Blog do Santayana, 20/11/16
De
santos e de juízes
Por
Mauro Santayana
A estúpida invasão do
Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de
imbecis - que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro e pediam uma “intervenção”
militar - não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às
instituições nacionais.
A
cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre
deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas
sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente,
sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão
de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista -
a Antipolítica.
Não interessa se o legislativo que aí está aprovou,
majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e
convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria
incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva - criada também para
facilitar a sua derrocada - e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e
fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria - só os imbecis e
os ingênuos não acreditavam nisso - chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente
da República.
O Congresso Nacional - e nele há também aqueles que
tentaram resistir bravamente a essa farsa - não é perfeito.
Mas
ninguém chega ali sem voto.
E
o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que
determina a população brasileira.
Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e
senadores que votaram pelo seu impeachment foram certos grupos do Ministério
Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média
reacionária e conservadora,
que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides,
arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e - em
cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva - junto à opinião pública.
Ou
alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava
Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de
vários procuradores envolvidos com sua "força-tarefa" - mesmo com a
coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido -
teria se conseguido derrubar a Presidente da República?
A Lava Jato não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de
reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise
internacional - arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus
milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores - para recolher menos de
dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos
considerar dinheiro efetivamente desviado e não de "leniência",
"multas” e "bloqueios" bilionários.
Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que
já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por
centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos
estratégicos de governos petistas, nos últimos anos,
como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a
Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras
consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje
atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção.
E se apoiou no descrédito
da democracia, por meio da manipulação da opinião pública, estratégia essa que
é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de
representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de
funcionários concursados que se vêem como impolutos Cavaleiros da Justiça, e
que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de
sucessivas manobras políticas, quando não têm um
reles voto e estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto.
Se
houvesse um mínimo de respeito à Constituição, o Movimento das 10 Medidas
Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início.
Juízes, procuradores, desembargadores, devem fazer cumprir as leis
e não criar movimentos de
massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas para reformulá-las
partidariamente - mesmo que não se trate de partido
legalmente constituído - em seu próprio benefício profissional ou pessoal.
A não ser que queiram abandonar suas togas e seus confortáveis
gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os
deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a
preferência do eleitorado.
Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam
lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram,
explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos
países do mundo.
Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um
movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de
poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de
“10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica,
colhendo assinaturas em bares e restaurantes?
Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não
interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e
de “boas” intenções o inferno está cheio?
Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as
Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira.
É por isso que, tanto do ponto de vista político,
quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o
perigoso caminho - que estão trilhando com
a cumplicidade de parte da mídia, que também aposta na judicialização e na
criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia - de tentar
aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato
com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da
República.
Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba
de constatar que todos os tribunais
regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e
desembargadores entre 2010 e 2014.
Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o
total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da "venda"
teoricamente ilegal - a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a
possibilidade de conversão de férias não gozadas em remuneração - de descanso
remunerado em troca de dinheiro.
O TRT de São Paulo lidera a lista, com 872 pagamentos
irregulares a 290 magistrados, no total de R$ 21,6 milhões.
No Rio de Janeiro, em que se pretende diminuir os
salários dos servidores públicos da base da administração, para fazer com que
eles dividam com o governo a contribuição para a aposentadoria, um relatório
sobre a folha de pagamentos de agosto deste ano informa que só seis dos 861
magistrados do estado ganham abaixo do teto constitucional de R$ 33.763, e que
há desembargadores que, com os "penduricalhos", recebem mais de
70.000 por mês.
"Apenas em dezembro de 2015, cada magistrado
estadual do Paraná recebeu R$ 103,6 mil brutos, em média, de remuneração. Ao
todo, o Tribunal de Justiça (TJ) gastou só no último mês do ano passado R$ 94,4
milhões com os vencimentos de juízes e desembargadores. Isso significa
praticamente o triplo do que foi gasto, em média, entre os meses de fevereiro e
novembro de 2015– R$ 32,2 milhões. No mês de janeiro de 2015, os gastos também
foram atípicos: R$ 72,1 milhões."
