quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O parto de uma nova esperança








Carta Maior, 16/11/16






Trump, Temer e o parto de uma nova esperança





Por Saul Leblon





O anúncio de um fim de ciclo histórico nem sempre assume a forma de um alvorecer virtuoso. É mais comum o oposto. Até que uma nova ordem se imponha, a desordem é senhora.


A passagem da era colonial para a primeira crise capitalista do início do século XX  foi marcada pela carnificina da Guerra de 1914-1918, cujo término completa 96 anos neste mês de novembro. Dez milhões de pessoas morreram; 20 milhões ficaram feridas. Assim se desenhou o mundo das novas potências. Ao acerto de contas colonial sobreveio um ciclo de brutal rivalidade capitalista. A paz nascida dessa transição tumultuada  impôs à Alemanha custos e reparações a tal ponto extorsivos que permitiram aos partidários de Adolf Hitler fazer campanha eleitoral apenas lendo o Tratado de Versalhes no rádio.



A instabilidade foi suficiente para alçar Hitler ao posto de chanceler em 1933, mesmo com frágil maioria parlamentar. O resto é sabido. A Segunda Guerra mundial matou 50 milhões de pessoas.  Desse cemitério brotaria a ordem negociada em Bretton Woods. O chamado período de ouro do capitalismo, feito de crescimento e ampliação de direitos, estendeu-se até meados dos anos 70, quando a revanche neoliberal começou a tomar de volta tudo o que havia alicerçado o edifício da democracia social.



A eleição de Trump, oito anos após o colapso sistêmico de 2008, demarca um novo recorte sísmico. O acerto de contas com a desordem neoliberal irrompe de dentro de suas próprias fileiras, a partir de uma visão fascista da sociedade e do desenvolvimento. Como foi a dos nacional-socialistas nos anos 30.  A diferença no Brasil é que o terremoto então abriu espaço à ascensão de Vargas e à consolidação do Estado nacional brasileiro.



Hoje, em meio a uma crise sistêmica como a de 1929, o golpe se empenha na tentativa anacrônica de engatar o país à ordem econômica que se despede. A desmentida ilusão de que, derrubando Dilma, as 'expectativas revigoradas dos livres mercados' fariam o resto, mostra a inconsistência dessa escolha. "Fosse assim, a virada já teria ocorrido", admitiu em entrevista lúgubre ao Estadão, o ex-presidente do Banco central de FHC, Armínio Fraga. Sem o endosso da realidade, o que era difícil ficou definitivamente para trás após a eleição de Trump. Por variadas razões.



O republicano pretende, por exemplo,  gastar US$ 1 trilhão em infraestrutura esfarelando duplamente o chão do golpe. O gasto pressionará a taxa de juro nos EUA dificultando o corte da Selic aqui, um requisito à retomada do investimento e à redução do aperto fiscal.



O que sobra?



O Brasil gasta hoje cerca de 8% do PIB com juros da dívida pública. Um despautério imexível pela coalizão golpista, que evidencia assim seu deslocamento num mundo em que cerca de US$ 13 trilhões estão ancorados em títulos a juros negativos.  Segundo o economista Amir Khair, da FGV, o serviço dessa dívida indexada às maiores taxas de juros do planeta consome em 45 dias toda a tributação adicional (R$50,9 bilhões) obtida com a repatriação do dinheiro mantido no exterior.  É um garrote maiúsculo, mas o golpe e seus jornalistas privilegiam o peso do salário mínimo no rombo da previdência, que tem na aposentadoria integral dos militares 50% de sua raiz.



Não para aí.  Dos anos 30 aos anos 50, Getúlio fez do Brasil um canteiro de obras e de instituições de desenvolvimento. Hoje o golpe se abala no desmonte das ferramentas de preservação do investimento público e privado. O que sobra?



Com a fartura de recursos e obras no governo Trump, quem vai se interessar por concessões num Brasil institucionalmente instável, sem financiamento público, com mercado interno minguante e juros siderais?  Pior que isso. A participação privada na infraestrutura brasileira já capturou o filé mignon em quase todos os setores. Isso a torna muito mais seletiva e arredia a partir de agora. Sem a participação ativa do Estado, nada se fará.  Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) mostra que no setor de transportes, por exemplo, 50% de todo o investimento registrado entre 2003 e 2015, foi feito pelo capital privado – o mesmo que a mídia dizia arredio pela desconfiança nas regras dos governos petistas.  Nos EUA esse fatia não chega a 9%; nos BRICS (exceto África) a média é de 3%. Nos EUA, apenas 0,3% dos 6,5 milhões de kms de rodovias do país estão sob controle privado. No Brasil são 15,5% de uma malha total de 64 mil kms...



O caso dos aeroportos é ainda mais expressivo. Com as quatro unidades a serem concedidas em 2017, quase 70% do fluxo de passageiros do país estará sob gestão privada. Restará apenas o aeroporto de Curitiba com escala atraente ao interesse privado, avisa o estudo do Ipea. A revoada de investidores prevista pelo golpismo, num cálculo muito mais ideológico do que realista, não ocorrerá. Desse descompasso entre a propaganda da mídia e a realidade dos tempos emerge a radiografia de uma assustadora bancarrota.



As novas referências geopolíticas trazidas pelo vento protecionista dos EUA só farão agravar a agonia da agenda golpista. A ilusória intenção de engatar o destino do país a tratados de livre comércio, por exemplo. Dotados de tribunais de exceção com soberania jurídica e legislativa para punir Estados e governos em defesa das corporações, eles compunham o corolário ideológico do neoliberalismo tardio brasileiro. Com Trump trancando a maçaneta do maior mercado mundial, essa porta se fechou.



Sobra a dura realidade de indicadores descendo a ladeira sem freio. As projeções apontam um tombo do PIB entre 3,6% a 4% este ano. Para 2017 previa-se  uma expansão medíocre de  1% e mesmo ela, feita pré-eleição americana, tornou-se irreal. O desemprego continuará  a crescer para atingir 13% da PEA, com fechamento médio de 100 mil vagas mensais. O poder de compra das famílias brasileiras, depois de crescer continuamente de 2003 a 2014 , acumulará um mergulho de 10% no biênio 2015/2016. Com a massa de famílias assalariadas sem renda e sem crédito o horizonte aqui também é estreito. A boutade golpista – ‘sem consumo, é hora de crescer pelo investimento’ —  soa como aquele estágio no deserto em que o comprometimento biológico desencadeia alucinações. Com juros de 14,25%, sem investimento público, sem crédito do BNDES e com elevada capacidade ociosa no setor produtivo, quem vai investir no Brasil?



Um olhar mais detido enxergará obstáculos de complexidade adicional. O colapso econômico brasileiro encerra desafios históricos inéditos. O principal deles remete à perda de dinamismo industrial na estrutura de crescimento do país. Não é uma questão técnica.



O esgarçamento das cadeias industriais corrói o núcleo duro de produtividade em uma sociedade. Reduz seu ‘budget’ para investir em obras, direitos e cidadania. O setor capaz de bombear saltos de eficiência e de receita - e de ampliar a oferta  de empregos de qualidade, por conta de seu poder irradiador - é o manufatureiro. Segundo o IBGE , a fatia da industrial no valor adicionado ao PIB brasileiro era de 17,4% em 2005. Recuou para 10,9% este ano. Fruto em grande medida da sistemática valorização do Real desde os anos 90 – e consequente vazamento de demanda interna para importações chinesas.



A reversão desse processo em nosso tempo tornou-se bem mais complexa do que imagina o próprio Trump. Como já disse a professora Maria da Conceição Tavares à Carta Maior, o que os chineses tomaram não tem volta. O que está em disputa agora é a 4ª revolução industrial. Ela inclui a digitalização dos processos, a robotização de linhas, a precisão e a integração de etapas, cadeias e áreas de conhecimento aplicados à manufatura. O Brasil tem dois trunfos com escala e densidade suficientes para ocupar um espaço nesse ciclo: a ecoagricultura e o impulso industrializante contido na cadeia do pré-sal. O requisito capaz de interligar esse potencial a um novo ciclo de desenvolvimento é a soberania na sua condução. Sem ela, o leme cai nas mãos das grandes corporações. Como está caindo, graças ao projeto de liberação de terras aos estrangeiros e do desmonte do modelo soberano de partilha do pré-sal.



Retomar os espaços de soberania e planejamento democrático constitui, assim, o requisito de vida ou morte para o futuro da industrialização e do país no século XXI. Subestimar a envergadura das respostas cobradas pelo esgotamento neoliberal não é, infelizmente, um apanágio golpista.  Isso explica também os erros e omissões cometidos por governos petistas, que apostaram em uma regeneração das condições de mercado anteriores à crise de 2008, como se vivêssemos um evento transitório, e não um colapso terminal. O erro de cálculo histórico levou a dois outros, interligados.



Insistir apenas na prorrogação de estímulos ao consumo, quando medidas estruturais de autoproteção do desenvolvimento – controle da conta de capitais, por exemplo, indispensável à redução dos juros, sem fuga de dólares - deveriam ter sido tomadas, é um deles. O outro, render-se ao ‘consenso do ajuste ortodoxo’ no momento em que os desequilíbrios explodiam e uma repactuação política do desenvolvimento figurava como a única alternativa real ao descontrole. Na verdade, ainda figura. Esse é o ponto.



Há quem considere ilusório o resgate dessa bandeira nas mãos de uma frente ampla. Mais ilusório é supor que a roda da democracia social poderá girar de novo no país sem esse repto. É certo que o corredor histórico se estreitou. Alargá-lo, porém, não é uma questão de fé. Quem pode desobstruí-lo é a aglutinação pactuada dos inúmeros interesses, setores sociais e produtivos atingidos pelo arrocho neoliberal.  Na história das lutas sociais o indispensável só é impossível até ganhar nervos e musculatura das forças que dependem dele para respirar e progredir. O golpe destruiu tudo ao mesmo tempo: as bases da economia, as da política e as do diálogo democrático. Dissolveu o chão firme da nação e não dispõe de liderança, nem de projeto, tampouco de legitimidade para reconstruí-lo.



Num tempo que estrebucha e ameaça levar de roldão as nações há duas alternativas. Tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la a uma repactuação democrática do desenvolvimento – a opção de uma frente ampla progressista. Ou aguardar a chegada de um correlato fascistóide à moda ‘Trump’.



O jogo é pesado. A roleta gira nervosamente. Entre a escuridão e o parto de uma nova esperança define-se o destino do Brasil.










Brasil de Fato, 13/11/16





Sete propostas de Donald Trump que a mídia censurou


e que explicam a sua vitória


 


Por Ignacio Ramonet, Desinformémonos I México

 

 
A vitória de Donald Trump (como o Brexit no Reino Unido ou a votação pelo ‘No’ na Colômbia) significa, primeiro, mais uma gigantesca derrota dos grandes meios de comunicação dominantes e dos institutos de pesquisas de opinião. Mas significa também que toda a arquitetura mundial estabelecida após a Segunda Guerra Mundial está sendo transformada e está em decadência. As cartas da geopolítica voltam a ser distribuídas, e outra partida começa. Entramos em uma nova era com apenas uma certeza: "o desconhecido". Agora tudo pode acontecer.

Como Trump conseguiu inverter uma tendência que o tinha como perdedor e se impôs na reta final da campanha eleitoral? Esta figura atípica, com suas propostas grotescas e suas ideias sensacionalistas, já tinha contrariado todas as previsões. Diante de pesos pesados da política como Jeb Bush, Marco Rubio ou Ted Cruz, que contavam ainda com o apoio do establishment republicano, pouquíssimos acreditavam ele iria vencer as eleições primárias do Partido Republicano, mas ele superou seus adversários e os reduziu a cinzas.

Há de se entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), nada mais é igual em lugar nenhum. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia, como modelo, tem perdido credibilidade. Os sistemas políticos têm sido sacudidos até as raízes. Na Europa, por exemplo, tem se multiplicado os tremores eleitorais (e o Brexit foi somente um deles). Os grandes partidos tradicionais estão em crise. E por todas partes se percebe o ascenso de grupos de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos antissistema e anticorrupção (Itália, Espanha). A paisagem se mostra radicalmente transformada.

O fenômeno tem chegado aos Estados Unidos, um país que já conheceu, em 2010, uma onda populista devastadora, representada pelo então Tea Party. A vitória do multimilionário Donald Trump na Casa Branca prolonga tal e se constitui uma revolução eleitoral que nenhum analista soube prever. Embora ainda sobreviva, nas aparências, a velha rivalidade entre democratas e republicanos, a vitória de um candidato tão heterodoxo como Trump se apresenta como um verdadeiro terremoto. Seu estilo direto, grotesco e a sua mensagem maniqueísta e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade, muito diferente do tom habitual dos políticos estadunidenses, tem lhe conferido uma carga de autenticidade aos olhos do setor mais decepcionado do eleitorado da direita. Para muitos eleitores indignados com o “politicamente correto”, que acham que já não se pode dizer o que se pensa sob a pena de ser acusado de racista, a “palavra livre” de Trump em relação aos latinos, aos imigrantes e aos muçulmanos é percebida como um desabafo autêntico.

Nesse sentido, o candidato republicano soube interpretar o que poderíamos denominar de “rebelião das bases”. Melhor que ninguém, ele percebeu as discordâncias cada vez maiores entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e mediáticas, por uma parte, e as bases do eleitorado conservador, por outra. Seu discurso violentamente anti-Washington e anti-Wall Street seduziu, em particular, os eleitores brancos, pouco cultos e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

É preciso apontar que a mensagem de Trump não é semelhante a do partido neofascista europeu. Não é um ultradireitista convencional. Ele mesmo se define como um “conservador com sentido comum” e sua posição, no espectro da política, situaria-se mais exatamente à direita da direita. Empresário multimilionário e estrela superpopular da televisão, Trump não é contrário ao sistema, tampouco um revolucionário, obviamente. Ele não critica o modelo político em si, mas os políticos que o estão dirigindo. Seu discurso é emocional e espontâneo. Apela aos instintos, às tripas, não ao cérebro ou à razão. Fala para essa parte do povo estadunidense entre a qual tem começado a calar o desânimo e o descontentamento. Se dirige às pessoas que estão cansadas da velha política, da “casta”, e promete injetar honestidade no sistema político, renovar nomes, rostos e atitudes.

Os meios de comunicação têm dado uma grande atenção a algumas de suas declarações e propostas mais odiosas e absurdas. Recordemos, por exemplo, sua afirmação de que todos os imigrantes ilegais mexicanos são “corruptos, delinquentes e estupradores”. Ou seu projeto de expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais latinos, os quais quer colocar em ônibus e expulsar do país, em direção ao México. Ou sua proposta inspirada no seriado “Game of Trones” de construir um muro de 3.145 quilômetros ao longo dos vales, montanhas e desertos na fronteira com o México para impedir a entrada de imigrantes latinoamericanos, com um orçamento de US$ 21 bilhões financiado pelo governo mexicano. Nessa mesma lógica, também anunciou que seria proibido o ingresso de todos imigrantes muçulmanos no país, e atacou com veemência os pais de um militar estadunidense de credo muçulmano, Hamayun Khan, morto em combate em 2004, no Iraque.

Trump também afirmou que o matrimônio tradicional, formado por um homem e uma mulher, é “a base de uma sociedade livre”, e criticou a decisão do Tribunal Supremo, que considerou o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo um direito constitucional. Trump apoia as chamadas “leis de liberdade religiosa”, impulsionada pelos conservadores em vários estados, para negar serviços públicos às pessoas LGBT. Sem esquecer as suas declarações sobre o “engano” da mudança climática que, segundo Trump, é um conceito “criado por e para os chineses, para que o setor manufatureiro estadunidense perca competitividade”.

Essa lista de disparates ruins e detestáveis tem sido, repito, massivamente difundida pelos meios de comunicação dominantes não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. E a principal pergunta que muitas pessoas se fazem é: como é possível que uma figura com tão lamentáveis ideias consiga uma audiência tão considerável entre o eleitorado estadunidense que, obviamente, não pode estar lobotomizado? Algo não se explica.

Para responder a essa pergunta, a gente teve que furar a muralha informativa, analisar mais de perto o programa completo do candidato republicano e descobrir os sete pontos fundamentais que ele defende, mas que foi silenciado pela grande mídia de todo o mundo:

1) Os jornalistas não perdoam, em primeiro lugar, que se ataque de frente o poder midiático. Eles o atacam constantemente porque Trump estimula o público a vaiar os meios de comunicação desonestos. Trump afirma: “Não estou competindo contra Hillary Clinton, estou competindo contra os corruptos dos meios de comunicação”. Em um recente tweet, por exemplo, ele escreveu: “Se os repugnantes e corruptos meios me cobrissem de forma honesta e não atribuíssem significados falsos às palavras que digo, estaria vencendo Hillary por uns 20%[de diferença]”.

Por ser considerada injusta ou parcial a cobertura midiática, o candidato republicano não hesitou em retirar as credenciais de imprensa de vários importantes veículos de comunicação para cobrir seus atos de campanha. Entre eles, The Washington Post, Politico, Huffington Post e BuzzFeed. Ele se atreveu a atacar até a Fox News, a grande rede de comunicação da direita panfletária, ainda fosse seu candidato favorito…

2) Outra razão pela qual os grandes meios atacaram Trump com fúria é porque ele denunciava a globalização econômica, convencido de que esta acabou com a classe média. Segundo ele, a economia globalizada é falida e atinge cada vez mais pessoas. Ele lembra que, nos últimos quinze anos, nos Estados Unidos, mais de 60 mil fabricas tiveram que fechar suas portas e quase cinco milhões de empregos industriais bem remunerados desapareceram.

3) É um fervoroso protecionista. Ele propõe aumentar as taxas sobre todos os produtos importados. “Vamos recuperar o controle do país. Faremos com que os Estados Unidos volte a ser um grande país”, afirmou repetidamente, retomando o seu slogan da campanha.

Partidário do Brexit, Donald Trump tem desvelado que, uma vez eleito presidente, tratará de tirar os Estados Unidos do Tratado de Livre Comercio da América do Norte (NAFTA, em sua sigla em inglês).Também criticou fortemente o Acordo de Associação Transpacífico (TPP em sua sigla em inglês), e assegurou que também afastará o país desse projeto: “O TPP seria um golpe mortal para a indústria manufatureira dos Estados Unidos".

Em regiões como o rust belt, o “cinturão da ferrugem” do norte do país, onde se viu a maior quantidade de saídas e fechamentos de fábricas, o que levou a altos níveis de desemprego e de pobreza, a mensagem de Trump tem calado fundo.

4) O mesmo efeito tem seu rechaço aos ajustes neoliberais em matéria de seguridade social. Muitos eleitores republicanos, vítimas da crise econômica do 2008 ou que têm mais de 65 anos, precisavam se beneficiar da Social Security (aposentadoria) e do Medicare (seguro de saúde) que o atual presidente Barack Obama criou e que outras lideranças republicanas desejavam suprimir. Trump tem prometido não mexer nos avanços sociais, baixar o preço dos medicamentos, ajudar resolver os problemas dos “sem teto”, reformar a situação fiscal dos pequenos contribuintes e eliminar os juros federais que afetam 73 milhões de casas modestas.

5) Contra a arrogância de Wall Street, Trump propõe aumentar significativamente os juros dos corretores de bolsa que ganham fortunas, e apoia o reestabelecimento da Lei Glass-Steagall. Aprovada em 1933, em plena Grande Depressão, esta lei rachou a bancada tradicional de investidores, que separou a banca tradicional da banca de investimentos, com o objetivo de evitar que a primeira pudesse fazer investimentos de alto risco. Obviamente, todo o setor financeiro se opõe absolutamente a esta medida.

6) Em política internacional, Trump quer estabelecer uma aliança com a Rússia para combater com eficácia à Organização Estado islâmico (ISIS, pelas suas siglas em inglês), mesmo que, para isso, Washington tenha que reconhecer a incorporação de Crimea por parte dos russos.

7) Trump estima que, devido à sua enorme dívida soberana, os Estados Unidos já não dispõe de recursos necessários para conduzir uma política exterior intervencionista indiscriminada. Já não pode impor a paz a qualquer preço. Destoando do discurso dos caciques do seu partido, o empresário diz que sua postura é uma consequência lógica do final da Guerra Fria, e que é preciso mudar a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, principal coalizão militar do Ocidente): “não haverá mais garantias de uma proteção automática dos Estados Unidos para os países da OTAN”.

Todas estas propostas não invalidam as inaceitáveis, odiosas e nojentas declarações do candidato republicano repercutidas com alarde pela mídia dominante. Mas, sem dúvidas, explicam melhor o porquê de seu êxito.

Em 1980, a inesperada vitória de Ronald Reagan à presidência dos Estados Unidos fez o planeta entrar em um ciclo de quarenta anos de neoliberalismo e de globalização financeira. A vitória de Donald Trump pode nos fazer entrar em um ciclo geopolítico com perigosas caraterísticas ideológicas – que temos visto aparecer em todas partes e, em particular, na França com Marine Le Pen – é o ‘autoritarismo identitário’.

Um velho mundo está sendo derrubado, e dá vertigem…

Tradução: María Julia Giménez


 

 http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-vitoria-de-Trump-esconde-um-lado-positivo-para-o-mundo-progressista/7/37252


 


Carta Maior, 16/11/2016 





A vitória de Trump esconde um lado positivo para o mundo progressista





Por Yanis Varoufakis, no The Independent





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A eleição de Donald Trump simboliza o ocaso de uma era notável. Foi um tempo em que vimos o curioso espetáculo de uma superpotência, os EUA, ficar cada vez mais poderosa por causa – e não apesar de – seus crescentes déficits. Foi também notável devido ao afluxo repentino de dois bilhões de trabalhadores – da China e do Leste europeu – na cadeia de suprimentos do capitalismo internacional. Esta combinação proporcionou ao capitalismo global um impulso histórico, ao mesmo tempo em que eram suprimidas a renda e as perspectivas do trabalhador ocidental.

O sucesso de Trump é resultado da falência desta dinâmica. Sua eleição representa uma derrota para os democratas liberais do mundo todo, mas traz lições importantes – bem como esperança – para o mundo progressista.

De meados dos anos 1970 até 2008, a economia dos EUA manteve o capitalismo global em um equilíbrio instável, embora finamente ajustado. Escoavam para seu território as exportações líquidas de economias como Alemanha, Japão e, mais tarde, China, proporcionando a demanda necessária às mais eficientes fábricas do mundo. Como este crescente déficit comercial era pago? Com o retorno de cerca de 70% dos lucros obtidos pelas corporações estrangeiras para Wall Street, para ser investido nos mercados financeiros estadunidenses.


Para manter este mecanismo de reciclagem de pé, Wall Street teve que se livrar de todas as restrições; daquilo que restava do New Deal do Presidente Roosevelt e do acordo Bretton Woods, do pós-guerra, que procurava regular os mercados financeiros. É por isso que as autoridades de Washington estavam tão ansiosas pela desregulamentação das finanças: Wall Street oferecia o canal através do qual entravam fluxos crescentes de capital mundial para equilibrar o déficit dos EUA – que, por sua vez, proporcionavam ao resto do mundo a demanda agregada que estabilizava o processo de globalização. E assim por diante.
 

O que sobe...

Tragicamente, mas também de forma bastante previsível, Wall Street começou a construir pirâmides impenetráveis de dinheiro privado (também conhecidas como derivativos estruturados), para além dos fluxos de capital. O que aconteceu em 2008 é algo que qualquer criança que já tentou construir um castelo de areia alto demais conhece bem: as pirâmides de Wall Street entraram em colapso por causa de seu próprio peso.

Foi o 1929 da nossa geração. Liderados pelo chefe do Fed, o Banco central dos EUA, Ben Bernanke, um estudioso da Depressão americana da década de 1930, os bancos centrais se apressaram em impedir uma repetição da década de 1930, substituindo o dinheiro privado desaparecido por crédito público fácil. O movimento evitou, de fato, uma segunda Grande Depressão (exceto nos elos mais fracos, como Grécia e Portugal), mas não foi capaz de resolver a crise. Os bancos foram recapitalizados e o déficit comercial dos Estados Unidos voltou ao nível pré-2008. Mas a capacidade da economia estadunidense de equilibrar o capitalismo mundial havia desaparecido.

O resultado é a grande deflação ocidental, marcada por taxas de juros ultra-baixas ou negativas, queda dos preços e mão de obra desvalorizada. Em relação à receita global, a poupança total do planeta está hoje em um patamar recorde, enquanto o investimento agregado nunca esteve tão baixo.

Quando tantas poupanças ociosas se acumulam, o preço do dinheiro (ou seja, a taxa de juros), como, aliás, o preço de tudo, tende a cair. Isso leva ao corte de investimentos e o mundo tende a um equilíbrio com baixo investimento, baixa demanda e baixo retorno. Assim como no início dos anos 1930, este ambiente resulta em xenofobia, populismo racista e forças centrífugas que estão destruindo as instituições que eram o orgulho e a alegria do establishment global. Basta dar uma olhada na União Europeia, ou no Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP).
 

Mau negócio

Antes de 2008, os trabalhadores nos EUA, na Grã-Bretanha e na periferia da Europa foram tranquilizados com a promessa de "ganhos de capital" e crédito fácil. Suas casas, disseram-lhes, só podiam se valorizar, substituindo o aumento de salários. Enquanto isso, seu consumo poderia ser financiado através de segundas hipotecas, cartões de crédito e outros. O preço foi o seu consentimento com o recuo gradual do processo democrático, e sua substituição pela determinação da "tecnocracia" em servir fielmente, e sem escrúpulos, aos interesses do 1%. Hoje, oito anos depois de 2008, essas pessoas estão com raiva, e estão acertando as contas.

O triunfo de Trump vem agravar a ferida de morte sofrida por esta era em 2008. Mas a nova era, inaugurada pela presidência de Trump, e prenunciada pelo Brexit, não é de todo nova. É, na verdade, uma variante pós-moderna da década de 1930, com deflação, xenofobia e a política de dividir para conquistar. A vitória de Trump não é um caso isolado. Irá, sem dúvida, reforçar a política tóxica desencadeada pelo Brexit; a intolerância assumida de Nicolas Sarkozy e Marine Le Pen, na França; a ascensão do Alternative für Deutschland; as "democracias não-liberais" emergentes na Europa Oriental; e o Aurora Dourada na Grécia.

Felizmente, Trump não é Hitler e a história nunca se repete com tanta fidelidade. Felizmente, o grande capital não está financiando Trump e seus companheiros europeus como financiou Hitler e Mussolini. Mas Trump e seus homólogos europeus são reflexos de uma internacional nacionalista emergente que não era vista desde a década de 1930.

Assim como na década de 1930, também hoje um período de crescimento em pirâmide alimentado por dívidas, um sistema monetário defeituoso e financeirização levaram a uma crise financeira que gerou uma força deflacionária que criou, por sua vez, uma mistura de nacionalismo racista e populismo. Assim como no início dos anos 1930, hoje, da mesma forma, um establishment perdido aponta suas armas para progressistas como Bernie Sanders e o primeiro governo Syriza, em 2015, mas acaba derrotado por nacionalistas racistas e beligerante.
 

Resposta global

O espectro deste nacionalismo internacional poderá ser absorvido ou derrotado pelo establishment global? É preciso uma grande dose de fé para acreditar nisso, tendo em vista o estado de negação profunda e as falhas persistentes de coordenação do establishment. Existe uma alternativa? Penso que sim: uma internacional progressista capaz de resistir à narrativa do isolacionismo e de promover, no lugar da defesa neoliberal do direito do capital à globalização, um internacionalismo humanista e inclusivo.

Na Europa, esse movimento já existe. Fundado em Berlim, em fevereiro, o Movimento Democracia na Europa 2025 (Democracy in Europe Movement 2025, DiEM25) está tentando alcançar o que uma geração anterior de europeus não conseguiu em 1930. Queremos chegar aos democratas, para além de fronteiras e linhas partidárias, pedindo união para manter as fronteiras e os corações abertos enquanto são planejadas políticas econômicas sensatas capazes de reabrir o Ocidente para a noção de prosperidade compartilhada, sem o "crescimento" destrutivo do passado.

Mas a Europa não basta. O DiEM25 incentiva os progressistas nos Estados Unidos, que apoiaram Bernie Sanders e Jill Stein, no Canadá e na América Latina, a se unirem em um Movimento Democracia nas Américas. Também buscamos progressistas no Oriente Médio, especialmente aqueles que derramam seu sangue contra o Isis, contra a tirania e contra os regimes que não passam de fantoche do Ocidente, para construir um Movimento Democracia no Oriente Médio.

O triunfo de Trump esconde um lado positivo. Demonstra que estamos em uma encruzilhada, onde a mudança é não apenas possível, mas inevitável. Para garantir que não tenhamos o tipo de mudança sofrida pela humanidade na década de 1930, precisamos de movimentos capazes de fazer avançar uma internacional progressista que ponha a paixão e a razão novamente a serviço do humanismo.


Tradução de Clarisse Meireles

Yanis Varoufakis é um economista, acadêmico e político grego. Foi ministro das Finanças da Grécia de janeiro a julho de 2015, quando renunciou.










De Canhota, 15/11/16




Trump e Putin apontam nova era de prosperidade para o mundo





Por José Carlos de Assis


 

Se a análise política de fundo vale alguma coisa em confronto com a boçalidade dos comentaristas da tevê Globo e Veja, pode-se concluir que há  grande probabilidade de o governo Trump trazer para o mundo uma era de prosperidade econômica sem paralelo. Não falo da política interna. Sinceramente, ela não me interessa. É que o suposto elemento de regressividade prometida nesse campo pelo novo presidente será contrabalançado, e até anulado, pelo fortíssimo movimento de defesa dos direitos civis norte-americano. 
    
O aparente enigma vem do exterior, e ele já pode ser decifrado em vários aspectos. O principal deles está associado ao caráter profundo da política externa dos Estados Unidos.  É uma política estruturada em duas vertentes. A primeira, econômica, visa essencialmente a abrir espaço para as empresas norte-americanas no mundo. A segunda, geopolítica, visa à confirmação recorrente do poderio militar do país, especialmente depois que apareceu diante dele um rival com poderio nuclear capaz de desafiá-lo, a União Soviética e agora a Rússia.

Tradicionalmente o comando da estratégia norte-americana cabia a geopolíticos, que tinham ascendência sobre os interesses econômicos. Houve exceções, é verdade, como a relacionada com a política imperialista do petróleo. Acontece que petróleo desfruta de duas naturezas, uma geopolítica, por ser um insumo fundamental em termos bélicos convencionais, e outra econômica, pela importância universal de sua cadeia produtiva. Em outras  situações, o intervencionismo americano se deveu exclusivamente à geopolítica, como na América  Central.

Agora, pela primeira vez na história americana, tem-se um empresário – não um empresário comum, mas um mega-empresário produtivo – no comando da estratégia nacional e imperial. O capital produtivo – sim, é o que ele representa, não Wall Street – não será representado pelos geopolíticos, mas atuará diretamente segundo seus interesses. Muito provavelmente não serão inventadas guerras de honra, como a segunda do Iraque, ou as múltiplas intervenções no exterior, como no caso da chamada Primavera Árabe.

O fato é que, exceto para o complexo industrial-militar, guerra hoje em dia não dá muito dinheiro. A prova é o sucesso econômico espetacular da China com módicos investimentos militares, em comparação com Estados Unidos. Além do mais, sabe-se desde o plano militar megalômano de Reagan que investimentos bélicos, num mundo de altíssima tecnologia, gera poucos empregos. O material usado são chips, com uma dimensão material muito menor do que a da antiga indústria bélica baseada em canhões, tanques, aviões.

Trump, consciente ou não, vai aplicar seu pragmatismo no espaço que abre para seu país uma real perspectiva de crescimento: Rússia. A relação norte-americana com a China não promete muito mais do que já deu. A indústria dos Estados Unidos está profundamente penetrada em território chinês, e a ideia de fazer isso retroceder não se compatibiliza com a visão pragmática de Trump. Ademais, boa parte dos investimentos americanos na China são de norte-americano vinculados ao Partido Republicano. Mas por aí não dá crescimento.

Já a Rússia é uma terra virgem a ser conquistada. Tão logo sejam levantadas as estúpidas restrições econômicas que os “estrategistas” americano impuseram ao país, Putin, ele também um pragmático, abrirá as portas ao investimento dos Estados Unidos. Com os recursos naturais que tem e com a mão de obra especializada herdada da União Soviética, a Rússia é um território de conquista sem paralelo para o capital, revertendo sua tendência secular à queda. A meu ver, estará aí o grande espetáculo econômico do século XXI.

Não só isso. A Rússia é a Ásia profunda, que se complementa com a China, a Índia, o Japão. Uma vez retiradas as barreiras geopolíticas idiotas, essa mega-região poderá puxar o mundo para o crescimento, inclusive o Brasil, neste caso se não tiver o terrível azar de ter alguém tão inexpressivo na Presidência, como Temer, e alguém tão despreparado para o cargo de Ministro das Relações Exteriores, como José Serra. E o azar ainda maior de ter por trás deles algo tão desprezível como o sistema de comunicação da Globo e da Veja.


Putin é um ás da estratégia. Tem dado um baile nos geopolíticos americanos na Geórgia, na Ucrânia (Criméia) e na Síria. Não perderá essa oportunidade de por a Rússia na trilha do crescimento. Há ali toda uma infra-estrutura do crescimento que está sendo preparada pela China, a partir da Rota da Seda, assim como uma formidável estrutura de financiamento que inclui Banco Asiático de Investimento, Fundo de Investimento da Rússia, Fundo da Rota da Seda, Cia de Financiamento do Desenvolvimento da Infraestrutura, Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS). Diante desse aparato, só continuaremos a aceitar condicionalidades especulativas do Banco Mundial e do FMI se cometermos crimes de lesa-pátria.

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