The Intercept,
17/11/16
Desmonte da comunicação pública promove propaganda do governo
Por Heloisa T. Machado
Até o momento crucial do impeachment da presidenta Dilma, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), mesmo que lhe pesem alguns erros e contradições, representou, para os que acreditam na comunicação pública, um espaço de exercício democrático, onde a expressão do contraditório, raramente presente na grande mídia conservadora e privada, pode se realizar.
Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Forum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula. Porém, no alvorecer do que chamamos de golpe, apesar de seus aspectos aparentemente institucionais, outra medida provisória, assinada pelo então presidente em exercício, Rodrigo Maia (durante viagem de Michel Temer), surgia como vetor de forças em sentido contrário ao da MP que criou a EBC. A MP 744 dissolveu justamente o centro democrático da empresa, o Conselho Curador. A partir daí, um verdadeiro desmonte das principais estruturas da organização da EBC foi iniciado ali e continua em curso.
A ausência do Conselho gera inúmeros problemas. Não é por acaso que as estruturas organizacionais das TVs públicas em outros países (e de todos os órgãos de Comunicação) contam com a presença de conselheiros oriundos da sociedade civil. Formado por representantes de vários segmentos, organizados através de movimentos sociais, o controle público foi uma das principais demandas e conquistas dos ativistas e militantes da área da comunicação com o objetivo de manter uma participação social, coletiva e plural nos caminhos da empresa.
A EBC, neste momento, se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica. Esse equívoco, porque a empresa é estatal, costuma ser frequente. Evidentemente, pertencer ao Estado é diferente de pertencer e servir a um governo, a um ou mais partidos governantes ou a uma linha de pensamento ideológico e a interesses de grupos políticos específicos. O controle público é fundamental para garantir à empresa justamente seu caráter popular e verdadeiramente democrático, uma vez que seus recursos são frutos da contribuição da população que paga impostos. Através do acompanhamento e do aconselhamento da sociedade civil, exercidos democraticamente pelos conselheiros indicados, escolhidos e eleitos para representar uma gama variada de grupos diversos, o controle social da Empresa Brasileira de Comunicação era e é ainda uma das prioridades dos movimentos organizados para lutar pela democratização dos meios de comunicação no país.
Como consequência da
ausência do controle público exercido pelo Conselho, uma importante norma estabelecida para a nomeação do presidente da EBC
foi violada, com a demissão do jornalista Ricardo Melo. Nomeado pela presidenta Dilma, Melo foi arbitrariamente exonerado duas vezes e sem um Conselho Curador que pudesse
garantir seu direito ao exercício da presidência, num descumprimento das
normas, regras e leis que regem a empresa. O período para nomear o presidente da EBC jamais poderia coincidir com
a nomeação de um novo presidente da República, evitando-se, assim, que a
comunicação pública esteja nas mãos dos grupos políticos que ocupam o poder.
A partir do momento em que o presidente da empresa é exonerado, na ausência do Conselho, havendo mudança nos rumos editoriais, podemos dizer que a EBC se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica, reforçando o campo desregulado da comunicação no Brasil.
Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos
Aliás, é importante salientar que, diferentemente de vários outros países, a televisão, no Brasil, nasceu, em 1950, da iniciativa privada, e talvez esse aspecto esteja na base do fato de não existir ainda um Marco Regulatório da Comunicação no Brasil. Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos, sobretudo ao direito à comunicação, crucial para nossa época tão voltada às tecnologias digitais.
Vale ressaltar que o espectro eletromagnético é um bem público, cedido, por meio de outorgas e concessões, a empresas de canais de televisão. Segundo a Constituição, toda a comunicação (assim como essa exploração dos canais) deve seguir objetivos culturais e educativos. A mídia privada e hegemônica desrespeita constantemente esses princípios constitucionais e, enquanto não houver um verdadeiro processo de normatização e a criação de um Marco Regulatório para as Comunicações, seremos manipulados pela opinião dos canais com maior público, cujo poder político é evidente, porém, inadequado.
O mais alarmante é que essas empresas concessionárias, numa tentativa de manipulação da opinião pública, usando nosso espectro eletromagnético público, classificam a regulação da mídia como censura. Ora, censura exercem esses canais ao pretender calar a voz dos que clamam por uma verdadeira liberdade de expressão, válida para todo o povo brasileiro.
