segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Fidel, a felicidade guerreira latino-americana vai para o Orun







Opera Mundi, 28/11/16




Eu nunca fui a Cuba, mas guardo saudades dela



Por Valério Arcary




Milhões entre os melhores militantes da causa socialista se emocionam com a morte de Fidel. A vida me ensinou que quando os nossos choram, é importante demonstrar respeito. Respeito não é reverência. Respeito é consideração. Permanecer indiferente a esta reação seria uma arrogância perigosa.

O ódio contra Fidel e contra Cuba é expressão de um ódio social contra o igualitarismo, a fraternidade, a solidariedade, que são o coração da luta dos trabalhadores. Querem enterrar o símbolo que a revolução cubana foi para mais de uma geração. Porque Cuba provou que a revolução permanente, a simultaneidade, em um processo ininterrupto e acelerado de uma revolução democrática, uma revolução anti-imperialista, uma revolução agrária, uma revolução negra, com uma revolução anticapitalista era possível. Uma façanha histórica imensa.

Na hora do adeus é preciso ter perspectiva de classe.

Ouvi o ameaçador “Vai para Cuba”, pela primeira vez, no dia 20 de Junho de 2013, na Paulista. Era ecoado por uma coluna de extrema direita de algumas centenas de seguidores furiosos, coléricos, enraivecidos. Agora o ódio dos que nos ameaçam, insolentes, desassombrados, e defendem, descaradamente, o egoísmo, a desigualdade, e a competição se volta contra Fidel.

Tanto ódio assim precisa ser explicado. A razão é terrível, mas é simples. A pequena ilha de Cuba realizou proezas sociais fantásticas. Demonstrou que as relações sociais pós-capitalistas, apoiadas na socialização da propriedade, no planejamento, e no monopólio do comércio exterior, o tripé de uma estratégia socialista, eram superiores ao capitalismo. Cuba não pode ser comparada com países que já estavam, nos anos sessenta, em estágios de desenvolvimento histórico superior. Isso é anacrônico. Cuba merece ser comparada com aquelas nações que emparelhavam com ela quando Batista estava no poder: Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. Ainda lembro de um episódio que me impressionou pela altivez. Quando o Papa polonês visitou Cuba, em 1998, um cartaz anunciava: Milhões de crianças dormirão hoje na rua. Nenhuma delas é cubana”. Eu, que nunca fui castrista, senti orgulho.

Fidel será castigado hoje, talvez mais do que nunca, com a acusação de que foi um ditador implacável. Aqueles que lutamos pelo socialismo devemos ser conscientes do significado deste ódio de classe: querem enterrar com Fidel a esperança que Cuba representou. Nós queremos que aquela inspiração, personificada no exemplo internacionalista de Che Guevara, renasça.

Conheci Fidel Castro quando ele veio ao Brasil em 1990. Eu era membro da executiva nacional do PT, e uma reunião especial foi organizada no Anhembi. Luiza Erundina era a prefeita de São Paulo. Não éramos mais do que umas poucas dezenas. Fidel impressionava pelo gigantismo de sua personalidade: força de caráter, rapidez de pensamento, intensidade emocional, tudo parecia autêntico.

Eu nunca fui a Cuba. Mas a ilha da revolução sempre viveu dentro de mim.

Na hora do adeus, quero guardar essa saudade para sempre.

http://www.revistaforum.com.br/quilombo/2016/11/26/fidel-a-felicidade-guerreira-latinoamericana-vai-para-o-orun/




Revista Forum, 26/11/16



Fidel, a felicidade guerreira latino-americana vai para o Orun



Por Dennis de Oliveira*




O ex-presidente de Cuba, Fidel Castro, faleceu na madrugada do dia 26 de novembro aos 90 anos. O líder cubano foi um verdadeiro ícone não só da revolução latino-americana, mas principalmente da resistência popular ao imperialismo norteamericano.

Parte do ódio da direita a sua pessoa decorre da sua trajetória vitoriosa. A pequena ilha derrotou o imperialismo estadunidense que tudo fez e faz tanto para assassinar o líder cubano como para derrubar o socialismo naquele país. No fim, depois de muito tempo, as relações dos EUA com Cuba começam a se distender.

O Estado socialista de Cuba auxiliou vários processos de independência em países africanos, como Angola e Moçambique, com envio de médicos para aqueles países assolados pela guerra civil insuflada pelo imperialismo e pelo então regime do apartheid que vigorava na África do Sul. Mais recentemente estabeleceu relações comerciais fortes com os seus vizinhos latino-americanos, em especial as democracias populares de Venezuela e Bolívia.

Estas ações internacionais de Cuba se pautavam não pelo “treinamento de tropas armadas” como costumam ser as relações do imperialismo, mas na transferência de tecnologias da área social, como envio de profissionais da área da saúde especializados em medicina preventiva e realizada em condições desfavoráveis; exportação de métodos de alfabetização massiva e treinamentos em modalidades esportivas, entre outros.

Era uma ação geopolítica? Sim, mas centrada no desenvolvimento social e humano e não na manutenção de privilégios ou de interesses de corporações.

Nas suas obras analíticas sobre as revoluções iluministas na França, Karl Marx apontava que o conceito de liberdade e igualdade das democracias burguesas se pautavam na perspectiva do indivíduo isolado, dos interesses individuais. Interessante é que toda a concepção de sociedade democrático-burguesa parte do pressuposto de que os interesses individuais são o ponto de partida para se buscar uma pactuação. Não é à toa que todos os contratos jurídicos começam sempre assim: Dizem de um lado, fulano de tal, e do outro, sicrano… O que isto significa? Que na ordem burguesa, os indivíduos são adversários, têm interesses diferentes que só podem ser mediados por normas.

É por esta razão que os “analistas políticos” burgueses não conseguem compreender o sistema político socialista de Cuba. Isto porque, ao contrário de uma “democracia capitalista”, a ordem socialista não parte dos interesses individuais e sim dos coletivos. Daí então que democracia no socialismo parte primeiramente de garantir os direitos básicos para toda a população. Não é à toa, então, que o elemento central desta ordem social implantada em Cuba são os inegáveis avanços sociais em uma ilha que até 1959 era um prostíbulo e cassino dos Estados Unidos.

Se esta ordem social tem como pressuposto garantir os interesses coletivos, a gestão do Estado deve ser feita a partir de processos de discussão coletivos. As eleições em Cuba são realizadas de forma radicalmente diferente dos países capitalistas. As assembleias locais, provinciais e a nacional são formadas por parlamentares eleitos e cujas candidaturas são debatidas e escolhidas em reuniões que começam desde a base (nos comitês de defesa da revolução que estão nos bairros). São candidaturas escolhidas, portanto, a partir de discussões coletivas e não a partir de interesses privados, como ocorrem cada vez mais nas eleições das “democracias” burguesas. Democracia burguesa que acaba de eleger, nos EUA (o exemplo de “democracia” para a grande mídia) um protonazista e, pior, que ganhou a eleição mesmo tendo menos votos que a sua concorrente!

Acompanhei de perto vários destes processos no fim dos anos 1990. Os sistemas públicos de comunicação em Cuba transmitiam mesas redondas, debates, entre outros. É evidente que este sistema longe está da perfeição e tem vários problemas. Algumas temáticas são ainda pouco compreendidas na ilha, como, por exemplo, as relações raciais que só mais recentemente começaram a ser pautadas nos debates públicos (já que ainda se acreditava que o racismo é automaticamente superado pela luta de classes).

Ainda assim, é inegável o papel importantíssimo que Fidel Castro teve na luta contra o racismo no mundo. Desde o apoio às lutas pela independência de países africanos e mesmo apoiando o ativismo negro nos EUA.

É inegável que esta experiência cubana aponta uma alternativa de ordenamento social distinto. Também demonstra que é possível, sim, uma nação latino-americana, do Terceiro Mundo, ter autonomia e não se submeter ao imperialismo. E que é possível estabelecer uma geopolítica centrada no humano e não nos interesses particulares. Fidel Castro foi o grande líder de todo este processo histórico.


*Professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

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