quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Petróleo: batendo todos os recordes





Carta Maior, 10/11/2016



Petróleo: batendo todos os recordes



Por Paulo Kliass*




O governo Temer se propôs como missão estratégica promover o mais amplo desmonte do Estado brasileiro que seja possível realizar no mais curto espaço de tempo. As sucessivas iniciativas apresentadas pelas áreas estratégicas de sua equipe ministerial apontam todas para a mesma direção.

Esse é o caso da PEC 55 (antiga 241), que pretende promover a redução mais brutal que se tem notícia na história brasileira dos gastos públicos de natureza social. É também a intenção da muito falada e pouca conhecida Reforma da Previdência, sempre na linha geral da retirada de direitos. Caminha no mesmo trilho a venda de empresas e ramos de negócios de empresas estatais para o capital privado, a exemplo do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, dos Correios, da Petrobrás, entre outras. Esse também é o objetivo do polêmico Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que pretende ampliar a participação do capital em serviços públicos, por meio de licitações, concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

A indicação de pessoas com elevado grau de alinhamento com a nata do financismo para ocupar postos essenciais na área econômica sugere um aprofundamento das relações incestuosas entre setor público e capital privado. BNDES e Petrobrás estão na linha de frente desse processo, onde o comando mais geral aponta para a retirada do protagonismo do setor público e para a ampliação dos benefícios e facilidades para a atuação do capital financeiro e internacional.
 

Privatização da Petrobrás: parte do desmonte

Um dos principais argumentos apresentados pelos grupos conservadores ao longo do processo do golpeachment referia-se à suposta “quebra” da Petrobrás. Tendo em vista os inegáveis equívocos praticados contra a empresa no passado, a entrada da empresa na alça de mira da Operação Lava Jato alimentou a narrativa da inviabilidade de nossa petroleira estatal. Operações articuladas envolvendo a especulação com a cotação das ações da empresa no mercado das bolsas de valores e o bombardeio cotidiano nos grandes meios de comunicação funcionavam como uma cortina de fumaça a respeito da real situação da empresa. Tratava-se de criar uma falsa situação pré catastrófica, fazendo antever inevitabilidade da destruição do sonho construído em 1954.

O novo presidente da Petrobrás, Pedro Parente, parece obcecado pela ideia de privatizar parcela significativa do patrimônio do grupo. Sob a elegante expressão do “desinvestimento”, o núcleo dirigente da empresa que chegou após a efetivação de Michel Temer no Palácio do Planalto tem realizado grande esforço para transferir áreas estratégicas para o capital privado. O foco se concentra nas dificuldades financeiras conjunturais para justificar o desmonte estrutural, com impactos negativos para o longo prazo.

No entanto, para os que trabalham com o setor de energia e acompanham atentamente a performance da empresa ao longo das décadas essa campanha não encontrava respaldo na realidade da vida produtiva do grupo. Não se trata de negar os malfeitos praticados pelos sucessivos dirigentes e muito menos ignorar as inequívocas dificuldades financeiras enfrentadas atualmente pela empresa. Ocorre que o potencial de exploração das reservas estratégicas que o Brasil mantém em seu subsolo continental e oceânico supera de longe as incertezas conjunturais. Essa é uma sólida garantia para o futuro operacional e econômico da Petrobrás, bem como para a consolidação de uma situação fiscal mais segura para o próprio País.


Estatísticas confirmam: Petrobrás firme e forte


Assim, mais uma vez a realidade surge para incomodar os catastrofistas de todas as matizes. Em meio a esse vendaval todo, o Brasil continuou a extrair um volume impressionante de óleo e gás dia após dia, batendo recorde atrás de recorde, apesar da profunda crise pela qual passa a Petrobrás. Essa deve ser, inclusive, a razão para a tamanha pressa de Pedro Parente e José Serra em reduzir rapidamente o espaço de nossa estatal e transferir o patrimônio público para as petroleiras internacionais. Afinal, ao capital privado interessa adquirir ativo estatal ao preço mais depreciado possível, em razão da recessão provocada pelo austericídio imposto pelas autoridades de nossa economia.

Os dados divulgados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) relativos ao mês de setembro confirmam as tendências dos boletins anteriores. Desde março deste ano que as estatísticas apontam para um crescimento contínuo das atividades extrativas e apresentam novos recordes atingidos no quesito operacional. Esse é retrato oferecido pelo Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural, divulgado pelo órgão regulador do setor.

A produção de petróleo atingiu 2.671 mil barris por dia. Esse valor representa um aumento de 2,4% sobre o antigo recorde de tal atividade, que havia sido atingido no mês anterior. Na comparação com setembro de 2015, o crescimento verificado foi de 11,5%.