O parágrafo acima é do Jornal "Gazeta do
Povo". Por causa dessa matéria, 45
juízes do Estado do Paraná, atingidos em sua "honra", moveram ações
cruzadas contra os responsáveis pelo jornal, a ponto de a questão ter chegado
ao STF, instância em que a Ministra Rosa Weber suspendeu, liminarmente, a
perseguição contra a publicação e cinco profissionais de sua equipe (três
jornalistas, um infografista e um webdesigner).
No Ministério Público do Paraná - assim como ocorre na
maioria das unidades da Federação - a situação também não é diferente.
A diferença entre o que foi pago aos membros do órgão
e o teto constitucional custou R$ 70 milhões – 74% dos R$ 94,5 milhões ganhos a
mais em 2015 com a inclusão do FPE.
E no Tribunal de Justiça, os gastos com pagamentos
acima do teto constitucional custaram R$ 108 milhões – 49% dos recursos.
Se
o leitor acha altos esses "proventos", que espere que incida sobre
eles o aumento recentemente concedido pelo governo
federal ao Judiciário em plena "crise", que será de 47% nos próximos
dois anos.
Ora, quem acusa
e julga deveria ser o primeiro a dar o exemplo, não se afastando, nem por
um centímetro, do que determina a lei.
A Senadora Kátia Abreu, já lembrou, há alguns dias, com toda
clareza, que juiz
ou procurador que recebe acima do teto também é corrupto.
É nesse contexto que, com a desculpa do combate à corrupção, o MP, apoiado por organizações
ligadas ao Judiciário, pretende passar no Congresso medidas destinadas a
diminuir ainda mais o espaço de defesa do réu, diante de um sistema de
repressão jurídico-policial-penal dantesco, vergonhoso, na maioria dos aspectos,
que está distante de qualquer nação moderna ou civilizada.
E se esforça em impedir, junto com juízes, as
tentativas - em que o Congresso não faz mais do que sua obrigação - de se
estabelecer limites para a ação de procuradores e magistrados, que
prevejam punições mais drásticas, em
caso de abuso de autoridade, que o mero afastamento remunerado de funções - na verdade um prêmio, por meio do qual o sujeito recebe sem
trabalhar - e de se discutir outras questões, como os
super-salários dos funcionalismo público, entre os quais se incluem os seus,
dos mais altos da República.
O jornal Estado de São Paulo informa que entidades de
representação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal
reagiram à proposta de mudança da Lei Anticorrupção para instituir o crime de
responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores, e a anistia em
acordos de leniência a executivos de empresas acusadas de corrupção.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB), João
Ricardo dos Santos, acusou parlamentares de usar o pacote das dez
medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF) e um projeto para
anistiar crimes de caixa 2, para tentar barrar a Operação Lava Jato.
Um grupo autodenominado “Magistrados Independentes”
pede a cassação, por “falta de decoro”, do Presidente do Senado, Renan Calheiros,
por ter criticado um juiz que tentou ilegalmente investigar o Legislativo sem
autorização da Suprema Corte.
O Presidente do Senado Federal, assim como a maioria
de seus pares, que espelham, como ele, a sociedade brasileira, com certeza não
é santo e tem inúmeros defeitos mas não está ali por vontade divina.
Não
podemos ser seletivos, como os fascistas.
Da mesma forma que Dilma representava 54 milhões de brasileiros que a elegeram, o Senador
Renan Calheiros representa diretamente mais de 840.000 homens e mulheres que
votaram nele.
Parafraseando Stalin, que teria indagado quantas divisões tem o Papa, perguntamos: quantos votos têm os magistrados que pretendem
cassar Renan Calheiros?
Essa falta de respeito, esse manifesto desprezo pela
vontade do eleitor e pelas prerrogativas individuais com relação à sociedade,
também está presente, indiretamente, na declaração do presidente da Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que disse que sua maior
preocupação é a falta de “filtro” para quem realizará a denúncia de crime de
responsabilidade contra as autoridades.
