Segunda-feira, 05 de Setembro de 2011
LEITURAS DE VEJA
O milagre da irresponsabilidade
Por Ligia Martins de Almeida
Por quanto a revista Veja poderia ter vendido – se usasse essa prática – a capa “Parece milagre!”, a respeito de um novo remédio que faz emagrecer entre sete e 12 quilos em apenas cinco meses (edição nº 2233, data de capa de 7/9/2011)?
Na capa, uma ilustração no melhor estilo “antes e depois”. De um lado, a moça mais gorda, braços cruzados para esconder as gordurinhas indesejáveis. Do outro, a mesma jovem, magrinha e sorridente, exibindo um corpo invejável. As duas – ou melhor, a mesma mulher, antes e depois – se apoiam na agulha (o próprio “produto”) usada para aplicar o medicamento.
A foto de capa, que comprova a tese da imagem que vale por mil palavras, é apenas o começo de um texto que combinaria mais com o estilo de um publi-editorial. A matéria começa afirmando: “É grande a probabilidade de você, leitor, se identificar com a história a seguir”. E termina cravando que a substância usada no novo remédio “pode ser considerada a bala de prata contra o excesso de peso”.
Entre as duas frases, sete páginas com entrevistas de endocrinologistas fazendo cálculos sobre o novo remédio milagroso, pessoas que perderam peso e, para não dizer que só se trata de dieta, um parágrafo falando do número de diabéticos no Brasil e no mundo e uma frase resumindo os efeitos colaterais do remédio: náusea e vômitos.
Náuseas e vômitos
Não é a primeira vez que Veja dedica seu precioso espaço para falar de dietas milagrosas, algumas vezes até tentando alertar os leitores para os perigos de determinadas práticas. Mas talvez seja a primeira vez que a revista usa sua capa para divulgar um produto de forma tão descarada.
O sucesso da matéria pode ser comprovado no site Doce Vida, especializado na venda de produtos para diabéticos, que já no domingo (4/9) trazia a reprodução da capa de Veja com a matéria sobre o remédio. O medicamento, aliás, só pode ser vendido com receita médica e custa entre 343 e 350 reais nos sites de farmácias especializadas em vendas online.
O mesmo Doce Vida, nos comentários de leitores, mostra que o medicamento, embora indicado para diabetes, vai fazer sucesso mesmo é entre as sonhadoras que lutam para perder peso. Entre as manifestações de leitoras (anteriores ao lançamento comercial do remédio), os pedidos eram para serem avisadas de quando o produto estaria à venda, do que poderia ser feito para o governo interferir e fazer o laboratório baixar o preço (já que é um remédio para diabetes), e por aí afora.
Com a matéria de Veja, certamente a procura – na internet e nos consultórios de endocrinologistas – vai aumentar muito. E para os desesperados com a perda de peso (quanto mais milagrosa, melhor), pouco importa que a bula do medicamento diga que náuseas e vômitos estão entre os efeitos colaterais comprovados e que há risco de pancreatite e surgimento de tumor na tiroide.
Opção discutível
As mulheres – as grandes vítimas da mídia, quando se trata de excesso de peso – serão atingidas diretamente pela mensagem de capa da revista: 12 quilos em cinco meses, e sem dúvida estarão dispostas a enfrentar náuseas, vômitos, desidratação (outro dos efeitos mencionados em um dos artigos médicos da internet, só disponível em inglês) e o alto custo do medicamento.
E os pauteiros e editores da revista – felizes com a repercussão da matéria (porque as matérias desse tipo sempre dão excelentes resultados) – não terão qualquer sentimento de culpa se eventualmente se descobrir que os efeitos do tal medicamento podem ser péssimos para quem não tem problemas com glicemia. Até lá, terão mudado os pauteiros e os editores e os próximos poderão discutir o assunto sem qualquer culpa no cartório.
O que Veja deixou claro, com essa matéria, é que a responsabilidade da imprensa com seus leitores nem sempre vem em primeiro lugar. A vontade de causar impacto (ou talvez de atender os interesses de seus anunciantes) às vezes fala mais alto. Se a matéria fosse um publi-editorial, os fabricantes seriam livres para dizer o que bem entendessem. Em uma matéria produzida pela Redação, é discutível dar o nome de um produto comercial logo nas primeiras linhas e mais ainda dizer ao leitor que ele vai se identificar na história de alguém que usou o tal ou qual medicamento. Tudo sem alertar, em momento algum, que o remédio é novo e ainda não se sabe dos seus efeitos sobre o corpo humano no longo prazo.
[Ligia Martins de Almeida é jornalista]
Na capa, uma ilustração no melhor estilo “antes e depois”. De um lado, a moça mais gorda, braços cruzados para esconder as gordurinhas indesejáveis. Do outro, a mesma jovem, magrinha e sorridente, exibindo um corpo invejável. As duas – ou melhor, a mesma mulher, antes e depois – se apoiam na agulha (o próprio “produto”) usada para aplicar o medicamento.
A foto de capa, que comprova a tese da imagem que vale por mil palavras, é apenas o começo de um texto que combinaria mais com o estilo de um publi-editorial. A matéria começa afirmando: “É grande a probabilidade de você, leitor, se identificar com a história a seguir”. E termina cravando que a substância usada no novo remédio “pode ser considerada a bala de prata contra o excesso de peso”.