A produção de gás natural apresentou comportamento semelhante. Os números para setembro foram de 110,4 milhões de metros cúbicos por dia. Isso significou um valor 1,5 % superior ao mês de agosto e um crescimento de 13,4 % sobre setembro de 2015. Ambos os resultados para os meses mais recentes representam recordes históricos na atividade relacionada ao gás.
 

A consolidação dessa produção total de óleo e gás representa um volume de 3.366 de milhares de barris de óleo equivalente por dia (Mboe/d), ou seja, um acréscimo de 2,2 % em relação aos 3.293 Mboe/d atingidos em agosto. Por outro lado, esse novo recorde expressa um aumento de 11,9 % em relação aos 3.008 Mboe/d que foram alcançados em setembro do ano passado.

Apesar de toda essa comprovada robustez da capacidade produtiva do setor e da Petrobrás, o movimento especulativo também pode também ser percebido na oscilação das cotações dos papéis da empresa na Bolsa de Valores. Em janeiro desse ano, por exemplo, no auge da expectativa da votação do impedimento de Dilma no Congresso Nacional, a ação chegou a um mínimo de R$ 4,20. Em poucos meses, após a consumação do golpe o título se recupera e chega a ultrapassar a marca de R$ 18,00 que havia sido a referência em 2013.
 


Lula disparado na liderança


A participação da Petrobrás nas atividades de produção de óleo e gás tem sido fundamental para os resultados obtidos pelo Brasil no setor. De acordo com a ANP, a nossa estatal é responsável por 93% do volume de petróleo e por 94% do volume do gás. Esse dado oferece o verdadeiro retrato da motivação do intento privatizante: retirar o protagonismo da nossa empresa pública e transferir os ganhos desse tipo de atividade para o capital internacional.

Por outro lado, cada vez mais ganha importância a produção relativa aos campos do Pré Sal em comparação ao total produzido. Segundo os dados de setembro, o conjunto dos poços de exploração ultra profunda já representam quase 57% do volume de óleo e gás natural produzido no Brasil. Há 2 anos atrás esse percentual das camadas pressalinas representava apenas 22% do total produzido A distribuição dos campos que mais produzem destaca o campo de Lula com a maior participação individual, atingindo 56% do total do Pré Sal.

Caso sejam considerados todos os espaços de produção, o ranking dos 20 maiores campos de produção aponta a presença da Petrobrás em 18 deles. Mais uma vez Lula aparece disparado no liderança, com 820 Mboe/d – o campo isolado contribui com 24% da produção total de óleo e gás do Brasil.

Frente a tal quadro de capacidade operacional comprovada e de crescimento potencial estratégico não há razão alguma para essa campanha de descrédito da empresa. Basta o governo assumir o desejo de superar as dificuldades atuais e manter a disposição de assegurar o protagonismo público na exploração dessa importante riqueza estratégica que nosso País ainda mantém sob seus domínios.
 





Carta Maior, 16/11/2016


Petrobras satisfaz o paladar francês



Por Leneide Duarte-Plon, de Paris*




«Enquanto nossa maior empresa vai sendo desmontada, esquartejada, descaracterizada estrategicamente, as mentiras sobre ela vão se acumulando», escreveu recentemente o jornalista Mauro Santayana.

É curioso ver como a abertura da exploração do petróleo às empresas estrangeiras, que entrega parte do patrimônio da nação às multinacionais é noticiada pela imprensa francesa como quase uma evidência.

Nenhuma consideração sobre a exploração midiática e judiciária por meses do «escândalo da Petrobras» para fazer o povo brasileiro engolir a pílula amarga da desnacionalização do setor do petróleo.

O fim da reportagem de página inteira do 'Le Monde' de 12 de novembro intitulada «O doloroso renascimento da Petrobras» acompanha o tom geral do texto:

«A desgraça da Petrobras, provocada pelo escândalo de corrupção e pela queda brutal do preço do barril obriga hoje o Brasil a atenuar seu «nacionalismo petrolífero».»

O 'Le Monde' pensa que o Brasil foi «obrigado» a jogar na lixeira a proteção das empresas nacionais que, a rigor, pertencem ao povo brasileiro? Qual país sensato diante de uma crise de corrupção vende as «jóias da coroa»?

