderia a votação – Carmen Lúcia conseguiu superar a devoção de Dias Toffoli, ao dar razão a Gilmar.

No CNJ, ela compôs um conselho que está blindando os aliados. Na primeira sessão, houve um acordão, envolvendo o corregedor do órgão, Ministro João Otávio de Noronha – estreitamente ligado a Aécio Neves, assim como Carmen -, que livrou de um Processo Administrativo Disciplinar Luiz Zveiter – polêmico desembargador carioca, ligadíssimo à Globo, presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral).

Por coincidência, obviamente, dias após Zveiter se livrar do CNJ, uma operação de guerra prendeu o ex-governador Anthony Garotinho – o político que mais enfrentou a Globo – por conta de inquéritos que caminharam no TRE do Rio, presidido por Zveiter. E a Globo exerceu a crueldade com toda a força, expondo um Garotinho coberto apenas com um lençol, sendo transportado pela polícia de um hospital para outro. Afinal, inimigo não é gente.

Na última sessão do CNJ, Carmen Lúcia anunciou a composição do conselho consultivo do DPJ (Departamento de Pesquisas Judiciárias), com dois militantes políticos claramente vinculados ao PSDB, o ator Milton Gonçalves, que participou da campanha de Aécio Neves e a jornalista Mirian Leitão. Tanto no DPF como no próprio CNJ, Carmen tem matado qualquer veleidade de diversidade de pensamento, partidarizando ambas as instituições de uma forma inédita e aprofundando a ditadura da maioria.

Para todas suas reuniões, com presidentes de tribunais e autoridades de outras esferas, Carmen se faz acompanhar por Gilmar e por Yves Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, e membro ativo da Opus Dei.

Na entrevista em que mencionou que a Lava Jato “envergou a vara da corrupção sistêmica do país”, após garantir que “pau que bate em Chico bate também em Francisco”, Janot respondeu aos questionamentos sobre o fato de não haver nenhuma denúncia no Supremo contra o PSDB. A resposta foi que “as operações são complexas”, por isso demoram.

É o  PGR quem define a fila e é evidente que seus aliados esperarão a perder de vista.

Tivesse um mínimo de isonomia, a esta altura pelo menos UM cacique do PSDB teria sido alvo de condução coercitiva.

Com o PSDB tendo fortes aliados no sistema jurisdicional, fica aguardando o desfecho das disputas entre o MPF e a Lava Jato contra o Senado, cuja resistência vem sendo liderada pelo presidente Renan Calheiros.

Não se tenha dúvida de que a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, foi a resposta da Lava Jato à resistência imposta pelo Congresso às tais Dez Medidas, assim como as ameaças de levantar os salários do Judiciário acima do teto constitucional.

Não que Cabral não merecesse. As festas de que participou em Paris são um clássico desses tempos de dissipação.

Mas a escolha do momento, o show completo, com policiais armados, cobertura integral da Globo, em um momento em que a Assembleia Legislativa planeja jogar a conta sobre os mais fracos, e o Senado endurece com o Judiciário, abre a garrafa completamente e deixa escapar o gênio da rebelião popular.

Daqui até a votação das Dez Medidas, o MPF vai manobrar politicamente a Lava Jato, como tem feito até agora. Ontem, o PGR Rodrigo Janot criou um imenso grupo de trabalho destinado a pressionar politicamente o Congresso. Perdeu-se totalmente o pudor e os limites de atuação dos poderes.

E o juiz Sérgio Moro tratou de politizar a prisão de Sérgio Cabral Filho, atribuindo à corrupção os problemas enfrentados hoje em dia pelo Rio de Janeiro.

Montaram em um barril de pólvora, com a criminalização final da classe política.