Para finalizar, fica o alerta, já divulgado amplamente nas redes sociais, de que a EBC pretende comprar conteúdos da Rede Globo. Seria a mais pura prova da perda do espaço da nossa Empresa Brasileira de Comunicação, tão fundamental à população brasileira, ao lado de uma imensa rede de TVs públicas, comunitárias, universitárias e educativas, que contam com mais de duzentos canais existentes no país, mas que também sairiam perdendo, pelo aumento do poder hegemônico da mídia privada e seus interesses.
Isso é liberdade de expressão? Para quem?
http://www.
DCM, 15/11/16
O âncora Willian Correa afundou o Roda Viva sem se dar conta
Por Paulo Nogueira
Involuntariamente, o jornalista Willian Correa, âncora do Jornal da Cultura, produziu um dos vídeos mais reveladores sobre o jornalismo brasileiro destes tempos. (Kiko Nogueira falou disso aqui.)
Ao longo de sete minutos, ele retratou a festa brega que se seguiu ao Roda Viva com Temer, gravado no Alvorada e que foi ao ar ontem.
Estavam ali Temer, é claro, autoridades da Cultura e as estrelas da noite — os jornalistas que compuseram a bancada, de Eliane Cantanhede a Sérgio Dávila, e por aí vai. Dávila diz uma frase de grande originalidade: o melhor detergente para a sociedade é a transparência. Não entendi a relação entre transparência e Roda Viva, mas deve ter sido um problema meu.
Eliane em seguida se aproxima da câmara e conta, em tom de segredo, que Temer está escrevendo um romance. “E ele é bom de romance”, sussurra. Eliane deve estar esperando ansiosamente seu exemplar gratuito do livro em construção.
Correa foi extremamente efusivo com os jornalistas — mas ninguém foi tão louvado por ele como ele próprio. Sempre que falou na força da bancada, ele fez questão de se referir a si próprio entre os titãs. “Grandes figuras perguntando, uma grande figura respondendo”: cita alguns e, sem nenhuma cerimônia, se coloca entre as “grandes figuras perguntando”.
O vídeo vale pelos detalhes. Merece ser visto uma, duas, várias vezes para que você não os perca.
O melhor deles foi um em que Correa pega pelo braço Temer. E diz que queria mostrar que Temer é gente como a gente. Deus, ele parecia estar falando de Churchill, ou De Gaulle, ou de Getúlio Vargas, e não de um presidente extremamente impopular.
A melhor maneira de Temer mostrar que é gente como é gente não é pelas mãos de Correa. É apresentando-se ao povo, em vez de fugir como tem feito até agora.
O melhor estava por vir. Temer agradece por mais essa “propaganda”. Pro-pa-gan-da. O Roda Viva foi chamado de propaganda.
Não poderia haver descrição melhor do que esta, mas daí a admitir é uma longa jornada. Temer não parece ter noção do que seja jornalismo e do que seja propaganda, e com certeza os jornalistas presentes não o ajudaram entender a diferença.
Temer ri, sem se dar conta do disparate — e do insulto aos entrevistadores. Correa segue-o na risada solta e tola, também alheio, aparentemente, à força destrutiva da palavra “propaganda”.
O fecho da cena é um primor. Alguém não identificado, ao lado de Temer, dá uma gargalhada gutural, que deve ter sido ouvida por toda Brasília.
É a célebre risada ao adulador. Ele gargalha como se Temer fosse Mr. Bean num grande momento de humor. Você reconhece este tipo de reação em vários ambientes. No mundo corporativo, é um clássico. As pessoas riem de qualquer coisa que o presidente diga — mesmo quando não se trata de piada. Na dúvida, riem.
É um mundo à parte aquele. O presidente da Cultura, Marcos Mendonça, elogia a entrevista. “Toda a mídia” estava ali representada.
Toda?
E a mídia de esquerda, com seus milhões de leitores?
Mas até entendo. Você não pode esperar que a combativa mídia de esquerda compareça a um programa para fazer propaganda de Temer.
Um internauta definiu tudo num comentário ao final do vídeo. “A que ponto chegou o nosso jornalismo …”
Pois é.
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