Entre as duas frases, sete páginas com entrevistas de endocrinologistas fazendo cálculos sobre o novo remédio milagroso, pessoas que perderam peso e, para não dizer que só se trata de dieta, um parágrafo falando do número de diabéticos no Brasil e no mundo e uma frase resumindo os efeitos colaterais do remédio: náusea e vômitos.
Náuseas e vômitos
Não é a primeira vez que Veja dedica seu precioso espaço para falar de dietas milagrosas, algumas vezes até tentando alertar os leitores para os perigos de determinadas práticas. Mas talvez seja a primeira vez que a revista usa sua capa para divulgar um produto de forma tão descarada.
O sucesso da matéria pode ser comprovado no site Doce Vida, especializado na venda de produtos para diabéticos, que já no domingo (4/9) trazia a reprodução da capa de Veja com a matéria sobre o remédio. O medicamento, aliás, só pode ser vendido com receita médica e custa entre 343 e 350 reais nos sites de farmácias especializadas em vendas online.
O mesmo Doce Vida, nos comentários de leitores, mostra que o medicamento, embora indicado para diabetes, vai fazer sucesso mesmo é entre as sonhadoras que lutam para perder peso. Entre as manifestações de leitoras (anteriores ao lançamento comercial do remédio), os pedidos eram para serem avisadas de quando o produto estaria à venda, do que poderia ser feito para o governo interferir e fazer o laboratório baixar o preço (já que é um remédio para diabetes), e por aí afora.
Com a matéria de Veja, certamente a procura – na internet e nos consultórios de endocrinologistas – vai aumentar muito. E para os desesperados com a perda de peso (quanto mais milagrosa, melhor), pouco importa que a bula do medicamento diga que náuseas e vômitos estão entre os efeitos colaterais comprovados e que há risco de pancreatite e surgimento de tumor na tiroide.
Opção discutível
As mulheres – as grandes vítimas da mídia, quando se trata de excesso de peso – serão atingidas diretamente pela mensagem de capa da revista: 12 quilos em cinco meses, e sem dúvida estarão dispostas a enfrentar náuseas, vômitos, desidratação (outro dos efeitos mencionados em um dos artigos médicos da internet, só disponível em inglês) e o alto custo do medicamento.
E os pauteiros e editores da revista – felizes com a repercussão da matéria (porque as matérias desse tipo sempre dão excelentes resultados) – não terão qualquer sentimento de culpa se eventualmente se descobrir que os efeitos do tal medicamento podem ser péssimos para quem não tem problemas com glicemia. Até lá, terão mudado os pauteiros e os editores e os próximos poderão discutir o assunto sem qualquer culpa no cartório.
O que Veja deixou claro, com essa matéria, é que a responsabilidade da imprensa com seus leitores nem sempre vem em primeiro lugar. A vontade de causar impacto (ou talvez de atender os interesses de seus anunciantes) às vezes fala mais alto. Se a matéria fosse um publi-editorial, os fabricantes seriam livres para dizer o que bem entendessem. Em uma matéria produzida pela Redação, é discutível dar o nome de um produto comercial logo nas primeiras linhas e mais ainda dizer ao leitor que ele vai se identificar na história de alguém que usou o tal ou qual medicamento. Tudo sem alertar, em momento algum, que o remédio é novo e ainda não se sabe dos seus efeitos sobre o corpo humano no longo prazo.
[Ligia Martins de Almeida é jornalista]
05/09/2011
Remédio para diabetes não deve ser usado como emagrecedor, diz Anvisa
DE SÃO PAULO
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) lançou hoje em seu site uma nota de alerta sobre o uso inadequado de um remédio para diabetes com o intuito de emagrecer.
O uso do medicamento Victoza para perder peso foi tema de matéria de capa da revista "Veja" desta semana. A reportagem citava exemplos de sucesso de pessoas que emagreceram com o remédio e tiveram poucos efeitos colaterais.
Leia mais sobre o assunto no blog Laboratório
Segundo a Anvisa, "a única indicação aprovada atualmente para o medicamento é como agente antidiabético. Não há, até o momento, solicitação na Anvisa de extensão da indicação do produto para qualquer outra finalidade. Não foram apresentados à Anvisa estudos que comprovem qualquer grau de eficácia ou segurança do uso do produto Victoza para redução de peso e tratamento da obesidade."
A Anvisa diz ainda que o uso do produto para qualquer outra finalidade que não seja para tratamento de diabetes apresenta elevado risco para a saúde da população.
O Victoza foi aprovado para comercialização no Brasil em março de 2010 para uso específico no tratamento de diabetes tipo 2. Sua indicação, segundo a Anvisa, é como "adjuvante da dieta e atividade física para atingir o controle glicêmico em pacientes adultos com diabetes tipo 2, para administração uma vez ao dia ou como tratamento combinado com um ou mais antidiabéticos orais, quando o tratamento anterior não proporciona um controle glicêmico adequado".
De acordo com a Anvisa, foram relatados eventos adversos associados ao medicamento nos estudos clínicos do registro e nos relatórios de segurança periódicos apresentados à Anvisa. Os mais frequentes são hipoglicemia, dores de cabeça, náusea e diarreia. Destacam-se ainda o risco de pancreatite, desidratação e alteração da função renal e da tireoide.
Nenhum comentário:
Postar um comentário