“O que o deputado está propondo é que qualquer cidadão
acusado de qualquer crime, homicida, traficante, pode entrar com petição e a
autoridade terá de responder”, disse , ilustrando
quão longe está indo a abordagem fascista da justiça no Brasil de hoje, como se
houvesse cidadãos com mais direitos que os outros, em sua presunção de
inocência, e a "autoridade" em questão fosse absolutamente infalível
e não tivesse que se submeter ao poder de quem vota e lhe paga os régios
salários de que falamos há pouco, mesmo que, ou principalmente quando o
cidadão for suspeito de qualquer crime, já que, como mero acusado, ainda
não foi condenado e tem direito constitucional a ampla defesa.
Quis
custodiet ipsos custodes? “Quem
guardará os guardiões?” já perguntavam, sabiamente, os
romanos, há quase 20 séculos, por meio de Décimo Júnio Juvenal - quanto mais poder tem um cidadão a serviço do Estado, maior
controle e limites ele tem que ter, maior tem que ser a sua submissão e
obediência à Lei e à comunidade que serve - pois que ele existe apenas para isso mesmo - para meramente servir
aos cidadãos e não a si mesmo.
O relator da Comissão que estuda a aprovação das “10
medidas Anticorrupção” já recuou dessa missão, citando a “opinião das ruas” - que na verdade é apenas a opinião dos
procuradores e juízes que foram procurá-lo na Câmara dos Deputados - com relação à imposição de
limites para o abuso de autoridade com o estabelecimento de crimes de
responsabilidade para juízes e procuradores.
O
Congresso precisa, em nome da História e de sua própria sobrevivência como
instituição, resistir à pressão corporativista de quem pretende agir como uma casta - em nada casta, aliás - que está acima da
população.
Há quem esteja chamando os políticos de “os donos do
mundo”.
Mas os homens públicos não são donos do mundo. Eles
são donos, apenas, de seus votos, que lhes conferem poder apenas enquanto os
têm, e que são obrigados a manter e a reconquistar constantemente - ao
contrário dos juízes, procuradores, desembargadores - a cada novo pleito.
Pode-se
criticar este ou aquele político, em livre exercício democrático.
O
que não se pode é generalizar e nivelar, de forma fascista, a todos.
Ou
tentar retirar ou diminuir a legitimidade do voto para voltar à máxima
pelésiana - aquela de que “o brasileiro não sabe votar”
- tão em voga durante a ditadura.
Se o Judiciário e o Ministério Público brasileiros fossem
perfeitos, não viveríamos em um país em que são assassinadas quase 60.000
pessoas por ano, boa parte delas - em situações polêmicas e controversas - por
agentes do próprio Estado.
Em uma Nação em que, apesar de termos uma das forças
de segurança mais violentas do mundo, menos
de 6% dos homicídios são elucidados e esclarecidos.
Em que, em alguns estados, quase 60% dos presos se encontram ilegalmente mofando, de forma imoral,
há anos, atrás das grades, sem julgamento.
Em
que o Conselho Nacional de Justiça eximiu, há poucos meses, juízes e
procuradores de declararem, antecipadamente, junto com o endereço e a data, o
valor das palestras pagas que estão livres para fazer para instituições de
qualquer espécie.
Ao
mesmo tempo em que "pune", com apenas dois
anos de suspensão, remunerada, uma juíza que permitiu que uma adolescente
ficasse reclusa, durante semanas, com 30 presos do sexo masculino, em uma
cadeia do estado do Pará.
A
mesma punição reservada pelo CNJ, no caso, de aposentadoria compulsória também
remunerada, para um Juiz que vendia sentenças no Tribunal de Justiça do mesmo
Estado.
E para outros magistrados, envolvidos com quadrilhas
dedicadas ao mesmo crime, em outras unidades da Federação como o Piauí, a
Bahia, Roraima, Pernambuco, etc.