Como uma concessão ao bom jornalismo, a correspondente do jornal francês de referência, Claire Gatinois, ouviu José Maria Rangel, membro do Sindicato da Federação Única dos Trabalhadores do Petróleo «que sonha ver a Petrobras como a grande empresa que conheceu». O sindicalista pensa que «essa história de corrupção serve apenas para satisfazer uma política neoliberal de abertura do petróleo brasileiro aos capitais estrangeiros».

O subtítulo da mesma matéria dava o tom de júbilo que a França - como outros países interessados no petróleo do pré-sal - não consegue esconder. «Sob os efeitos de uma profunda reestruturação, a ação ganhou 150% desde janeiro.»

Essa informação, que mostra que as ações sobem desde o início do ano, vem ecoar um trecho do mesmo artigo de Santayana :

«Uma estratégia deliberada de sabotagem da credibilidade da empresa, para derrubar o governo anterior e levar as suas ações ao chão, para que grandes investidores privilegiados, como George Soros, por exemplo, e acionistas estrangeiros que nunca acreditaram em sua quebra e no catastrofismo fascista fizessem extraordinárias fortunas, em poucos meses, como aconteceu este ano, enquanto otários tupiniquins pseudoconservadores e midiotizados se desfaziam de suas ações, metendo o pau na empresa, nas redes sociais, a R$ 5, quando elas estão valendo hoje quase R$ 20».


Les Échos

O jornal de economia 'Les Échos' - que pertence ao bilionário Bernard Arnauld – noticiou há alguns dias com indisfarçável júbilo a abertura do mercado brasileiro de petróleo às companhias estrangeiras.  Ele explicava que a lei recém-votada já não exige uma participação mínima de 30% da Petrobras na exploração dos poços do pré-sal.

A decisão foi definida pelo 'Les Échos' como «histórica». O especialista em energia Denis Florin, criador da consultora Lavoisier Conseil, estima que essa lei «marca uma verdadeira ruptura, uma derrota para os defensores do nacionalismo na exploração do petróleo».

O jornal de economia informa que a nova lei foi objeto de grande debate e de oposição. «Recusando-se a deixar que recursos vitais do país passem sob controle estrangeiro, deputados do Partido dos Trabalhadores se opuseram vigorosamente. A lei adotada pelo presidente Lula em 2010 determinava que a empresa Petrobras deveria possuir pelo menos 30% das reservas do pré-sal e ser ela mesma a exploradora. Mas a situação econômica do país, submerso por seu déficit orçamentário falou mais alto».

De novo, a entrega do petróleo brasileiro é mostrada como uma fatalidade.

Nenhuma palavra sobre a luta política e o contexto de tomada de poder por grupos políticos que defendem interesses das seis irmãs que exploram majoritariamente o petróleo do planeta.


A empresa francesa de petróleo Total faz parte das seis maiores do setor _ com ExxonMobil, Shell, Chevron, BP e ConocoPhillips. Obviamente, o capitalismo francês está exultante. Total detém 20% do campo gigante de Libra e informou seu investidores que a produtividade dos primeiros poços explorados na região era «excelente».

Em matéria de 24 de novembro do 'Les Echos' intitulava : «Os dois gigantes, o brasileiro e o francês, querem acentuar a cooperação». A associação foi saudada como uma «aliança estratégica» pelo presidente da Total, Patrick Pouyanné.  

Total e Petrobras já são associadas em 15 consórcios, 9 no Brasil e 6 no resto do mundo, no golfo do México, Nigéria e Bolívia.

Milton Costa, secretário-geral do lobby Brazilian Petroleum Institute, deu ao jornal francês uma informação contestada por alguns analistas brasileiros: «De nenhuma forma, a Petrobras tem os meios de satisfazer sozinha as necessidades do pré-sal».

Descoberto em 2007, o pré-sal representa cerca de 100 bilhões de barris. «As majors internacionais trarão sua capacidade de gerar grandes projetos complexos», diz o consultor francês Denis Florin.

E trarão, sobretudo, muito apetite nos monumentais lucros que o pré-sal brasileiro representa.

Os dois jornais franceses que mais deram espaço ao interesse da Total no petróleo brasileiro ficaram devendo aos leitores argumentos menos parciais.

No 'Le Monde', Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura atribuía ao PT a «destruição da Petrobras».
 

No 'Les Échos', o mesmo Pires dizia que o acordo entre Total e Petrobras iria ajudar a empresa brasileira a se reerguer. E acrescentava : «Sob o governo anterior, havia uma espécie de nacionalismo exacerbado e a empresa naufragou. Agora as coisas são diferentes».

E como.

O Brasil perde em todos os campos. Em soberania e em riqueza. O petróleo deixou de ser nosso.


*Autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira, 2016)

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