No Alvorada, a mídia produz a última entrevista da Ilha Fiscal, cujo retrato definitivo foi o vídeo-selfie de um jornalista embasbacado por se ver no centro do poder e saber que Michel Temer é personagem de carne e osso, e não um anti-herói da família Marvel. E toca a apertar o braço de Temer, fazendo a colunista, frequentadora dos insondáveis encontros no solar do jornalista Jorge Bastos Moreno, exibir um sorriso malicioso para sugerir os dotes de conquistador de Temer - que certamente não foram exercitados com o anfitrião, apesar da sua paixão pública pelo presidente conquistador.

Seguramente, um dos momentos mais degradantes da história da imprensa brasileira.

Na Tribuna da Bahia, antes desse episódio, Victor Hugo Soares sintetizou magistralmente o quadro atual da mídia no artigo ‘De Napoleão a Trump: a grande (e pequena) imprensa em xeque’.

“Na grande (e pequena) mídia – nos Estados Unidos, na Europa e pelas bandas de cá do Atlântico Sul – parece se caracterizar um quadro semelhante ao de uma história clássica, deliciosa, mas implacável na crítica da imprensa europeia. Conto neste espaço, outra vez, antes do ponto final, para os de memória mais curta.

Quando Napoleão fugiu da ilha de Elba e desembarcou no Golfo Juan, o jornal mais importante da França escreveu em sua manchete principal:

“O bandido corso tenta voltar à França”.

Quando o bandido corso alcançou o meio do caminho para Paris, o mesmo periódico escrevia:
“O general Bonaparte continua a sua marcha rumo a Paris”.

Quando o general Bonaparte se encontrava a um dia de Paris, o jornal dizia:

“Napoleão segue a sua marcha triunfal”.

Quando Napoleão entrou na capital de seu império perdido, o periódico arrematou o processo de sua informação com esta manchete:

“Sua Majestade o Imperador entrou em Paris, sendo entusiasticamente recebido pelo povo”.

Não se sabe se alguém perguntou a Napoleão como ele conheceu Josefina. Mas como o artigo foi republicado no Blog do Noblat, dias antes da entrevista no Alvorada, ganhou um cunho premonitório.

Não é apenas a perda da noção de ridículo que caracteriza esses tempos bicudos, mas um esfacelamento total da República.

No caso da mídia com Temer se trata de amor por interesse.

Do lado da Globo, há o exercício desmedido do poder, uma imprudência de quem não consegue enxergar o futuro – do mesmo modo que Rodrigo Janot, criando ameaças para o MPF que atravessarão gerações. Mas o que fazer? São meramente homens de seu tempo, pequenos poderosos, sem um pingo de perspectiva da história.

Do lado dos demais veículos, uma situação econômica que os levou a uma rendição humilhante ao lado mais corrupto da política. 

Da mídia, não se espere nenhuma luz, nesse oceano de informações em curto-circuito que caracteriza o atual estágio da política e das instituições brasileiras.

E no mercado – que tem na mídia seu principal porta-voz – há uma insensibilidade geral. Estão lançando o país em uma crise econômica e política sem precedentes, da qual pode sair de tudo: até um governo autocrático que, mais à frente, imponha restrições severas a esse mercadismo de meia pataca.

Praticaram um golpe de Estado sem a menor noção sobre as consequências futuras. Através da mídia, criaram um mundo imaginário, uma orquestração, cujo único ponto de convergência era a derrubada do governo e a eliminação do inimigo comum, o PT, e o único ponto de mobilização o exercício continuado do ódio. E, tal como vendedores de xaropes do Velho Oeste, venderam ilusões de que a queda de Dilma produziria crescimento, prosperidade, o fim do mal-estar geral.

Na malta que confunde a bandeira do Japão com a bandeira do Brasil comunista, há pequenos empresários destruídos pela crise, desempregados, funcionários públicos sem receber, alguns expondo justa indignação, e a massa de manobra de sempre, estimulando a radicalização, todos eles querendo um bode expiatório. E o bode que está sendo apresentado é o da democracia.

Consumado o golpe, com o inimigo saindo de cena, há uma anarquia institucional inédita, uma subversão ampla, com disputas entre poderes.

Trata-se de um caso clássico de marcha da insensatez na qual o país se meteu.

Nos próximos meses, aumentará o mal-estar com a crise e com a falta de perspectivas de recuperação da economia. As brigas intestinas entre Legislativo e Judiciário comprometerão a ambas. A vergonhosa blindagem do MPF aos seus aliados tucanos ajudará a erodir a ideia de pureza da Lava Jato.

Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão.






Portal Vermelho, 17/11/16



Franklin Martins: Esquerda teve derrota, mas direita não tem projeto comum



Do Portal Vermelho


O golpe veio por nossos acertos, mas a incapacidade de resistir com a energia necessária veio de nossos erros.” A autocrítica é do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo Lula, Franklin Martins. Para ele, o impeachment aconteceu para barrar o projeto inclusivo comandado pelo PT. Mas as forças progressistas se equivocaram ao deixar de lado a luta política diária e não priorizar a reforma política e a regulamentação dos meios eletrônicos.

Segundo ele, a esquerda sofreu uma derrota, mas aqueles que se uniram para derrubar a presidenta Dilma Rousseff não têm um projeto comum.


Em participação no Encontro Regional de Articulação Sindical, da CUT, Franklin Martins considerou “impressionante” que forças conservadoras tenham conseguido reunir até mesmo “atores de centro, agentes políticos, do Estado, de mídia, empresários, um apoio internacional encoberto, tudo isso para depor uma presidenta legitimamente eleita – e convenceram, em certa medida, a maioria do país de que isso se aplicava”.

Mais que isso, avaliou, essas forças instalaram um governo que implementa agora o programa derrotado nas urnas pela maioria da população, embora encontre pelo caminho uma resistência que está aumentando. “Não foi golpe contra Dilma, Lula ou o PT, foi contra a vontade manifestada pelo povo nas urnas. Eles viram uma janela de oportunidade para deter um projeto popular, democrático e inclusivo, que vinha se consolidando. (...) Quando investiram contra Dilma, investiram contra a base da democracia, que é que o povo faz as escolhas de fundo”, disse.

O jornalista declarou que não esperava vivenciar esta situação. “Não esperava que tivessem coragem de ir tão longe (...)”, disse. Ele afirmou que pensava que, após 21 anos de ditadura militar, as forças conservadoras no Brasil fossem mais democráticas.

De acordo com o ex-ministro, os governos Lula e Dilma começaram a desmontar o que ele chama de naturalização da opressão. “A opressão só é aceita quando é vista como algo natural, e isso foi sendo desmontado durante esses governos.” Segundo Martins, a oposição se colocava contra os mais diversos avanços, como a valorização do salário mínimo, o ProUni e a descoberta do pré-sal, mas terminou sempre derrotada.

Nas eleições de 2014, essas forças conservadoras tentaram emplacar o programa da austeridade, mas foram, mais uma vez, vencidas, lembrou. “Não foi adiante, porque a sociedade tinha tido uma experiência de que era possível mudar. Não existe nada mais importante na política que a experiência de milhões de pessoas. Discurso e liderança são importantes. Mas a experiência das pessoas é algo maior”, defendeu.

Nesse sentido, ele diferenciou o golpe de 1964 do golpe de 2016. “Em 1964 foi um golpe contra extraordinárias expectativas de mudança, mas eram expectativas, porque ainda não havia mudança. O golpe veio para abortar um processo que permitia que as expectativas se transformassem em realidade, através de uma construção política. Esse golpe de agora não é um golpe nas expectativas, é um golpe que agride a experiência das pessoas, que mudaram, gostaram de mudar, viram quem era bom mudar e era possível.”

Para ele, apesar de a esquerda ter sofrido uma derrota agora, os agentes por trás do golpe não são coesos, nem possuem uma proposta para o país. “Eles têm uma liderança? Um projeto claro? Não. Eles têm uma conjunção de setores, grupos empresariais, políticos, partidos, corporações, mídia, mas não têm um projeto comum, opinou.

Segundo ele, muitos que apoiaram o impeachment foram sendo descartados após o desfecho do processo, e o próprio Michel Temer não teria liderança. “Eles estão ancorados em uma coisa que é forte e frágil ao mesmo tempo – que é o discurso anticorrupção”, avaliou, destacando que, de uma forma ou de outra, todos os atores políticos atuam dentro de um sistema que estabelece relações promíscuas entre agentes políticos e grupos econômicos que prestam serviços ao Estado.

“Eles estão nessa situação em que nós perdemos, mas o que eles apresentaram até agora? Austeridade, tirar direitos sociais, investir contra a presidenta, enxugar o Estado especialmente nos investimentos para a grande maioria. Por que formos derrotados então? O golpe veio por causa de nossos acertos, mas a incapacidade de resistir com a energia que era necessária veio de nossos erros”, concluiu.

O ex-ministro aponta como um primeiro erro, a partir de 2010, as forças no poder terem aberto mão do trabalho de luta política na intensidade que se exigia. “Ou seja, o lado de lá falava e nós não respondíamos. E isso não é um problema de comunicação, embora se expresse na comunicação”, descartou.

Nós jogamos no campo adversário, a bola é do adversário, as regras e o juiz são do adversário, a torcida é adversária. Se não fizermos a disputa todo dia, vamos perder”, Franklin conta que defendeu, quando Lula o chamou para ser ministro. A partir de então, o ex-presidente teria concordado em conceder várias entrevistas por semana, para defender o projeto que executava.

Não há nada mais forte na política que a experiência das pessoas, e o governo do Lula melhorou a vida das pessoas. Lula saiu [do governo] lá em cima não só porque a economia estava bem, mas porque construiu o discurso, e a população olhou e disse: ‘foi isso que eu vivi, é isso que eu estou sentindo’. Não entendo porque se abandonou essa política de fazer a disputa diária”, lamentou.

Segundo ele, a agenda política do governo foi sendo substituída pela agenda construída pelos adversários. A agenda dos malfeitos se sobrepôs à agenda da inclusão social, em uma época em que nós, ao final do primeiro governo da presidenta Dilma, tivemos 4,8% de desemprego, a menor taxa da história. E a agenda, ao invés de ser o pleno emprego, era responder sobre os malfeitos. Tem que fazer a disputa política e acho que não foi feita”, analisou.

Para o ex-ministro, a agenda da inclusão social foi que deu a vitória a Dilma, depois, foi sendo desidratada e deixada de lado, o que semeou enorme confusão. Ele apontou que forças que se mobilizaram “com energia extraordinária no final da eleição” e deram a vitória para o projeto da inclusão, depois, se viram sem motivações para defender tal projeto.

Outro erro apontado por Martins é o fato de não se ter defendido com vigor a necessidade de reforma política. O ex-ministro destacou, em especial, os problemas da eleição proporcional, que tem gerado congressos despolitizados, em geral. Segundo ele, “as elites descobriram” que legislaturas assim terminam sendo uma “forma de frear o poder do presidente”.

Um terceiro equívoco, na sua opinião, foi a falta de regulação dos meios eletrônicos. “Rádio e televisão são uma concessão do Estado. Porque eu vou dar uma concessão para você e, não, para ele? Tem que ter regras, obrigações. Toda concessão é assim. Qualquer concessão, como é algo limitado a poucas empresas, tem que ter regras”, defendeu.

O jornalista declarou que, no Brasil, ficou naturalizada a ideia errada de que aquele é um espaço privado, sob o domínio de emissoras como Globo e SBT. Ele mencionou ainda a absurda concentração dos meios de comunicação e sua partidarização. “Se há uma denúncia contra alguém que não gosto, é propina, se é para alguém com quem concordo, são recursos não contabilizados”, comparou, referindo-se ao tratamento diferenciado dado pela mídia aos seus aliados.

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