Um país em que dezenas de presos desarmados são metralhados,
encurralados dentro de celas e corredores de um presídio, e os responsáveis
pelo massacre, com equipamentos de proteção e armados até os dentes na ocasião
dos fatos, são absolvidos por "legítima defesa".
Em que as prisões, como pôde constatar, mais uma vez,
a Presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, em visita à Penitenciária da
Papuda, em plena capital da República, há alguns dias, são, principalmente pela
superlotação, verdadeiras masmorras em que não existe a menor garantia, por
parte do Estado, de condições minimamente dignas para o cumprimento, pelo
condenado, de sua sentença.
E em que não existe nenhuma possibilidade, e,
eventualmente, interesse, de garantir sua incolumidade física durante os longos
períodos em que, na maioria dos casos, sem assistência médica ou judiciária, o
preso eventualmente “provisório” ficará enclausurado, em condições
absolutamente animalescas, à mercê de Deus, das facções e do Sistema.
Muitas vezes, porque foi apanhado com algumas pedras
de "crack", ou alguns papelotes no bolso, na esquina,
produzidos à base de querosene ou de comprimidos vencidos de anfetamina,
sem nenhum vestígio de cocaína.
Isso, em um planeta no qual, em nações como os EUA, a
população acaba de aprovar, em plebiscito, em novos estados, incluído o mais
populoso deles, a Califórnia, o uso recreativo da maconha, diante da constatação de que a mera repressão e penas
implacáveis, até mesmo para usuários, como ocorre comumente por aqui, não
resolvem, de forma alguma, a questão do tráfico de substâncias entorpecentes.
Diante de uma "justiça" assim, todo indivíduo tem o
direito moral de tentar escapar da "lei". De não produzir
provas contra si mesmo.
E de postergar seu julgamento e encarceramento,
indefinidamente, porque a justiça que o julga e o condena, com a mão cada vez
mais pesada de jovens juízes e procuradores recém-formados que vivem no mundo
perfeito de suas gravatas de seda, seus altos salários e seus ternos bem
cortados, é a mesma que não consegue garantir que a maioria dos detentos
brasileiros passe por julgamento ou possa cumprir sua pena de reclusão em
condições de relativa igualdade com apenados de outros países, como já
dissemos, minimamente modernos ou civilizados, neste vigésimo-primeiro século
da Era Cristã.
Barrar
a Operação Lava-Jato? Como? Se, em resposta a uma longa sucessão
de desmandos, em que a delação, como nos regimes autoritários mais abjetos da História,
tornou-se o maior instrumento de investigação de uma justiça que se mostra
incapaz de correr atrás de provas claras, irrefutáveis, incontestáveis, o
Judiciário insiste em aumentar o casuísmo?
Se,
com o intuito de institucionalizar-se essa nova nova ordem judiciária,
blindando-a contra iniciativas que possam restaurar o direito e possibilitar a
defesa de quem está sendo acusado, em mais uma decisão que implica em novo
passo rumo à fascistização, de facto, do país, transformando-nos, também no aspecto
judicial, em uma ditadura, a 5ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta semana ser inviável que cidadãos
delatados por terceiros questionem acordos de delação celebrados por quem os
está acusando?
Se essa absurda determinação - que precisa ser
contestada no STF - mais uma no sentido de restringir os direitos cidadãos que
estão teoricamente consubstanciados na Constituição, afirma que as pessoas
citadas ou acusadas nas delações, não poderão, doravante, questionar as
circunstâncias, as condições em que tal delação foi obtida - se por pressão
sobre o réu, eventualmente já aprisionado e sob o arbítrio de seus carcereiros
e interrogadores, se sob tortura ou eventual ameaça ou chantagem, em um
país em que todos sabem, existe uma das polícias mais violentas do mundo?
Se poderão, no máximo, os delatados, que - a partir da
declaração de um desafeto, de alguém que está procedendo assim em troca de uma
eventual promessa de soltura - correm o
risco de ser presos e acusados de qualquer crime, mesmo que não haja provas;
contestar o teor das acusações, sem entrar no mérito de como foi obtida a tal
"delação" pela "justiça"?
