Brasil 247, 4 de Novembro de
2016
O
Estado autoritário dá mais um passo
Por Tereza Cruvinel
Os que podem falar, comecem a fazer isso antes que seja tarde. O Estado autoritário está se conformando entre nós diante de um grande silêncio. Ele começa a existir quando seus agentes deixam de submeter-se aos regramentos jurídicos do Estado Democrático na relação com indivíduos e com as organizações da sociedade, que podem ser empresas, sindicatos, movimentos sociais ou organizações corporativas. Já foram muitas as evidências de que estamos transitando para um Estado autoritário, de exceção, com agentes diversos violando garantias e ultrapassando as fronteiras do ordenamento legal democrático. A invasão da Escola Nacional Florestam Fernandes, do MST, foi mais uma exemplo desta escalada.
Poucos têm se manifestado. Muitos podem
se arrepender.
Por que os “sindicalistas petistas” representariam um perigo para governantes de países como Portugal, Angola, Moçambique, Guiné e outros? Poderiam sequestrar um dos visitantes? Jogar uma bomba no Itamaraty? Estava ali um discurso criminalizador, que em breve vai se traduzir em ações.
Criminalizar os movimentos sociais, reprimir os protestos, controlar a informação circulante, trocar a presunção da inocência, garantia constitucional, pela presunção da culpa, eis alguns mecanismos de ação do Estado autoritário. Todos eles têm se manifestado entre nós, seja através de ações de aparelhos do Governo Federal, dos governos estaduais ou da Lava Jato.
Brasil 247, 5/11/16
Contra o MST, o exibicionismo dos golpes
Por
Paulo Moreira Leite
Atos de brutalidade exibicionista constituem um traço de comportamento vergonhoso mas obrigatório de autoridades policiais nos momentos iniciais de um golpe de Estado. No caso mais antigo e mais conhecido, logo após o golpe militar de 1964, um velho dirigente comunista, Gregório Bezerra, foi amarrado a um jipe e arrastado pelas ruas do Recife por um delegado de polícia.
Em novembro de 1968, quando a ditadura militar caminhava para um golpe dentro do golpe, o elenco que apresentava a peça Roda Viva, em São Paulo, foi espancado por um grupo paralimitar, chamado Comando de Caça aos Comunistas.
A brutalidade exibicionista está longe de ser uma ação estética, vaidade ou coisa parecida. É um espetáculo político, que precisa mostrar o que faz, como faz, contra quem faz e assim, pela exibição, alcançar uma das metas principais de todo regime de exceção - o governo pelo medo.
Na manhã de ontem, policiais civis do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, que obedecem aos governos estaduais, iniciaram uma operação contra integrantes do MST - numa ação que equivale a uma declaração de guerra aos movimentos sociais, um dos mais ativos polos da resistência ao golpe parlamentar de 31 de agosto.
O espetáculo de ontem chega a ser grotesco, como ataque a democracia e aos direitos da população. A atuação do MST em defesa da reforma agrária e da população mais pobre fez de sua principal liderança, João Pedro Stédile, um interlocutor recebido com relativa frequência pelo Papa Francisco, responsável por um momento de recuperação da influência da Igreja muito além do tradicional universo católico.
Em setembro, três dias depois do golpe que afastou Dilma, o Papa pediu orações pelo "momento triste" que o Brasil atravessava, levando o próprio Michel Temer a tentar reagir, dizendo que a alegria voltaria "aos poucos."
As principais cenas de exibicionismo explícito de ontem ficaram reservadas para a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, no interior paulista. Instituição de ensino e formação, frequentada tanto por ativistas em busca de uma oportunidade de maior acesso ao conhecimento como por acadêmicos de altíssimo nível, brasileiros e estrangeiros, que ali partilham seu saber, a ENFF foi invadida logo cedo. Sem um obrigatório mandado de busca que autorizasse sua presença no local, os policias garantiram o tom cinematográfico para sua ação ao dar quatro tiros -- três para o chão, um para o alto. Diziam procurar uma certa Margareth Barbosa de Souza, que nenhum dos presentes conhecida. De qualquer modo, fizeram duas prisões. O argumento para as prisões foi a manjadíssima alegação de "desacato", normalmente empregada para justificar a detenção de cidadãos que, compreensivelmente, reagem de forma indignada quando seus direitos são feridos.
Na origem da ação de ontem, encontra-se um conflito envolvendo dois acampamentos onde residem 3000 famílias, no Paraná, o Estado governado por Beto Richa, do PSDB. Alvo de uma enorme rebelião da juventude estudantil contra a Medida Provisória do Ensino Médio e contra a PEC do Teto de Gastos, a operação - batizada com o infeliz nome "Castra" - já nasceu como um clássico do diversionismo político-policial, recurso banalizado por toda autoridade incapaz de dar respostas legítimas a reivindicações colocadas pela maioria da população.
A disputa, neste caso, envolve um conflito já decidido a favor dos agricultores contra a empresa Araupel, uma das maiores do Estado na área de reflorestamento, com influencia política reconhecida junto ao governo Richa. Em abril, enquanto a articulação golpista contra Dilma se encontrava no auge, em Brasília, dois lideres do MST foram executados e 22 foram feridos numa ação da Polícia Militar num dos acampamentos, o Dom Thomas Balduíno. Como se pode imaginar, nenhuma responsabilidade criminal pelos assassinatos e pela violência foi apurada até agora, o que dá o caráter de farsa absoluta para uma operação na qual o MST é chamado, entre outras coisas, de "organização criminosa."
Numa disputa que se arrasta desde a década de 1990, não há dúvida o lado que tem a razão e deveria contar com as forças que tem o dever de fazer cumprir a lei a seu lado. "Há décadas a empresa explora irregularmente parte de uma área considerada pública, com um histórico de conflito e degradação ambiental," denunciou, o superintendente regional do Incra, Nilton Bezerra Guedes, como informou a Rede Brasil Atual, na época. Abrigando 7 000 pessoas, os acampamentos da área são o polo dinâmico de um dos municípios próximo, Rio Bonito do Iguaçu.
O horizonte é maior, porém. Os regimes de exceção não nascem prontos. O novo regime precisa ser construído tijolo a tijolo, de modo a assegurar a formação de um estado ditatorial no lugar onde havia, antes, um edifício democrático. Este é o processo em curso.
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