terça-feira, 22 de novembro de 2016

O "faroeste" brasileiro



Jornal GGN, 22/11/16



O "faroeste" brasileiro


Por Luis Nassif



Um procurador descobre um malfeito de uma autoridade.

Quais as três decisões possíveis?

a) Não fez nada, porque a autoridade, além de muito influente, era do seu time.

b) Apurou rigorosamente o crime para ganhar reputação ou por outras formas de interesse.

c) Apurou o crime pelo fato de ser sua função apurar crimes.

Das três opções, a única moralmente legítima é a C.

O fato é que o Estado de Exceção defendido por Luís Roberto Barroso abre espaço para todo tipo de jogada. Cria-se a figura do inimigo e, por baixo da guerra santa, há guerras comerciais, disputas partidárias, interesses corporativos e até confronto entre organizações criminosas. Tudo escondido debaixo do manto da luta contra a corrupção.

O caso Garotinho, até agora, é o exemplo mais flagrante do que acontece quando se derrubam os limites legais à atuação dos agentes públicos.

O Ministério Público Federal necessitava de um fato político de impacto para pressionar senadores a acatar integralmente as tais 10 Medidas contra a Corrupção, impedi-los de votar o Projeto de Lei contra Abuso de Autoridades e investigar os vencimentos acima do teto no serviço público.

Soltam, então, a bomba Sérgio Cabral Filho, que vinha sendo maturada há tempos. Mas, aí, abririam um flanco contra a Globo.

O ex-governador Garotinho ameaçava divulgar um dossiê contra autoridades do Estado envolvidas no esquema de Cabral, assim que o adversário fosse preso. Dentre elas, o ex-futuro presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Zveiter, estreitamente ligado à Globo.

Zveiter controla um amplo espectro de relações no TJRJ. Ao lado da esposa de Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, teve papel central para convencer o governo Lula a indicar Luiz Fux para o STF (Supremo Tribunal Federal). Em retribuição, Fux tem procurado matar no peito as ações contra Zveiter. Dias atrás, uma não-ação da presidente Carmen Lúcia, claramente alinhada com a Globo, e do corregedor José Otávio de Noronha, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), livrou Zveiter de um Processo Administrativo Disciplinar.

Como impedir, então, que Garotinho levasse à frente seu intento e denunciasse os esquemas em vigor na Justiça carioca, deixando em maus lençóis seu parceiro, a Globo?

A maneira encontrada foi simultaneamente prender Garotinho para dividir o foco das atenções e colocar mais gás na pressão sobre o Congresso.

Garotinho é acusado de crime eleitoral. Em nenhuma hipótese se justificariam interceptações telefônicas e, menos ainda, prisão preventiva. O estardalhaço montado visou mais do que isso, o seu assassinato político.

No inquérito, é acusado de utilizar politicamente o programa Cheque Cidadão nas últimas eleições. Segundo as denúncias, Garotinho teria inflado com mais 18 mil beneficiários, indicados pelos candidatos a vereador. E teria ameaçado testemunhas.

No despacho, o juiz Glaucenir Silva de Oliveira acusa Garotinho de se valer dos meios de comunicação – seu Blog e o jornal Diário, de Campos – "para causar temor e insegurança jurídica perante os munícipes e gerando também a descredibilidade da população nos ditames da lei e no trabalho da Justiça Eleitoral”.

Recorre à estratégia da Lava Jato de desqualificar qualquer crítica como obstáculo às investigações. Aliás, imita a Lava Jato até na menção ao discurso de Theodore Roosevelt sobre a corrupção.

O juiz, os procuradores e os delegados da Polícia Federal atropelaram o Código Penal e as leis que definem os abusos de autoridade. Montaram um espetáculo midiático indesculpável na prisão de Garotinho e de Sérgio Cabral.

Armaram uma operação de guerra, avisaram a imprensa e promoveram um ato de vingança, ordenando o envio de ambos para o Presídio de Bangu, expondo-os ao achincalhe da população. Cabral foi exibido com cabelo raspado e roupa de presidiário.

Toda a operação destinada a desumanizar Garotinho e transformá-lo em Inimigo Público No. 1 esbarrou, contudo, em uma crise cardíaca não prevista que acometeu Garotinho e o levou ao Hospital Souza Aguiar.

Mesmo assim, o juiz Glaucenir atropelou recomendações médicas e ordenou que fosse literalmente arrastado para o hospital do presídio. Qual a razão para tamanha radicalização?
Comportou-se da mesma maneira impiedosa do juiz Ademar de Vasconcellos, ao impedir que José Genoíno, em crise cardíaca, após uma cirurgia de alto risco, pudesse receber tratamento médico adequado. A vida de Genoíno foi salva por uma moça corajosa, supervisora dos presídios do Distrito Federal.

O episódio de Garotinho na maca, coberto por um lençol, lutando contra a remoção, chocou até a opinião pública contrária a ele.

De repente, toda a construção jurídico-midiática, de desumanização do inimigo, de tirá-lo da condição de indivíduo, com direitos, foi por água abaixo. Por falta de reflexo da cobertura, todos os holofotes acabaram se concentrando na cena de Garotinho sendo arrastado para a ambulância. Meramente porque não houve tempo para as chefias se darem conta do estrago que a cena traria para a operação.

E aí entra em cena nem se diga a falta de humanidade, mas a falta de esperteza desse espírito animalesco que rege os atos dos justiceiros: o juiz Glaucenir tratou de ampliar a imagem de martírio ordenando que, mesmo com crise cardíaca, Garotinho fosse transportado para Bangu.

De nada adiantaram os riscos à saúde e os riscos de vida – como ex-Secretário de Segurança, Garotinho tem inúmeros adversários no presídio, colocando sua vida em risco. Praticou-se, ali, um ato de vingança e, pensava-se, um assassinato político, enquanto jornais como O Globo e o Estadão celebravam a humilhação imposta a Garotinho.

No Estadão, fizeram um levantamento dos melhores memes criados em cima da cena degradante de Garotinho sendo transportado para uma ambulância e a família chorando. A Rede Globo difundiu a imagem em seus telejornais. Deu-se carne fresca a uma opinião pública doente.

As imagens foram tão chocantes que, no lado saudável da opinião pública, criou uma onda de indignação que superou a pós-verdade da Globo. Menos Luís Roberto Barroso, o renascentista da Globonews, para quem o direito penal do inimigo é a maneira de transportar o país para o novo século.

Houve então a necessidade premente de nova desconstrução da imagem de Garotinho, para retirar-lhe o ar de vítima.

No plano familiar, o colunista Artur Xexeo há muitos anos especializado em desmoralizar pessoas, especialmente mulheres, que ousem criticar seu empregador – cometeu um artigo covarde explorando o desespero da filha de Garotinho (http://oglobo.globo.com/cultura/os-gritos-de-clarissa-20502070)E a força-tarefa colocou em prática um conjunto de expedientes midiáticos, que compõem uma espécie de manual tácito da contrainformação, para se prevalecer do apoio da mídia.

Estratégia 1 – amplie as suspeitas sobre o réu.

O juiz Glaucenir informa que recebeu uma proposta de suborno de Garotinho e seu filho, entre R$ 1,5 milhão e R$ 5 milhões. No tribunal utilizado para a denúncia – a mídia – não aparece nenhuma prova da suposta tentativa. Nem se explica a razão do juiz ter mantido a informação em sigilo por mais de um mês, nem o fato de não ter dado voz de prisão ao subornador.

Estratégia 2 – coloque sob suspeita qualquer autoridade que possa se contrapor às arbitrariedades cometidas.

O juiz Glaucenir tratou de criminalizar a denúncia de Garotinho à corregedoria da Polícia Federal e colocar sob suspeita o corregedor, baseado em grampos, nos quais Garotinho meramente menciona que conversou com o corregedor. 

Essa estratégia, aliás, foi aplicada pela Lava Jato, quando os delegados – chefiados por Igor Romário – passaram a ser alvo de investigação devido às denúncias de grampo na cela em que se encontrava o doleiro Alberto Yousseff. Imediatamente procuradores saltaram em defesa dos delegados, denunciando os colegas de terem pago o Estadão para a publicação do dossiê dando conta das campanhas do grupo por Aécio Neves, no Facebook.

Através do Fantástico, a Força-Tarefa e a Globo fizeram o mesmo com a Ministra Luciana Lossio, que ordenou a transferência de Garotinho para prisão domiciliar. Matéria do Estadão tratou com suspeição o fato de Garotinho manter contato com ela, para alertá-la sobre os abusos. Esse mesmo modelo de se valer de grampos ou delações e criminalizar contatos entre inimigos e juízes foi largamente utilizado pela Lava Jato para intimidar magistrados.

Nem isso sensibilizou o Ministro Barroso, a linha Maginot da democracia, que foi colocado para correr com os primeiros ataques desqualificadores que recebeu dos blogs de Veja.

Estratégia 3 – crie uma ameaça para fortalecer a imagem de heroísmo da Força Tarefa.

O procurador que chefiava a operação, Sidney Madruga, solicitou medidas de emergência contra ameaças que pairavam sobre o grupo (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/procurador-do-rj-pede-seguranca-para-promotores-de-campos.html). A manchete do Globo informava que “prisão de Garotinho gera pedido de segurança a promotores e juízes”. Vai-se garimpar a informação e fica-se sabendo que um procurador recebeu um telefonema anônimo e não sabia informar qual a motivação. Apenas isso.

No dia seguinte, confirmou-se a angioplastia em Garotinho, para a implantação de stents.

Delegados, procuradores, juízes são agentes do Estado.  A maneira de controlar seus poderes é a obediência rigorosa às leis.

Quando o próprio  Ministro Luís Barroso, plenipotenciário magistrado do Jardim Botânico, defende o Estado de Exceção, significa o país abdicar de qualquer forma de controle sobre os agentes públicos.

Dali para frente, tudo pode acontecer, especialmente quando se monta a parceria com cartéis de mídia. Perde-se o filtro, da mesma maneira que as empresas quando passam a recorrer ao Caixa 2 e perdem o controle da contabilidade oficial.

A tibieza do Procurador Geral Rodrigo Janot, a cumplicidade dos Ministros do STF com o arbítrio – especialmente Carmen Lúcia e Luís Roberto Barroso -, a irresponsabilidade da mídia instauraram um faroeste em todo o país, do qual será muito difícil sair.

Nenhum comentário:

Postar um comentário