Se
o STF acaba de aceitar institucionalizar a prisão após condenação em segunda
instância, restringindo ainda mais a possibilidade de defesa do réu,
neste perfeito - justo, equilibrado, em nada arbitrário - sistema
judiciário em que vivemos?
Como no caso da possível aprovação da validação de
provas "ilícitas", obtidas de "boa fé" por agentes do
Estado, em exame pelo Congresso, estamos vivendo uma fase da vida nacional que
só pode ser comparada ao período de ascensão do nazismo, quando, uma após
outra, medidas de restrição do Estado de Direito e dos direitos individuais
foram aprovadas pelo regime, até que a máscara de uma suposta legalidade caiu,
com a imposição do ignominioso arcabouço "jurídico" das Leis de
Nuremberg.
Nesse
contexto, não pode restar, àqueles que defendem a liberdade e a democracia,
duramente reconquistadas por nossa geração, mais do que cerrar fileiras e
combater, decididamente, até mesmo em benefício da própria consciência, se não
do futuro de seus descendentes, em todos os foros, cada casuísmo que possa
estar sendo implementado nesse sentido, mesmo que muitas vezes
eles sejam adotados sob o manto
hipócrita da defesa de um país mais "honesto" e menos corrupto, até
mesmo porque não há regime
autoritário, sangrento e assassino da História que tenha chegado ao poder sem
essas bandeiras.
Por outro lado, a
emblemática absolvição de João Vaccari Neto, do
fantástico desvio - tão propalado pela mídia - de 100 milhões de reais, quando
presidia a Bancoop, pela juíza Cristina Balbone Costa,
da Quinta Vara Criminal de São Paulo, mostra que ainda existe justiça neste
país, fora do âmbito da Operação Lava-Jato, com suas
ilações, sua seletividade, suas arbitrariedades, a pressão sobre os presos para
a imposição, dirigida e premeditada de “delaçoes" "premiadas" e
uma longa série de acusações que não se sustentam.
Mesmo que essa operação viesse a trabalhar com provas
absolutamente irrefutáveis e sem pressões e arbitrariedades sobre presos e
testemunhas, ainda seria necessário provar à opinião pública que seus
principais integrantes não estão apenas se esforçando para encontrar algum
prêmio político-eleitoral - em 2018, quem sabe - no fim do arco-íris, ou não
têm a intenção de se transformar, de fato, e permanentemente, em um quarto
poder oculto dentro da estrutura do Estado Brasileiro.
Não se espera que boa parte dos juízes e procuradores
que dividem privilégios e vantagens, abandone, como se vê pelo comportamento de
suas associações de classe, seu arraigado corporativismo, ou deixem de buscar -
mesmo sem voto - como estão fazendo constante e açodadamente neste momento,
aumentar o seu quinhão de poder - cada vez maior, aliás - com relação a outros
segmentos, como os representantes eleitos do Executivo e do Legislativo, no
contexto da sociedade brasileira.
Basta que parem de agir como vestais, e de querer
posar de santos, e espetacularmente, de impolutos e messiânicos Cavaleiros da
Justiça, porque, como mostram os casos de São Paulo, do Rio de Janeiro, do
Pará, do Paraná, de Roraima, do Piauí, da Bahia, de Pernambuco, do Espírito
Santo, e de outros, muitíssimos outros lugares, nas capitais e no interior, eles não o são, como não são, também, nem
impecáveis nem perfeitos.
Não
o são e não estão acima dos Deputados e Senadores que pretendem “exemplar”, nem
de nós, comuns mortais, que neles votamos, com nossos muitos defeitos e
eventuais qualidades.
Essa é uma perspectiva que a Câmara dos Deputados precisa
levar em consideração nesta semana, a não ser que queira cometer mais um
suicídio político - como se não bastasse a PEC 241 que retirará poder do Estado
e do Congresso - e um novo erro histórico de enormes proporções.
E é uma constatação que está
começando a ser feita, e a ser melhor entendida, pela população brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário