Folha.com, 01/11/16
Uso de remédios nos EUA explodiu depois de marketing
A epidemia de opiáceos nos Estados Unidos nasceu de um golpe de marketing da indústria farmacêutica.
Em 1996, a Purdue lançou o Oxycontin, um analgésico com liberação prolongada de oxicodona, um opiáceo.
Ao contrário de analgésicos comuns como dipirona ou paracetamol, os opiáceos são medicamentos muito potentes, usados originalmente para aliviar dores causadas pelo câncer ou no pós-operatório.
Na época, o consenso era de que apenas pacientes com dores muito fortes deveriam usar esse tipo de analgésico, porque havia risco de dependência.
Em 1996, a Purdue lançou o Oxycontin, um analgésico com liberação prolongada de oxicodona, um opiáceo.
Ao contrário de analgésicos comuns como dipirona ou paracetamol, os opiáceos são medicamentos muito potentes, usados originalmente para aliviar dores causadas pelo câncer ou no pós-operatório.
Na época, o consenso era de que apenas pacientes com dores muito fortes deveriam usar esse tipo de analgésico, porque havia risco de dependência.
Mas a Purdue (seguida por várias outras) lançou uma campanha de
marketing indicando o remédio para dor de cabeça, nas costas, nas
juntas. A mensagem era: "Para que sentir dor?". E o alvo eram os
milhares de americanos que sofrem com dores crônicas.
Na propaganda, a Purdue dizia que menos de 1% dos pacientes usando opiáceos ficavam dependentes.
Eles se basearam em uma carta ao editor publicada no "New England Journal of Medicine", que não era embasada por nenhuma pesquisa. A carta afirmava que menos de 1% dos pacientes hospitalizados que faziam uso de curto prazo de opiáceos ficavam viciados.
Foi um sucesso. Em 2001, o Oxycontin já vendia mais que Viagra.
Em 2007, a Purdue foi alvo de um processo por propaganda enganosa e teve de pagar US$ 643 milhões em multas. A polícia aumentou a fiscalização e fechou muitas "fábricas de pílulas", onde médicos inescrupulosos vendiam receitas.
Mas era tarde. Muita gente já estava viciada, o mercado negro havia se desenvolvido e surgiram vários outros analgésicos. Muitos passaram a usar heroína.
"Hoje em dia, existe mais informação, mesmo assim, muitos médicos americanos continuam prescrevendo de forma exagerada", disse David Hickton, procurador da Pensilvânia.
Médicos fazem 250 milhões de receitas de opiáceos por ano – suficiente para a população quase inteira dos EUA. Uma pessoa com dor de garganta pode facilmente sair do pronto socorro com uma caixa com trinta Percocets.
"Parte é por ignorância dos médicos e parte é pela pressão das avaliações dos pacientes", diz Hickton.
Os médicos são avaliados por seus pacientes e um dos critérios é "seu médico tratou de forma adequada sua dor?". As avaliações são divulgadas e uma "nota ruim" pode fazer o médico perder pacientes e privilégios no hospital.
O governo está tirando certificados de médicos que prescrevem muitos opiáceos ou que têm um número grande de pacientes indo parar em clínicas de reabilitação.
Mas o que fazer com os três milhões de dependentes de opiáceos e heroína dos Estados Unidos?
"Essa droga sequestra o cérebro do usuário, o escraviza. Abrimos uma porta muito difícil de fechar", diz Sam Quinones, autor do livro 'Dreamland'. Ao se ligar a receptores no cérebro, a morfina e suas variações (que estão presentes na heroína), na hidrocodona (vicodin), láudano, codeína (presente em xaropes), oximorfina (opana) produzem uma sensação intensa de euforia, entorpecimento, acabam com as dores físicas e causam constipação.
Em abstinência, o usuário sente dores excruciantes nos primeiros dias, forte diarreia e pode ficar uma semana sem dormir.
Poucos usuários conseguem se reabilitar sem ajuda de medicamentos. Hoje, o tratamento combina terapias com o uso de Suboxone (buprenorfina) para amenizar os efeitos da abstinência.
Também continua se adotando a metadona para aliviar os sintomas e reduzir a vontade de usar a droga.
Na clinica de metadona Discovery House, em Pittsburgh, a fila dobra o quarteirão de manhã cedo. Como uma usuária de opiáceos explicou, é preciso chegar muito cedo para pegar lugar, porque às vezes não há metadona suficiente para todo mundo e eles têm que correr para outras clínicas. Há 12 só em Pittsburgh.
Ela está usando a metadona desde 2009.
Para ressuscitar as pessoas em overdose de heroína, usa-se o "antídoto" Narcan (naloxone), que bloqueia os efeitos da droga. Há tamanha demanda pelo medicamento que chegou a faltar Narcan em algumas cidades.
"Narcan deveria ser obrigatório em lugares públicos, como o extintor em restaurante", diz Quinones.
Segundo Hickton, uma das maiores dificuldades para a recuperação dos dependentes é que os planos de saúde normalmente só cobrem 28 dias de reabilitação, e é necessário muito mais tempo. Além disso, como há muita demanda, muitos não conseguem vaga nas clínicas.
"É fato que, por ser uma epidemia que afeta mais a população branca, a questão ganha maior visibilidade e a abordagem tem um maior grau de compaixão, quando comparado, por exemplo, ao crack, que era usado majoritariamente pela população negra", diz Kasia Malinowska, diretora do Programa Global de Política de Drogas da Open Society.
Mas, segundo ela, de qualquer maneira, é uma boa coisa que haja maior compaixão e não criminalização dos usuários.
Eles se basearam em uma carta ao editor publicada no "New England Journal of Medicine", que não era embasada por nenhuma pesquisa. A carta afirmava que menos de 1% dos pacientes hospitalizados que faziam uso de curto prazo de opiáceos ficavam viciados.
Foi um sucesso. Em 2001, o Oxycontin já vendia mais que Viagra.
Em 2007, a Purdue foi alvo de um processo por propaganda enganosa e teve de pagar US$ 643 milhões em multas. A polícia aumentou a fiscalização e fechou muitas "fábricas de pílulas", onde médicos inescrupulosos vendiam receitas.
Mas era tarde. Muita gente já estava viciada, o mercado negro havia se desenvolvido e surgiram vários outros analgésicos. Muitos passaram a usar heroína.
"Hoje em dia, existe mais informação, mesmo assim, muitos médicos americanos continuam prescrevendo de forma exagerada", disse David Hickton, procurador da Pensilvânia.
Médicos fazem 250 milhões de receitas de opiáceos por ano – suficiente para a população quase inteira dos EUA. Uma pessoa com dor de garganta pode facilmente sair do pronto socorro com uma caixa com trinta Percocets.
"Parte é por ignorância dos médicos e parte é pela pressão das avaliações dos pacientes", diz Hickton.
Os médicos são avaliados por seus pacientes e um dos critérios é "seu médico tratou de forma adequada sua dor?". As avaliações são divulgadas e uma "nota ruim" pode fazer o médico perder pacientes e privilégios no hospital.
O governo está tirando certificados de médicos que prescrevem muitos opiáceos ou que têm um número grande de pacientes indo parar em clínicas de reabilitação.
Mas o que fazer com os três milhões de dependentes de opiáceos e heroína dos Estados Unidos?
"Essa droga sequestra o cérebro do usuário, o escraviza. Abrimos uma porta muito difícil de fechar", diz Sam Quinones, autor do livro 'Dreamland'. Ao se ligar a receptores no cérebro, a morfina e suas variações (que estão presentes na heroína), na hidrocodona (vicodin), láudano, codeína (presente em xaropes), oximorfina (opana) produzem uma sensação intensa de euforia, entorpecimento, acabam com as dores físicas e causam constipação.
Em abstinência, o usuário sente dores excruciantes nos primeiros dias, forte diarreia e pode ficar uma semana sem dormir.
Poucos usuários conseguem se reabilitar sem ajuda de medicamentos. Hoje, o tratamento combina terapias com o uso de Suboxone (buprenorfina) para amenizar os efeitos da abstinência.
Também continua se adotando a metadona para aliviar os sintomas e reduzir a vontade de usar a droga.
Na clinica de metadona Discovery House, em Pittsburgh, a fila dobra o quarteirão de manhã cedo. Como uma usuária de opiáceos explicou, é preciso chegar muito cedo para pegar lugar, porque às vezes não há metadona suficiente para todo mundo e eles têm que correr para outras clínicas. Há 12 só em Pittsburgh.
Ela está usando a metadona desde 2009.
Para ressuscitar as pessoas em overdose de heroína, usa-se o "antídoto" Narcan (naloxone), que bloqueia os efeitos da droga. Há tamanha demanda pelo medicamento que chegou a faltar Narcan em algumas cidades.
"Narcan deveria ser obrigatório em lugares públicos, como o extintor em restaurante", diz Quinones.
Segundo Hickton, uma das maiores dificuldades para a recuperação dos dependentes é que os planos de saúde normalmente só cobrem 28 dias de reabilitação, e é necessário muito mais tempo. Além disso, como há muita demanda, muitos não conseguem vaga nas clínicas.
"É fato que, por ser uma epidemia que afeta mais a população branca, a questão ganha maior visibilidade e a abordagem tem um maior grau de compaixão, quando comparado, por exemplo, ao crack, que era usado majoritariamente pela população negra", diz Kasia Malinowska, diretora do Programa Global de Política de Drogas da Open Society.
Mas, segundo ela, de qualquer maneira, é uma boa coisa que haja maior compaixão e não criminalização dos usuários.
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