CartaCapital, 06/11/16
Com a força do muiraquitã
Ao criar um novo prato para seu restaurante de 120
lugares, o belenense Thiago Castanho pouco lembra do curso de gastronomia
em São Paulo ou do estágio na cozinha lisboeta renovadora de Vitor Sobral.
O chef de 28 anos recorre bem mais à memória
dos pratos aprendidos com os pais restaurateurs e às frequentes viagens
pelo Pará, a visitar fornecedores de farinhas-d’água, chocolate etc. Além de
ter feito toda a diferença, o fermento familiar gerou modelo de negócio, com o
caçula Felipe à frente do setor de bebidas, a mãe Carmen na contabilidade e o
pai, seu Chicão, no comando de um segundo restaurante, de cozidos.
Ele foi pescador em Itaituba, à beira do Tapajós,
ela produzia farinha de mandioca em Bragança, próxima ao oceano. “Os pais foram
meu capital. Por mais que estude, o cozinheiro que cresce comendo
biscoito industrial só pode ser um reprodutor de fórmulas, vazio”, ajuíza
Castanho, com voz serena, apesar das 14 horas diárias de azáfama no Remanso do Bosque,
em frente ao Jardim Botânico local.
Em dois anos, porém, a fim de montar lugar menor e
incrementar qualidade, ele deve entregar o ponto privilegiado, com 40
funcionários, no 44º posto da lista
latino-americana do referencial The World’s 50 Best.
A premiação, na Cidade do México, em setembro,
contou com outros oito brasileiros, todos do Sudeste, a dar testemunho de
isolamento geográfico, pois à frente do Remanso figuram casas de Lima e Buenos
Aires muito aquém de sua cozinha estado da arte.
Uma reportagem de 2014 no New York Times, a
destacar seu “laboratório de revelações culinárias”, proporcionou, segundo o chef,
mais que clientes estrangeiros, reconhecimento na própria Belém, que “espera
aprovação externa para tudo, na mentalidade ancestral de que fala Roberto DaMatta”.
O antropólogo nutre suas leituras, junto à Metafísica do
Amor, de Arthur Schopenhauer. O
tratado sobre a sexualidade ajuda o escorpiano lutador de jiu-jítsu a
“compreender clientes e empregados”, bem como a si próprio.
Filosofia à parte, em vez de casar prefere, por ora, “administrar os namoros”, assim no plural. O lazer cinematográfico reflete desconfiança ante o sucesso meteórico, que inclui 60 mil exemplares de livro traduzido para 15 línguas (Cozinha de Origem), seis prêmios internacionais e viagens ao exterior para um único evento, como banquete servido pelo consulado brasileiro na Suíça, há um mês. Revê anualmente Clube da Luta (1999), com seus desdobramentos subversivos de personalidade, mesmo problema da série predileta, Mr. Robot: Sociedade hacker.
O renome não o aproximou das autoridades
estaduais do turismo (PSDB), que em junho instituíram por decreto, em meio a polêmicas, o ambicioso Polo
Gastronômico da Amazônia. Para sede anunciou-se o desalojamento do Museu de
Arte Contemporânea, há 15 anos na histórica Casa das Onze Janelas, do século
XVIII. Artistas e frequentadores reverteram a ideia e
atacaram o mentor e candidato à gerência do Polo, Alex Atala, que, ofendido, retirou-se. Castanho enxerga ser o projeto “todo idealizado por pessoas de fora e bem maior do
que deixam ver”.
“Só
conheceremos prontos o restaurante licitado, o museu de culinária e o
barco-escola de imersões na mata, para ensinar os ‘pobres-coitados’ a produzir
tucupi etc., em um neocolonialismo que nos agride
muito.” O chef é endossado pelo experiente Nazareno Alves,
dos restaurantes Point do Açaí: “Nosso
antigo sonho merece ser discutido com toda a sociedade, mas excluíram a seção
paraense da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, que integro com
muitos outros chefs”.
Castanho
invoca respeito ao ritmo da região. “Não é alguém do
Sul que vai dizer à dona
Nena da ilha do Combu (a 15 minutos de
barco de Belém) como produzir mais de 70 quilos
mensais de chocolate. Acaso ela quer ou precisa?”
Na mercearia de seu restaurante, o chef
comercializa os tabletes Filha do Combu, a par de 15 itens desenvolvidos
por sua marca artesanal Remanso, como a cerveja section de IPA
saborizada de manga e um leve Chardonnay desenvolvido com sommelier
argentino no Vale dos Vinhedos (RS), com o qual pesquisa uma linha de três
espumantes. “Eles vão puxar pratos com ostra-do-mangue,
cuja segurança de consumo estamos construindo.”
Cultivado a 200 quilômetros de Belém, o molusco
integra o cardápio coroado por peixe filhote na brasa com texturas e sabores de
humilhar qualquer bacalhau. A bordejar a poesia em sua descrição de
ingredientes amazonenses, o menu dura, no entanto, só até 2018: “Então começo
meus estudos culinários no Japão”.
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